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Rodolfo Lucena

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Perfil Rodolfo Lucena é ultramaratonista e colunista do caderno "Equilíbrio" da Folha

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Quênia muda time e fofoca corre solta

Por Rodolfo Lucena
14/06/12 17:36

Entender a mente dos cartolas está muito além de minha limitada capacidade intelectual. Até consigo vislumbrar sua ânsia de mostrar que, efetivamente, têm o poder. Mas fazer isso mesmo com o risco de sair prejudicado na barganha?

Estou me referindo, como você já percebeu pelo título, à seleção da equipe de maratonistas do Quênia. Como você leu neste blog, primeiro foi anunciada uma pré-seleção de meia dúzia de atletas. Na hora de formar o time para valer, deixaram de fora nada menos do que dois dos mais velozes corredores da história.

A federação queniana barrou Patrick Makau, recordista mundial da maratona, e Geoffrei Mutai, dono da melhor marca da história –não reconhecida como recorde pela IAAF por ter sido estabelecida em Boston.

Bom, agora, no Dia dos Namorados, a entidade anunciou uma substituição na equipe. Moses Mosop, recordista de Chicago e dono da segunda melhor marca da história –também não reconhecida por ter sido cravada em Boston, na cola de Mutai–, mandou mensagem à federação dizendo que estava machucado e que não conseguiria se recuperar a tempo de garantir bom desempenho na maratona olímpica.

Tudo bem, disse a federação. E anunciou como substituto Emmanuel Mutai, que é um grande corredor, campeão de Londres em 2011, mas apenas sétimo colocado neste ano. Como seu reserva, foi buscar, fora daquele time de pré-selecionados, Stanley Biwott, campeão de Paris.

Todo mundo estranhou, já que Patrick Makau repetidas vezes dissera estar recuperado de sua lesão. Percebendo o diz-que-me-disse que estava rolando, a Federação explicou suas razões: “Nós solicitamos a seus agentes um relatório explicando por que eles abandonaram as provas de Londres e Boston e até agora não recebemos nenhuma justificativa nem de Makau nem de Mutai. Vamos continuar pressionando por uma resposta.“

Os agentes de Geoffrei Mutai (que não é parente do Emmanuel) ainda não vieram a público, mas os representantes de Makau estão furiosos com o que dizem ser uma falsidade da federação queniana.

Segundo a Possosports Europe afirmou ontem, nem a empresa nem o atleta receberam aquela solicitação que teria sido feita pela entidade. Mesmo assim, informaram, por e-mail, qual era a situação de Makau e que ele já estaria em condições de competir.

“Não questionamos a escolha dos substitutos de Mosop, mas queremos deixar claro é que nós e Patrick Makau informamos à Federação sobre o problema do atleta e dissemos que era uma lesão menor. Ele estará pronto para representar o Quênia em Londres, se for selecionado”, afirmou Zane Branson, manager de Makau.

Bom, aí estão as cartas na mesa. Vamos ver o que rola na hora em que for dado o tiro de largada. Como já disse um homem muito mais sábio que eu –e que esses cartolas todos, por suposto–, “a prática é o critério da verdade”.

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Aventura corrida no maior latifúndio do mundo

Por Rodolfo Lucena
10/06/12 18:22

Dou uma passada e quase caio na areia fofa, que um dia foi branca, mas está cinzenta, marronzada, toda junta e misturada por milhares de passadas de corredores que, mais rápidos, por ali passaram antes do que eu. Isso só torna mais difícil minha jornada, com o sol queimando no lombo e a mente toda dirigida para uma só direção: não posso torcer o pé.

Alguns metros antes, quase me tinha ido. Em vez de entrar na areia fofa com a parte da frente do pé, fui de chapa, e um pedaço mais firme de areia me desequilibrou. Senti o calcanhar rodar, o tornozelo dar um grito, eu mesmo sufoquei uma maldição, mas puxei o pé e segui firme. Quer dizer: tão firme quanto aquele terreno me permitia.

Deu tempo até para me perguntar: o que meus fisioterapeutas diriam se me vissem fazendo essas coisas, maltratando minhas pobres hérnias com quem tanto luto? Eu mesmo me pergunto: o que estou fazendo aqui, eu que sou do asfalto e da sombra? Aproveito para responder de bate-pronto: estou me divertindo muito, descobrindo mata e morro, praia e coqueiral, sombra e solaço. Estou na Bahia, meu rei, e aqui não há espaço para mimimimi, é só diversão, descanso e prazer.

Corrida também, por certo, mas o que é a corrida senão diversão, descanso e prazer? O evento tem o estranho nome multilingual de Running Daventura e se trata de um rol de corridas em terreno fora de estrada. Bem fora da estrada, meus senhores e minhas senhoras: é na Praia do Forte, uma das joias do litoral baiano, a cerca de uma hora de carro partindo do aeroporto de Salvador.

O lugarejo, bairro do município de Mata de São João, é afamado pelo mar quente –como em todo o nordeste, diga-se de passagem—e pelas piscinas naturais que se formam na maré baixa. Protegidos por arrecifes, os banhistas podem então se deleitar em centenas de metros quadrados de águas rasas e calmas.

Há quem nade, outros vestem o snorkel para apreciar a peixaria colorida ao longo das pedras, as crianças gritam e chapinham por tudo, adultos simplesmente apreciam os bares flutuantes –pedaços de isopor que servem de suporte a cervejas geladas, caipirinhas, caipiroscas e até um tira-gosto de camarão frito na hora.

Coisa de lorde, só pode.

A gente se sente como grão-senhor, tal e qual deveria ser a vida de um tal Garcia D`Ávila, nobre explorador dos idos de 1500 e caquerada. Pois foi dele o casarão, hoje em ruínas, que encima o morro Tatuapara, de onde olha toda a praia do Forte e arredores. Ali, do lado do casarão, chamado hoje Forte Garcia D`Ávila, Casa da Torre e outros tantos apelidos, fica a área da largada das provas do Running Daventura do meu sabadão praiano.

Das ruínas, dá para ver belezas sem conta, mas a gente, mais de mil corredores, não tem olhos para outra coisa senão nosso relógios, uma garrafinha d`água, o pórtico de largada… A prova está atrasada –e não venha ninguém me dizer que isso é coisa de baiano, porque fiquei por aqui uma semanas e quase tudo andou nos trinques, funcionando na horinha tal e qual combinado.

Logo a largada da corrida, que já era tarde, prevista para as 8h30 de sol forte, vermelho, assustador, atrasa. Com mais de meia hora tardia, saem as mulheres. Os homens temos de aguardar mais um tanto, o sol vai nos comer a todos.

Foi a única falha que vivi nessa prova. Estranhei, pois ultimamente as organizações têm respeitado a hora de largada –pelo menos, nas corridas em que participei. Não sei o quanto me prejudicou ou a todos os colegas corredores, mas sobrevivemos.

 De qualquer forma, o horário inicialmente previsto já era muito tardio: cá na terra do sol, mesmo no inverno, tenho para mim que qualquer corrida deveria começar pelas seis da manhã, no máximo às sete. Eles devem ter suas razões, eu tenho as minhas: quanto mais cedo e menos quente, melhor para a saúde e para o desempenho do corredor. Se o sofrimento for menor, maior será a diversão.

Passou, azar!

A largada, como só poderia ser, é morro abaixo –afinal, estamos no ponto mais alto dessa área do litoral. Despencamos todos por um matinho, chão de terra, depois um pedaço de concreto, mais terra e estradão.

Só ali, depois de mais de 500 metros descendo quase em fila, todos meio ombro a ombro, é que começamos a mexer um pouco mais as pernas, para logo entrar num buraco de mata, à esquerda, embicando para mais descida protegida do sol e com chão delicioso, de terra batida, mas meio esponjosa, se é que me faço entender. Mesmo minhas passadas pesadas são amortecidas na terra generosa.

Tinha passado por ali dias antes, em um treino, e visto a placa que anunciava: floresta sustentável. Trata-se de um dos tantos –e muito bacanas—projetos ecológicos da região. Este busca recuperar a mata nativa e, ao longo do processo, ajudar agricultores da região, que contribuem para a defesa da mata e também conseguem fazer algum dinheiro com o trabalho.

Mas não vemos quase ninguém. As casas devem estar escondidas pelas dezenas de hectares de mata protegida. Nas trilhas largas, descemos até um posto de água que marca o início da volta para quem faz o trajeto de cinco quilômetros. É um percurso curto, mas desafiador, com uma subidona que pega quase toda a parte final.

Eu sigo em frente, vou fazer o trajeto de 14 quilômetros (há também provas de 8 km e 21 km). Na primeira curva, passo pela entrada de um camping, uma das poucas áreas com público. Em vez de aplaudir nosso esforço, um gaiato grita, apontando para mim: “Olha o náufrago!”

Que nada! Sei bem onde estou, no meio das centenas de hectares da reserva Sapiranga, um paraíso ecológico que tem caminhos de bromélias, cheiro de mata fresca e os limites definidos pela passagem do rio Pojuca –por ali, na temporada de cheia, suas águas calmas ficam endiabradas, metidas em corredeiras que tornam aventuresco um passeio de caiaque…

Aproveito para dizer que o rio Pojuca passa a fazer parte da história de minha vida: foi o primeiro rio que atravessei a nado, ida e volta. Está certo que eram pouco metros, lá na foz, no encontro com o marzão velho sem porteira, mas isso não diminui minha satisfação, pois as águas vinham fortes e eu, como nadador, talvez seja um bom jornalista… Consegui o feito, de qualquer forma, e fica registrado para a posteridade.

Talvez corram para o rio Pojuca, por sinal, os olhos d`água e riachinhos que atravessamos na mata. Em algumas passagens, há pontes de madeira, um tanto escorregadias; em um, porém, há que meter o pé na água e seguir morro acima.

O trajeto na mata dá cerca de seis quilômetros, sempre subindo e descendo, com pé no barro, em trilhas em que só passa uma pessoa ou em caminhos mais confortáveis. Apesar de protegido do sol, sinto muito calor, pois a umidade vai sufocando o corpo; o perfeito abastecimento de água, porém, ajuda a compensar, e também dou umas caminhadinhas de vez em quando.

CONTINUA….

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Aventura corrida no maior latifúndio do mundo - final

Por Rodolfo Lucena
10/06/12 18:11

Emergindo da mata, voltamos ao estradão. Os que vão fazer oito quilômetros já veem a entrada para seu ultimo trecho. Quem segue para mais morro, terra e mato, porém, só mesmo dá um adeusinho para as posses de Garcia D`´Avila e mete o pé na estrada.

Dizer “posses” de Garcia D`´Avila é minimizar as propriedades desse sujeito cuja história pode bem sintetizar muito das relações do poder público com os poderosos ao longo da história (e não só por terras nativas, é bom que se diga). Chegou ao Brasil com seu pai, Tomé de Souza, primeiro governador-geral da então colônia portuguesa. Era o ano de 1549 e o jovem, então com 21 anos, foi nomeado feitor e almoxarife da cidade de Salvador e da Alfândega.

Era um cargo sem salário: ele vivia da cobrança de seus serviços para importadores e exportadores (coisa pouca, como você pode imaginar). E não usava o nome do pai porque a lei portuguesa não permitia que pessoas em altos postos empregassem parentes…

Bueno, para encurtar a história, Garcia D`Ávila enricou num zás. Além de dinheiro e poder, comprou e tomou terras com voracidade desmedida. Ergueu em 1550 o forte que leva seu nome e, sete anos depois, já era o homem mais poderoso da Bahia: suas posses iam de Salvador ao Maranhão sem interrupções nem cortes nem divisas…

O território avilense totalizava cerca de 800 mil quilômetros quadrados, o que dá quase dez por cento do Brasil de hoje, mais do que as áreas, somadas, de Portugal, Espanha, Holanda, Itália e Suíça.

Tratava-se do maior latifúndio do mundo e alguns estudiosos vão mais longe: o maior latifúndio da história. Vai saber.

O poder dos Ávilas transmitiu-se pelos séculos, mas, na Independência, a família de poderosos ombreou-se com os portugueses e, a partir dali, foi a derrocada, cresceu como rabo de cavalo, morro abaixo aos trancos e barrancos…

Ou seja, mais ou menos a minha situação nos tempos hodiernos, nessa corrida açucarada e cheia de pimenta.  Tinha calculado que, depois do esforço de subir o estradão, entraria no mato e desceria na maciota, por trilhas, até a praia. Sabia que estaria agora num descampado e que aqueles quarenta minutos de atraso na largada se fariam sentir em sol e calor, mas estava tranquilo.

Não esperava, porém, que a areia fofa estivesse tão no alto do morro. Meu despencar passou a ser um pesadelo. Corria, corria e quase não saía do lugar. Não eram dunas, os pés não afundavam na areia, mas também não conseguia fazer com que me fizessem seguir para a frente na velocidade que meu esforço dizia que eu deveria estar.

Para tornar mais desagradável a situação, os caras que faziam a meia maratona começaram a me alcançar por volta do meu km 9 (o km 16 deles) e passavam correndo como se a areia fofa que me amarrava os passos fosse pista de carvão para eles. Dava raiva.

Um deles conheci mais tarde, tipo do sujeito que gosta de correr. Ultramaratonista, certa vez não encontrou corrida que lhe agradasse e resolveu fazer sua própria: partiu de Salvador e sete dias mais tarde chegou a Aracaju, distante quase 300 quilômetros. Não satisfeito, ainda fez, um dia depois de chegar, a corrida de 25 km que homenageia o aniversário da capital sergipana.

Levar capote de gente assim não é vergonha para ninguém, ainda mais para mim, que não tinha outro objetivo que não fosse chegar inteiro, aproveitar o passeio, sofrer o mínimo possível e me divertir o máximo que desse.

Resolvi alternar corrida e caminhada. Usei a água para molhar as costas, os braços, as pernas. Me dizia que, quando chegasse à praia, tudo iria melhorar.

Melhorou mesmo. O mar é lindo, as ondas estouram em música poderosa, a espuma parece uma cama nas nuvens, a areia firme é passarela…. Pura poesia.

Nada disso. O caminho que nos deram era pela areia fofa, cá no alto, perto dos coqueiros e dos ninhos de tartarugas, todos demarcados com pequenos postes numerados.

Não era certo correr por ali, pisar em ovos (literalmente). Me fui para a beira, para a areia firme, sentir o vento no rosto, abrir a passada, fingir que estava correndo… Olerê, olará, que agora o bicho vai pegar!

Muito entusiasmo para pouca corrida… Metros adiante, havia um corredor estirado no chão, sofrendo câimbras, imagino, pois alguém da organização tratava de ajudá-lo com alongamentos. Eu resolvi seguir mais piano…

Também não tinha mais muito a fazer, pois o trecho de praia acabou mal tinha começado. Depois de uns 300 metros, embicamos de novo por trilhas de areia maldita, fofa.

Eram melhores que as da descida, porém. Fui negociando o trajeto, correndo onde parecia possível, caminhando, sendo ultrapassado por mais meio-maratonistas, mas avançando. Dois dias antes, fizera 12 km por um percurso muito mais fácil, terminando em cerca de uma hora e quarenta. Pensava que conseguiria completar a prova em duas horas, talvez duas e dez.

O sol e a areia fofa, porém, conspiravam contra mim. Resolvi não lutar. Melhor aproveitar o percurso, olhar as belezas em volta… Que belezas, meu senhor? Só areia e vegetação rasteira… Bora correr!

Correndo, chego enfim a um matinho, um pouco de sombra, mais uma sanga que é preciso cruzar, molhando de novo os tênis que o calor já havia secado um pouco.

Sem nem perceber, estou de volta ao estradão. Agora é só subida, mas o terreno é conhecido. Chego mesmo a ultrapassar um corredor dos 14 km, mas não percebo que é rival. Mais à frente, uma cobra coral (?????) morta na estrada faz com que eu pare e registre a cena. Foi o que deu para o cara me passar.

 

Caminhei mais um pouquinho, para que ele se distanciasse e pudesse virar um alvo, e comecei a correr (imitação de corrida, um ritmo qualquer que era mais rápido do que se arrastar…). Mas qualquer coisa me desconcentra e já não tenho mais alvo à frente.

Então subo, faço o que me é possível e entrou na escalada final. Curva para cá, curva para lá, areia fofa, terra batida, concreto, curva para cá, curva para lá e vejo a Eleonora. Ela está sentada numa sombra, na beira da estrada, grita meu nome, grito o dela e passo para logo cruzar o pórtico de chegada.

Terminei antes das duas horas, pouquinha coisa. Uma boa aventura sofrida e suada, por mata, praia e morro no maior latifúndio da história. Salve a Bahia!

 

 

PS.: A foto da chegada é de autoria de Alexandre Huang, treinador de corrida em Salvador, que gentilmente a mandou para mim. Obrigado.

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Como proteger o corpo depois da maratona

Por Rodolfo Lucena
04/06/12 10:58

A maratona de Porto Alegre abriu ontem na capital gaúcha a temporada de caça aos 42.195 metros. Logo teremos as maratonas de São Paulo, do Rio e demais desafios para os maratonistas brasileiros, que precisam não só lutar contra a distância mas também contra o clima, que nem sempre é o ideal para a prática de corrida de longa distância.

Ontem, em Porto Alegre, a temperatura estava boa para correr, mas ventou muito. Mesmo assim, a queniana Flomena Cheyech Daniel estabeleceu novo recorde entre as mulheres, com 2h34min13 –ainda que não me agrade muito usar a palavra recorde, pois o percurso da prova mudando ao longo do tempo. No masculino, o cunhado dela, Kiprop Mutai, conseguiu resistir ao ataque de Adriano Bastos e fechou em 2h17min –os dois quenianos fizeram ontem sua estreia na distância.

Bom, mas quero agora é falar com a turma do fundão. Muitos maratonistas chegam à prova com a cara e a coragem, sem apoio de técnico ou qualquer tipo de orientação profissional.   É bom lembrar que correr é apenas uma parte do continuar correndo. Para a gente ficar bem, é preciso ter um bom processo de recuperação do esforço feito na maratona. É preciso proteger o corpo para que tenhamos condições de voltar a treinar adequadamente e logo botar olho em um próximo desafio.

A nova preparação começa hoje.

Segundo o treinador Alexandre Blass, da Força Dinâmica, “no dia seguinte a uma prova deve-se caminhar moderadamente entre 30min e 60min para aumentar a circulação sanguínea nos músculos e ajudar na recuperação dos processos inflamatórios. A caminhada ao mesmo tempo em que envolve os mesmos grupos musculares que a corrida, favorecendo o direcionamento do sangue para as estruturas sobrecarregadas na maratona, tem menos impacto do que ela.”

E como seguir? Ele continua: “Se tiver vontade pode repetir a caminhada nos dois dias seguintes. No quarto dia após a maratona, pode correr leve por 30min, caminhado 15min antes e depois, podendo repetir esse treino no sexto dia após a prova. Dependendo da recuperação até ai, pode correr por 50min num ritmo leve. Outra atividade adequada é fazer um leve treino de força duas vezes nessa semana e alguns exercícios de alongamento.

A orientação dada por Blass é corroborada por Miguel Sarkis, experiente corredor e diretor técnico da equipe que leva seu nome. Segundo, depois de alguns dias de descanso ou recuperação, o corredor deve manter-se atento à percepção do estado geral do seu organismo, “conduzindo a treinos leves e médios para, depois, retomar a base de treino”.

Ele destaca que, agora, o treinamento deve ser bem diferente do que o atleta manteve no período pré-maratona.

Sarkis e Blass recomendam cuidado na escolha da próxima competição. Muitos de nós terminamos uma prova já de olho na próxima corrida.Depois de uma maratona, porém, a maioria dos atletas precisa dar um tempo antes de exigir novo esforço intenso do corpo.

Lembrando que cada caso é diferente e que fatores como idade, experiência no treino de maratona, cobrança por resultado competitivo, sono e estresse precisam ser levados em consideração, Blass afirma que “de modo genérico, após oito a dez semanas pode-se voltar a competir”.

Novamente, os dois treinadores ouvidos pelo blog concordam. Sarkis também destaca as diferenças entre cada atleta: “Depende de qual o objetivo. Se você trabalhou visando um resultado para a maratona, então a sua resposta orgânica no momento estava para resistência. Se você pretende “participar” de uma prova, sem problemas, mas se você pretende obter resultado em 10km ou outra distância, então precisará de treinos de até dois ou três meses, para readquirir a outra condição de prova que será a de velocidade de resistência e assim, obter melhores resultados e afastar a possibilidade de lesões”.

Quanto a uma nova maratona, que vários entre nós já tratam como carne de vaca e vão correndo uma atrás da outra, Sarkis afirma que o buraco é mais embaixo: “Um intervalo de seis meses é o mais recomendado, até mesmo para que haja descanso orgânico, que significa desfazer os treinos anteriores e refazer a condição para outra maratona. Precisamos refazer ciclo de treinos e isso pode levar mais tempo, de até seis meses. Há casos de pessoas dotadas para a ultramaratona, onde o esforço de realizar uma maratona pode significar menos desgaste do que para a grande maioria, permitindo que  realize mais maratonas do que a média de todos os corredores do mundo. Isso é para poucos”.

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Nuvens ameaçadoras rondam os Jogos de Londres

Por Rodolfo Lucena
01/06/12 12:52

Muita gente já reclama do desvario que serão os Jogos Olímpicos do Rio em 2016, com o estilo supostamente desleixado de ser dos brasileiros, mas parece que as coisas não andam tão bem assim na capital do poderoso e bem organizado Império Britânico.

A cerca de 60 dias da abertura dos Jogos, os londrinos não estão nem um pouco satisfeitos com a perspectiva dos acontecimentos –pelo menos, a crer em um artigo escrito pelo repórter Dave Zirin, da revista norte-americana “The Nation” (AQUI, em inglês).

Ela passou 15 dias em Londres entrevistando e convivendo com o que chama de “todo mundo” envolvido com a Olimpíada. Na avaliação dele, a população local está desagradada com a balbúrdia que cerca o evento, ultrajada com as medidas de segurança que beiram a paranoia e furiosa porque não há ingresso disponíveis para as competições –os patrocinadores e as grandes corporações abocanharam grandes quantidades de entradas, deixando o Zé povinho na mão.

Na descrição de Zirin, os londrinos estão percebendo que vão viver ruma grande e dolorida ressaca sem terem tido os [supostos] prazeres de ficarem bêbados.

Para piorar as coisas, segundo ele, há pouco debate sobre os gastos envolvidos com a produção dos Jogos. Num momento em que a Europa  enfrenta grave crise econômico, bancar os Jogos Olímpicos é uma empreendimento caríssimo. E os gastos parecem estar fora de controle, segundo Zirin: o custo real deverá ser dez vezes superior ao orçamento previsto em 2005…

Com isso, sem dúvida, Londres vai brilhar aos olhos do mundo durante os jogos. Depois, porém, avalia o repórter da “The Nation”, o povo é que vai pagar a conta.

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Corredoras sofrem mais de dores nas costas

Por Rodolfo Lucena
30/05/12 12:02

Mulheres que correm são mais atingidas por dores lombares do que os homens, segundo estudo feito pelo Spine Center, do Hospital do Coração de São Paulo.

A pesquisa, realizada com 240 participantes de corridas de rua, sendo 123 mulheres e 117 homens, mostrou que 49,5 % das mulheres reclamavam de dores lombares, contra 39,3% dos homens.

O fato, porém, é que quase todo mundo sofre com dores nas costas.

 “A corrida é um esporte de impacto e, se não praticado adequadamente, pode agravar os problemas na coluna. Entre os participantes do estudo, as dores lombares estão presentes em mais de 70% dos casos, seguidas das dores cervicais, que atingem 30% dos corredores, independente do sexo”, diz o fisiatra intervencionista  João Amadera.

A idade pesa sobre os ombros: corredores maiores de 30 anos e corredoras com mais de 40 anos têm o risco aumentado em quase duas vezes de sofrerem dores crônicas na coluna.

Ser mais gordinho, porém, parece não ser um fator importante para as dores lombares, no caso dos homens. No caso das mulheres com sobrepeso, há um risco 50% maior de desenvolverem o problema.

O risco de desenvolver dores nas costas dobra em ambos os sexos após um ano de prática de corrida. Para o fisiatra Daniel Pimentel, “isso é um indício que o tempo de prática da modalidade pode ser um fator de risco para a dor na coluna. Isso ocorre por diversos fatores, como despreparo físico, má postura, falta dos fundamentos adequados ao correr e por não darem tempo suficiente de descanso para a regeneração de microlesões causadas nos treinos”.

Em média, os corredores classificaram suas dores como moderadas. Segundo os médicos, muitos seguiam praticando corrida mesmo sofrendo, o que só contribui para agravar eventuais lesões.

Bom, apresentados acima os resultados da pesquisa, deixa eu dar meus pitacos. Em primeiro lugar, não preciso nem consultar estatístico nenhum para dizer que ela não é representativa do universo dos corredores. Basta ver que entrevistou mais mulheres do que homens…

Isso não significa, porém, que ela não seja importante. Reflete a condição dos entrevistados e talvez possa até ser extrapolada, mas já não me arrisco a entrar nesse mérito.

Dito isso, vamos logo ao problema: as dores nas costas. Elas podem ter muitas causas, como já pude descobrir por mim mesmo: excesso de treino, má postura, reflexo da vida não corrida e por aí vai. Eu acho –e aqui é chute mesmo—que a má postura na corrida e, principalmente, na vida não corrida, seja a grande vilã.

E qual é a resposta? Manter sempre firme a musculatura abdominal, segurar o transverso e por aí vai. Dia desses, participei de uma oficina de canto coral –sou baixo, mas faz tempo que não participa dessas aventuras…—e o regente mandou todo mundo sentar na posição de cantor.

E qual é ela?

Simples: o cantor deve ter seis pés firmemente apoiados no chão, os quatro da cadeira e os dois dele mesmo. As pernas e os pés não devem estar largados, jogados, estirados, mas em posição tal que permita à pessoa erguer-se imediatamente, ao comando do regente, apenas com a força das pernas.

Isso significa que elas devem estar levemente flexionadas, com o peso do corpo jogado mais para a frente dos pés. O tronco deve estar livre para o ar passar, o pescoço também, a cabeça ereta, e o cantor deve ser capa de ver à sua frente, enxergar o regente.

Se estiver na posição correta, provavelmente estará ocupando a parte da frente do assento da cadeira e haverá um espaço entre as costas da pessoa e as costas da cadeira. Isso vale para quem trabalha muitas horas, ou mesmo poucas, sentado.

Bem, espero ter feito a descrição correta. Quando o cara deu todas essas dicas, eu percebi que estavam muito próximas das dicas que recebo de meus orientadores de técnica de corrida. Ao correr, o corpo deve ficar levemente inclinado à frente, a gente deve garantir no abdominal o equilíbrio de toda a estrutura e cuidar no movimento da passada, que é ao mesmo tempo aterrissagem e propulsão.

Outra coisa importante são os trabalhos de fortalecimento tanto da musculatura abdominal quanto da paravertebral.

Eu continuo sofrendo com as dores lombares (afinal, tenho duas hérnias, um monte de desencontros nos ossos das costas, quadril meio bichado e por aí vai, mas elas vêm diminuindo e já consigo correr razoavelmente.

No processo de recuperação –de fato, sempre–, é preciso ter cuidado para não trabalhar com excesso de volume ou intensidade, que é caminho certo para lesão.

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Maratona é mais difícil que parto, diz debutante

Por Rodolfo Lucena
29/05/12 09:14

“A coisa mais difícil que já fiz na minha vida. Muito pior do que o parto, fácil, fácil”. Assim a norte-americana Tina Reale descreve a sua estreia em maratonas, em uma recente prova em Cleveland, Ohio.

Dona de um blog em que se descreve como “mulher, mãe, corredora, apiaxonada por doces, treinadora pessoal e fanática por boa forma, ela continua assim sua comparação entre a maratona e o parto:

“É pior porque na maratona você não tem anestesia… E demorou mais tempo do que o trabalho de parto e do parto em si…”

Bem, em contrapartida, ela certamente não vestiu, quando foi para a maternidade, um modelito tão colorido e divertido como o que escolheu para sua estreia na maratona (foto Arquivo Pessoal).

Tina se deu bem na primeira parte, mal sentiu quando passou a meia maratona. A partir dali, porém, foi uma via-crúcis, alternando períodos de profunda dor e depressão, achando que nunca ia conseguir chegar, mesmo caminhando a passos de tartaruga, com momentos de euforia, em que acelerava e abriu o sorriso…

Do km 22 ao 28, por exemplo, sentiu muito o calor, começou a ficar abatida, suava demais, bebia água demais, fez paradas sucessivas para ir ao banheiro, caminhou muito…

Nos quilômetros seguintes, sob a sombra, melhorou um pouco, mas ela seguiu alternando caminhada e corrida. De vez em quando, chorava, mas apertava os dentes e seguia.

Quando passou o km 32, porém, tudo ficou melhor: parecia que ela iria conseguir chegar. Andou assim, feliz, por três quilômetros e desabou: chocou-se com “the wall”, a parede, o momento da exaustão.

Faltava tão pouco, pelo menos em relação ao início, que ela buscou forças de onde não tinha para conseguir caminhar, correr, ouvir os incentivos de amigos e pensar no marido e na filha que a esperavam na linha de chegada…

E lá se foi, para terminar com um sorriso que escondia uma história de lutas e dor.

Depois da batalha, resumiu: “A maratona tirou quatro horas, 42 minutos e 55 segundos de minha vida. Em troca, me deu uma experiência que vou levar para a vida toda”.

Para ver toda a história dela e mais fotos, clique AQUI.

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Fora da Olimpíada, Haile pensa em carreira política

Por Rodolfo Lucena
28/05/12 12:33

“A Olimpíada de Londres acabou para mim”, foi a frase definitiva –e triste—do ex-recordista mundial da maratona e dos 10.000 m Haile Gebrselassie ontem, depois de fracassar em sua tentativa de obter uma vaga nos 10.000 m.

O etíope que se transformou em lenda no atletismo, tendo quebrado dezenas de recordes na mais diversas distâncias, terminou em um modesto sétimo lugar na pista de Hengelo, Holanda. A prova foi usada pela Etiópia como seletiva olímpica.

Haile (foto arquivo AFP), que já havia falhado na tentativa de obter vaga para a maratona olímpica, chegou a se entusiasmar com a possibilidade de ir a Londres defender as cores nacionais na pista. Isso porque, na semana passada, tinha vencido uma prova de rua de 10 km na Inglaterra, cravando o melhor tempo do ano, 27min39.

Mas, como diz o outro, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Na pista, Haile foi até mais rápido, mas seu tempo de 27min20s39 nem fez cosquinhas no vencedor –seu compatriota Tariku Bekele, que estabeleceu a melhor marca do ano, 27min11s70, seguido por Leleisa Desisa Benti. Os dois vão a Londres pela Etiópia –a terceira vaga fica aberta esperando o recordista mundial Kenenisa Bekele, que está lesionado.

Por sua vez, Haile, quatro vezes campeão mundial dos 10.000 m, tentou manter a serenidade: “Eu pensei que seria possível ficar pelo menos entre os três primeiros, mas obviamente eu não tive velocidade para competir com meus rivais”.

“Para mim, acabou-se o tempo das sapatilhas de corrida”, resumiu ele. “Tenho 39 anos. Falhei na tentativa de conseguir uma vaga na Olimpíada. E há agora na Etiópia uma nova geração de jovens corredores muito velozes.”

Com a sua elegância de sempre, o Imperador declarou: “Eu dei tudo o que podia, por isso não estou triste nem desapontado. Eu sempre fico feliz ao correr”. Apontando para o futuro imediato, disse que agora vai se dedicar exclusivamente a correr meias maratonas e maratonas.

E, de olho num futuro um pouco mais distante, o corredor, que é também um grande empresário em seu país, tendo interesses em diversas áreas –é dono, por exemplo, de um resort de luxo–, anunciou: “Daqui uns três anos, pretendo entrar na carreira política. Eu gostaria de me tornar um membro do Parlamento”.

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Ultra vai sortear cavalo tordilho entre atletas

Por Rodolfo Lucena
25/05/12 10:04

Já vi muito prêmio inusitado nessas corridas pelo mundo. Numa prova em Saint Tropez, por exemplo, a gente ganhava um pedação de torta em vez de medalha. Mas essa ultramaratona que vai ser realizada no Paraná ganhou o título: vai sortear um cavalo entre os atletas participantes, desde que tenha pelo menos 200 inscritos.

O que os organizadores chamam de “modesto brinde” é um cavalo tordinho (acinzentado) de seis anos e 1,62 m, domado, que atende (?) pelo nome de Mimo (foto). Previdentes, os organizadores dizem que, se o sorteado não puder levar a montaria para casa, o animal será leiloado na hora, e o brinde vai virar dinheiro.

Tudo muito apropriado, pois o Festival Indoor de Ultracorridas de Campina Grande do Sul (PR) vai ser realizado em uma arena de rodeios proclamada como a maior do mundo. Num percurso coberto e plano, de terra batida, vão acontecer simultaneamente provas de seis horas, 12 horas e 24 horas.

Para quem acha isso muito, há ainda a opção de maratona: serão 105,5 voltas na pista de 400 m, e o tempo-limite é de cinco horas.

O encontro atlético está marcado para os dias 30 de junho e 1º de julho, com clima frio, propício para a corrida. Para saber mais, veja AQUI o regulamento. Não vi no regulamento a história do sorteio do cavalo, mas ela está registrada em mensagem que o diretor da prova mandou para mim.

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Gaivotas e garças visitam corredores na ponte

Por Rodolfo Lucena
23/05/12 08:29

Foi com o sol na cara, quase sem ver na nada à minha frente, que comecei a Corrida da Ponte. Seguia pelo asfalto buscando alguma sombra, olhando para o chão, franzindo os olhos para ter uma ideia mal e mal do movimento em torno e do que ainda iria chegar. Durou pouco mais de um quilômetro esse sacrifício, que não chegou a ser um suplício, apenas um incômodo, até que enfim viesse uma curva benfazeja, logo na entrada da dita-cuja, a ponte Rio-Niterói. Êta, nóis!, que agora ia começar a brincadeira.

E já não era sem tempo, pois eu vinha seco para correr por esse percurso majestoso desde o ano passado, quando a travessia da Rio-Niterói foi ressuscitada. Nasceu no século passado, em 1981; teve uma segunda edição no ano seguinte, falhou alguns e voltou a ser realizada em 1986. Então o trânsito cada vez mais intenso e outras tantas complicações provocaram um hiato de 25 anos.

Para mim, não deu no ano passado. Quando a prova foi realizada, em abril, eu estava em plena crise de dores lombares, quadrilares, podísticas e quejandos. Num daqueles dias, tinha saído do consultório médico chorando por dentro para me matricular em uma escola de natação, pois eu poderia não ter um futuro corrido.

Haja fisioterapia, musculação, exercícios de estilo e passadas, massagens e manipulações osteopáticas! Mas deu. Reaprendi a correr (não muito bem, é verdade), aos pouquinhos, intercalando estirões com caminhadas, controlando a musculatura abdominal, o movimento da coluna, o ângulo de entrada do pé no chão… Já fiz até uma maratona, mas isso é história para outra hora.

Agora estou na ponte.

Ainda não. Conto antes como lá cheguei. Foi de barca, os ônibus marinhos que fazem o percurso regular entre a antiga capital federal e a antiga capital fluminense. Saí às 6h30, barca lotada, indo ao encontro do sol, que nasce atrás de um morro niteroiense, lá do outro lado.

Apesar da multidão –eram 8.000 inscritos, proclamava a organização–, tudo seguiu na mais santa paz, e lá nos fomos para o Caminho de Niemeyer, um complexo de prédios projetados pelo centenário arquiteto comunista de quatro costados. Havia batalhões de banheiros químicos, e as filas dos angustiados para aliviar a bexiga ou os intestinos serpenteavam em perfeita ordem, garantida por bedéis que orientavam a ocupação dos sanitários. Circulei um pouco, pude até captar a bucólica cena do pescador que mal se dá conta da grandiosidade da paisagem que o circunda.

Com o sol se aquecendo, mas não a ponto de virar fornalha, o dia prometia ser agradável. A largada foi pontual e serena: fomos divididos em grandes grupos, de acordo com o tempo estimado para completar o desafio, e a saída foi em ondas, o que evitou atropelos e permitiu que todos pudessem correr de verdade assim que cruzassem o pórtico. Uma coisa assim, civilizada.

Eu não exatamente corria “de verdade”. Na manhã domingueira, me enfrentava com o sol cegante e com a vontade de seguir o mais rápido possível; não devia, não podia, precisava guardar forças, ainda que pretendesse fazer caminhadas de 500 metros a cada 5 km. Minha meta era chegar sem dores.

Os objetivos, porém, foram esquecidos quando enfim cheguei à ponte. É um portento da engenharia: cerca de 13 km de concreto cortando a baía da Guanabara, sendo pouco mais de 8 km sobre o mar. Dali se vê o Rio como de nenhum outro lugar: Copacabana, o Pão de Açúcar, lá longe o Redentor.

Os primeiros quilômetros são sobre terra firme, ou quase: abaixo de nós estão as ilhas da Conceição e as duas Mocanguê, a Pequena e a Grande, com faixas de oceano entre elas. Quando é que vem o marzão, gente?, me perguntava eu, vendo só carro, carro e mais carro. Um ônibus, caminhãozinho e dá-lhe carro.

É que ali, na chegada a Niterói, deu-se a principal buzunfa no trânsito. Os que vinham do Rio tinham seu trajeto interrompido porque precisavam esperar a passagem dos corredores; os que iam para a Cidade Maravilhosa precisavam se afunilar para uma faixa só.

Explico melhor. A rodovia tem duas pistas, separadas por canteiro de cimento, cada uma com quatro faixas. A pista sentido Niterói estava totalmente liberada; na de sentido Rio, apenas uma faixa foi aberta aos veículos, ficando duas reservadas aos corredores, protegidos por grades, e uma para segurança e veículos da organização, polícia, ambulâncias. Como eu vi, a coisa funcionou direito, ainda que tenha havido uma certa confusão no trânsito nos quilômetros mais próximos a Niterói; mais para a metade da ponte, porém, o fluxo estava tranquilo, como você pode ver nas duas imagens abaixo (fotos Divulgação; as demais são de minha lavra).

Quando eu vi, já estava com cinco quilômetros no lombo e nenhuma vontade de caminhar. Queria mais é seguir olhando o mar, cuidando os navios atracados por ali, enormes de certo, mas, lá de cima, parecendo uns pedacinhos de madeira colorida. Então me fui, percebendo que havia uma ladeirinha, subíamos pouca coisa, metro a metro, nada que chegasse a influenciar o ritmo. E eu ainda pensava: depois é descida, vai dar para mandar mais brasa…

 

E foi lá no meio do mar, vendo a orla do Rio e o Pão de Açúcar, que os ruídos estranhos foram tirar minha paz. Olhei em volta, nada. No céu sem nuvens, azul de brigadeiro, vi então os pássaros, que pareciam enormes figuras negras, esbeltas, grasnando, crocitando, gritando, fazendo uns sons esquisitos enquanto circulavam sobre nós.

Tentei identificá-los, sem muito sucesso. Havia basicamente dois tipos. Um parecia uma andorinha gigante, tinha rabo como uma tesoura aberta, e corpo longilíneo. O outro tipo era mais parrudo, também negro como a asa da graúna, tal e qual os cabelos de Iracema, e tinha ainda um colar vermelho –ou seria o bico.

Já não sei direito o que vi, a visão e a memória se embaralham. Na hora, nem atinei de tirar fotos. Cheguei a perguntar para parceiros corredores, que poderiam ser da área e conhecer as aves locais. “Gaivota”, me garantiu um. “Garça, será que é garça?”, desconfiou outro, logo se corrigindo: “Mas garça é branca, não é?”

Concluí que a ignorância no terreno da ornitologia grassava no asfalto da ponte Rio-Niterói. Não eram garças nem gaivotas. Quem sabe urubus? Essas figuras são contumazes frequentadores da região do aeroporto Santos Dumont, não poucos já perderam a vida em hélices e turbinas… Pode ser. Ou não?

Na internet, que é versão presente do pai-dos-burros, encontrei uma sugestão: biguá. Esse pode ser. A Wikipedia me ensina que o bicho também é chamado corvo-marinho e mergulhão, entre outros apelidos. Medem “cerca de 75 cm de comprimento e tem coloração negra, saco gular amarelo e tarsos negros”. Bueno, sei não; se você for especialista no ramo e puder esclarecer essa profunda dúvida, mande seu recado.

Sob os pássaros, movíamo-nos todos. Agora outra ilha me chamou a atenção. Era a das Enxadas, solitária, entre a ponte e Copacana. É pequena, acho que nem dá para sediar uma corrida, mas serve para várias instalações militares, como um centro de instrução da Marinha.

Assim me divertindo, vou seguindo até que uma pontada no quadril avise que a festa vai acabar. Mas dou uma repuxada, mudo a passada, ajeito o corpo e prossigo. Às vezes, tenho de reduzir o ritmo, mas espero para fazer nos postos de água, que aparecem a intervalos de cerca de três quilômetros e oferecem o líquido geladinho.

O importante é que consigo seguir sem parar, correndo sempre, e já percebo que a ponte está para acabar. Não senti, como esperava, ventania no vão livre sobre o mar; também não deu vontade de pular lá de cima nem tropecei em lugar nenhum. Vi várias pessoas sendo atendidas nas ambulâncias, mas o movimento dos enfermeiros não indicava que fossem coisas graves: uma bolha, câimbras talvez, excesso de esforço…

 E assim terminou a ponte. Mal dá para perceber seu fim, pois seguimos por uma via elevada, a perimetral. Quando passo o km 16, já começo a festejar, até acelero um pouco e suo mais. O esforço exige um certo descanso e, quando me preparo para a aguinha salvadora, o posto do km 18 está seco –a falha mais grave que percebi na prova.

Tudo bem, dá para encarar mais um pouco. Desestresso olhando a reforma em andamento no antigo e belo prédio da Cibrazem , reconheço as costas da cúpula do Theatro Municipal e já estou em terra firme, recolhendo os cacos de mim mesmo para continuar correndo, acelerando até: o último é meu quilômetro mais rápido no percurso, que beleza!

Passo o pórtico de braços erguidos, ganho a medalha –bonita, mas sem data nem local nem distância—e um beijo da Eleonora. Festejo a vitória de braço erguido e rosto suado e inicio o caminho de volta para casa. O sol agora, visto do avião, está do outro lado.  

PS.:  Apesar dos números divulgados inicialmente pelos organizadores, a prova deste ano foi menor que a do ano passado, que teve 5.354 concluintes. Neste, 4.589 homens e mulheres completaram o percurso. Damião Ancelmo de Souza e Marily dos Santos sagraram-se bicampeões. Eu cheguei em 3.332º lugar no pelotão masculino, com 2h31min01. Minha inscrição na prova foi cortesia dos organizadores.

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