Multicampeão da maratona da Disney, Adriano Bastos é conhecido dos corredores brasileiros pela alegria com que participa das corridas, pelas fantasias que usa, pela sua roupa de triatlo… Ele enfrentou no último fim de semana o maior desafio de sua carreira: a ultramaratona Comrades, na África do Sul.
Ao longo dos últimos meses, compartilhou em uma rede social a evolução de seus treinos e chegou até a criar uma promoção, oferecendo um prêmio a quem acertasse o tempo que faria na mais famosa e mais populosa ultra do mundo. Esperava disputar o primeiro posto; no mínimo, conquistar uma medalha de ouro, que é direito dos dez primeiros colocados.
Adriano fracassou. Foi o melhor brasileiro na prova, mas ficou longe da marca sonhada, da classificação gloriosa.
Ele não fugiu nem se escondeu. No domingo à noite, publicou em sua página um longo texto em que comenta a prova e analisa seu desempenho. Com a devida autorização, reproduzo a seguir o relato de ADRIANO BASTOS.
“Quero apenas pedir sinceras desculpas a todos que ficaram na expectativa para que eu fizesse um ótimo resultado hoje na Comrades Marathon.
Juro que tentei e dei o meu melhor, mas infelizmente não deu para alcançar o resultado desejado de pelo menos chegar entre os dez primeiros ou finalizar a prova dentro de um tempo digno perto de tudo o que treinei e gerei de expectativa em vocês. Fui derrubado pelas câimbras, que começaram a pegar feio com apenas 35km de prova, e finalizei me arrastando em horríveis 6h52min37seg para o tanto que me preparei.
Digo que a sensação é realmente desanimadora e frustrante, mas a vida e as competições continuam.
O que me restou dessa experiência?
Muita dor muscular, aprendizado com essa prova e essa minúscula medalha Silver (confeccionada em prata pura e maciça), dada a quem completa a prova entre 6h e 7h29min59seg, pequenina mas com valor inestimável por todo esforço e superação que ela representa.
A prova é muito pior do que eu imaginava, o grau de dificuldade dela é insano, nem em sonho imaginei encontrar algo tão difícil e pesado assim. Sobe sem parar durante os primeiros 50 km (com apenas algumas descidinhas rápidas no meio, porém muito declinadas o que detona muito a musculatura), incluindo em vários trechos deste inicio, subidas com inclinações piores e mais extensas que a Biologia, na USP. E depois disso, faltando 37 km, vem uma sequência de sobe e desce um pouco mais suave até faltar apenas 18 km. quando pegamos uma descida enorme e sem fim, para a seguir enfrentarmos uma pesadíssima subida com quase 3km de extensão, desce novamente bem inclinado para enfrentar a ultima subida pesada da prova, literalmente uma Biologia com quase 2 km de extensão, ela termina faltando 7km para o fim. Depois disso tem mais um pouco de sobe e desce e os últimos 3km da prova termina descendo.
Realmente subestimei a prova e ficou claro minha incapacidade de corrê-la pensando em vitória. No máximo dá para pensar em chegar entre os dez primeiros, e isso realmente seria possível se não fossem as caibras que me forçaram a caminhar durante muito tempo. O décimo colocado finalizou em 5h51min, já o campeão em absurdos 5h32min, e eu senti na pele o que significa tentar correr essa prova para um tempo desses, só para super-homens mesmo.
Já completei um Ironman em Porto Seguro com 40°C na cabeça, em 1998, e digo que que as nove horas daquele Ironman foram fichinha perto das 6h de sofrimento aqui.
Sem falar o calor totalmente atípico neste ano e um vento contra fortíssimo, que fazia a musculatura sofrer ainda mais. Normalmente a temperatura fica em torno de 15°C no decorrer da prova, e neste ano largamos já com 20°C às 5h30 da madrugada, e com 2h de prova a temperatura já estava em 30°C. Muita gente quebrou e passou mal, inclusive os favoritos. Dos 18 mil inscritos, apenas 10 mil completaram.
Larguei na elite e de cara passamos o primeiro km para 3min23, depois o ritmo deu uma estacionada e ficou entre 3min35 e 3min45, subindo. Quando a subida era muito ingrime, o ritmo subia para 4min10.
Corri no pelotão principal junto com líderes até o km 25, em uma média de 3min45/km. Foi quando enfrentamos a primeira subida realmente pesada da prova, a Fields Hill, uma subida inclinada como a Biologia e com 4 km de extensão. Um grupo de cerca de 30 atletas forçou o ritmo e foi embora; eu fiquei no segundo pelotão, que tinha uns 60 atletas.
Naquela subida as minhas pernas e minha cabeça pediam pelo amor de Deus para eu andar, mas me mantive firme correndo. Eu via o grupo principal cada vez mais distante, pensava que não podia desanimar, que precisava continuar ali fazendo o meu ritmo e acreditando numa quebra dos atletas que estavam na frente.
Passei a correr num buraco, com apenas mais três ou quatro atletas ao meu lado. Ao finalizar a subida, a média já tinha caído para 3min49/km. Os 29 km iniciais só subindo me detonaram muito mais rápido do que imaginava e senti as pernas já começarem a pesar e o ritmo subir.
Cheguei à placa de 52km (com 35 km de prova; na Comrades, as marcações de km são regressivas, a largada é km 87 e assim vai regredindo mostrando quanto falta) com a média já em 3min52/km. Aí veio o pesadelo: comecei a sentir câimbras na musculatura posterior das duas coxas e daí em diante tive que parar várias vezes para relaxar a musculatura e alongar.
A musculatura dava espasmos repentinos, causando dores insuportáveis e até me fazendo gritar em alguns momentos. Um desses momentos aconteceu diante de um posto de abastecimento e apoio e rapidamente chegaram em mim dois médicos que subiram minha bermuda e começaram a massagear meus dois posteriores com pomada e gelo. Fiquei ali parado por quase um minuto.
Enquanto isso vários atletas que tinham ficado para trás começaram a me passar. Quando voltei a correr, continuei a ser ultrapassado.
Imaginem essa situação acontecendo com mais 52 m de prova pela frente e com MUITA subida a enfrentar ainda. Fui tentando administrar essa situação e ainda conseguindo manter a média abaixo de 4min/km, mas, faltando 40 km de prova, entortei de vez. As várias paradas ocasionadas pelas câimbras e a retomada seguinte da corrida foram minando a musculatura. Cada vez que voltava a correr, voltava mais travado e com novas dores musculares e articulares na região da virilha.
Ao atingir a placa de 34km para o final, as câimbras vieram numa intensidade muito forte, me forçando a caminhar muito mais do correr, passei a fechar cada km para 6min ou mais. Isto se manteve até a placa de falta 25 km, quando nem trotar conseguia mais. Simplesmente caminhei da placa 25km até a placa 19km, não tinha como correr.
Caminhei durante 1 hora, cada km era percorrido em exatos 10 minutos, nunca imaginei passar por isso numa prova. Por varias vezes passaram por mim vans que recolhiam os atletas desistentes, e por varias vezes pensei em entrar numa delas e desistir de completar a prova. A sensação física de esgotamento e câimbras seguidas faziam a cabeça trabalhar totalmente contra, mas eu não podia fazer isso de forma alguma por dois simples motivos, o primeiro por respeito a todos torceram por mim, que acompanharam toda minha preparação nos últimos meses e ficaram na expectativa ai no Brasil ou mesmo aqui enquanto corriam a prova também. O segundo motivo para honrar a promoção que criei na minha página do Face e por respeito a todos que participaram e deram seus palpites, eu precisa premiar dignamente um de vocês. Foi uma semana inteira de auê em cima desta promoção, fazendo uma baita divulgação, interagindo com todos e recebendo mais de 2 mil palpites, para simplesmente eu desistir e não completar a prova. Não, de forma alguma!!!
Naquele momento coloquei na cabeça que iria até o fim nem que fosse caminhando mesmo. Pensar em tudo isso e nas pessoas que ficaram na torcida, foi o que me fez ter o compromisso de continuar ali na prova. Enquanto caminhava, em cada posto de abastecimento (tinha um a cada 1.600m) comia batata cozida com sal e tomava refrigerante e isotonico e isso foi estabilizando meu organismo e a contração muscular.
Depois da placa de 19 km percebi um alivio na musculatura, arrisquei e consegui voltar a correr, mantendo média entre 4min15 e 4min30 nas descidas e subidas mais leves e de 5min nas subidas mais pesadas. Consegui subir correndo e sem caminhar as duas últimas e mais temidas subidas, a Little Pollys e a Polly Shortts.
Depois da Polly Shortts, quando pegamos um trecho longo de descida inclinada, começou a dar caibras novamente, tive que caminhar mais uma vez por aproximadamente 1 minuto até que veio uma moça oferecer ajuda, passando uma pomada no posterior da minha coxa e então aliviou a caibra e consegui retomar a corrida até o fim.
Ficou claro que errei feio ao tentar ir no ritmo do primeiro pelotão sem conhecer a realidade da prova, mas no meu caso, que estava ali pensando na vitória, precisava correr esse risco. Estavam ali no pelotão simplesmente o vencedor de 2011 e vencedor de 2012. No começo estava muito fácil correr junto com eles, mas depois de 25 km de prova, quando eles apertaram o ritmo de verdade em plena subida mais pesada da prova, ficou nítida a superioridade desses atletas.
Se eu volto para esta prova, sinceramente não sei. Depois do que passei hoje, neste exato momento digo que essa possibilidade está em 0%. Abri mão de muitas provas no Brasil neste primeiro semestre para concentrar meus treinos para essa prova e chegar aqui e não fazer nem metade do que eu esperava fazer e conquistar.
A única coisa que sei é que para conhecer a realidade dessa prova e saber seu real grau de dificuldade somente estando aqui para sentir na pele. Agora que sei, poderei pensar melhor se vale a pena mesmo voltar pra cá tentando usar uma estratégia mais conservadora. Hoje, por não conhecer a prova, dentro da minha realidade, não respeitei o ritmo inicial como deveria.
Obrigado a todos e vamos em frente!!!”