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Rodolfo Lucena

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Perfil Rodolfo Lucena é ultramaratonista e colunista do caderno "Equilíbrio" da Folha

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Com Elvis da Paulista, corredor percorre trilhos da memória

Por Rodolfo Lucena
17/12/13 13:57

selo_rodolfo_correndo“Cheguei a morar num túmulo, um buraco embaixo da terra. Não tinha ar direito, a gente ficava apertado, tinha de se abaixar todo para entrar”, conta o artista de rua conhecido como Elvis da Paulista ao relembrar seus primeiros tempos em São Paulo.

Na semana que vem, completam-se três anos da mais recente imigração de Márcio Henrique Aguiar, 40, que se apresenta de quinta a domingo em uma movimentada esquina da avenida Paulista. Não só imita seu ídolo como também inventa trejeitos e cria bagunças musicais, casando roque com sertanejo, funk com rockabilly…

Paulistano de nascimento, o meu anfitrião da caminhada de hoje no projeto 460 km por SP foi muito cedo para Minas com a família. Maltratado pelos pais, acabou buscando caminho próprio quando chegou à adolescência. Enveredou pelo caminho artístico, fazia shows aqui e acolá, por várias cidades do interior mineiro –orgulha-se de ter atuado em palco de hotel de fama internacional.

Apesar disso, vez ou outra juntava o pouco que tinha e se vinha para São Paulo, queria vencer na vida. “Eu esperava que fossem me agradar, que abrissem espaço para mim”, diz, relembrando as ilusões passadas. Não encontrava tapete vermelho à espera, não dava certo, voltava desacorçoado, mas resistia.

“Um dia me deu uma coisa, não aguentava mais, peguei uma sacolinha, meu violão, vazei”, conta sobre decisão final.

1 se

Sua primeira parada na Pauliceia, como acontece com muitos desgarrados, foi na praça da Sé, território livre de moradores de rua, drogados, vendedores de um tudo, cantores e pregadores. “Fiquei olhando a turma, notei quem eram os do crack, vi que tinha uns só da bebida. Fiquei com eles, cantava, tocava violão. Fizemos um grupinho, a gente se protegia.”

Mesmo com o temporal que desabou sobre a cidade naqueles dias de 2010, quem vive na rua não podia se descuidar da segurança. “Tem gente que é muito má, gosta de furar, mata mesmo: se te vê dormindo sozinho joga uma tijolada. Querem roubar: você já não tem nada, quando acorda está com menos nada ainda.”

Foram três noites numa esquina atrás do fórum João Mendes, nas redondezas da Sé. Dormia sob uma marquise e, de dia, assuntava, ia descobrindo outras opções de moradia, quem sabe até encontrasse um trabalho.

Descobriu um albergue no Brás, passou a viver por lá. E conseguiu o posto de vendedor de picolé: seu ponto era na Paulista, a meio quilômetro do Masp (Museu de Arte de São Paulo), onde começamos nossa jornada de hoje.

“Ficava do lado de lá da Brigadeiro, onde tinha menos polícia”, lembra, revelando que fazer amigos é uma das regras básicas da sobrevivência de quem está na rua. Acabou conhecendo os policiais que faziam a ronda na área, era avisado quando surgia alguma blitz fiscalizadora; a um gerente de loja, oferecia picolés em troca de poder vender os doces na frente do comércio.

E cobrava mais caro: “Na média, tava R$ 0,50, tinha quem cobrasse R$ 0,80. Eu vendia por R$ 1, por causa do risco, ali era mais perigoso”. Se perdesse o carrinho para bandidos ou para fiscais, o risco era ainda maior: “O dono era ex-Rota”, diz, referindo-se ao temido batalhão da PM de São Paulo.

A produção era nos fundos de um cortiço em plena Brigadeiro Luiz Antonio –aquela da subida que atemoriza os corredores que participam da São Silvestre. Dos companheiros de trabalho –e até do patrão–, ainda ouvia conselhos. Um deles calou fundo: ele não deveria continuar morando de favor, em albergue. Se quisesse melhorar de vida, precisava achar um lugar seu, nem que fosse bem pequeno, que lhe obrigasse a ter um compromisso, fazer algum dinheiro.

Foi assim que saiu da proteção dos religiosos que mantinham o albergue e  o tinham adotado como cantor e violeiro em saraus entre os moradores de rua. Partiu e foi morar em um pardieiro na Liberdade –ele mesmo nota a ironia…

1 catacumba

Não é exatamente um túmulo, como descreve com poesia o Elvis da Paulista. Mas, sem dúvida, lembra uma catacumba. O cortiço fica em uma ruela sem saída da Liberdade, a poucos metros de território dominado por usuários de crack –“Não fotografa os caras”, me diz ele, contando que a convivência é instável, e que o drogado está sempre desconfiado, pode agredir ou roubar a qualquer hora.

A única característica “normal” do prédio é a frente, com porta de tamanho regular e um janelão no primeiro andar. Por dentro, é um labirinto de corredores estreitos e escadas improvisadas, tanque para lavar roupa, banheiros mirrados, quartos enfileirados, tudo muito apertada, baixo, fedido –quando entramos lá, na manhã de hoje, estava terminando a lavação do chão, mas, mesmo assim, havia um cheiro ancestral de gente sofrida e comida velha dominando o ar.

Ficou pior quando adentramos nos antigos aposentos de Márcio: descemos uma escada, invadimos um porão, dobramos por corredores; cada vez ficava mais quente, não circulava brisa, a penumbra parecia eterna apesar de uma luzinha ainda acesa. Uma porta de menos de meio metro de largura, talvez 1,60 de altura, protegia a privacidade do novo morador dos aposentos, que custam R$ 200 por mês.

Com um abraço em um conhecido dos velhos tempos, Elvis se despede; rumamos para outros caminhos de sua história. Ele está vestido a caráter, é cumprimentado por muitos enquanto caminhamos, rodando o centrão até a 25 de Março.

1 loja badulaques

É na rua predileta dos camelôs que ele procura o material usado para sua caracterização e para a montagem do cenário que usa na avenida Paulista. É freguês de uma loja de badulaques e enfeites que fica nos altos da ladeira Porto Geral. Há óculos descomunais, colares, placas, miçangas e outras traquitanas que compõem sua fantasia.

Que nasceu na mais paulista das corridas. Em maio de 2010, quando o inverno se aproximava, o então futuro Elvis da Paulista tratou de vender seu carrinho de picolés. E partiu para tentar a vida com sua especialidade, a arte: passou a cantar “do lado de cá” da Paulista, na região mais afluente e movimentada, entre a Brigadeiro e a Consolação.

Conseguiu uma esquina em frente a um bar; ali passou a imitar Raul Seixas e Dinho Ouro Preto, fazia o que o público lhe pedisse (saiba mais sobre a história dele NESTA REPORTAGEM que fiz para revista “sãopaulo”). Acabou conseguindo uma protetora, que trata como mãe, que lhe deu guarida.

Na São Silvestre daquele ano, a mais diferente e terrível deste século, com trajeto modificado para terminar no Ibirapuera e disputada sob forte chuva, participou vestido de Elvis. No ano que entrava, 2012, acabou se transformando no seu ídolo.

Cresceu com a arte na rua. “Quando eu cheguei aqui, com 37 anos, tinha apenas a oitava série. Fiz curso noturno, completei o segundo grau, entrei na faculdade…”

É bem verdade que o curso de artes cênicas está com a matrícula trancada. Mas, na conversa, Márcio-Elvis exibe uma sabedoria adquirida muito além dos bancos escolares. Por sua própria curiosidade e por influência de amigos e protetores que já teve na vida, é fã de carteirinha de Sun Tzu, o autor de “A Arte da Guerra”, que funciona para o artista como guia estratégico.

Também traz na bagagem cultural leituras de Rosseau e Voltaire, Maquiavel, Krishnamurti e Stanislawsky, dos autores gregos e de livros bíblicos –durante nossa caminhada, fez várias citações, mostrando como a leitura lhe tinha servido para enfrentar os problemas da vida.

1 viaduto santa ifigênia

O maior aprendizado, porém, vem da rua: reconhece o espírito de seu público, sabe quando dá para conseguir gorjetas maiores, se guarda quando o movimento está curto e, em qualquer circunstância, dá a público tudo o que tem.

“Estou cheio de roxo no corpo”, diz, enumerando lesões que conseguiu por causa de sua performance: tendinites, luxações, estiramentos, dores diversas e até costelas fraturadas depois de um pulo num ônibus –o salto é um dos pontos de destaque na sua apresentação na Paulista.

Talvez o que valha mais ainda é a simpatia com que ele trata a todos –ao nossos 15 km caminhados hoje foram ainda mais demorados por causa dos tantos beijos e abraços que ele trocou ao longo do caminho, atendendo da mesma forma o povo da rua e senhoras superalinhadas.

1 elvis paulista

No fim, resta a certeza de que é verdade verdadeira a frase mais gritada para nós durante as mais de três horas em que percorremos a Paulista e o centrão paulistano: “Elvis não morreu!”. Ao que o bem-humorado Márcio, do alto de seu 1,70 m, responde baixinho: “Apenas encolheu…”

É a vida que segue. Vamo que vamo!  (Confira AQUI UM VÍDEO que fiz com o artista)

DIA 16 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia

mapa dia 16 17dez2013

QUILOMETRAGEM DO DIA: 15 km
TEMPO DO DIA: 3h43min46
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 208 km
TEMPO ACUMULADO: 45h17min18
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 252 km
DESTAQUES DO PERCURSO: avenida Paulista, rua 25 de Março, Liberdade

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