Este é um blog de corridas, mas sempre tem espaço para esportistas de alto coturno que queiram conversar comigo. Desta vez, tive a satisfação de participar de uma entrevista com o artilheiro Pepe, uma das lendas do futebol brasileiro, que compartilhou conosco algumas de suas divertidas e emocionantes lembranças.
Escrevo “conosco”porque também participaram do encontro a filha dele, Gisa Macia, que acaba de escrever a biografia do pai, e o jovem repórter esportivo Rafael Valente, que começou a correr em março e recentemente estreou em corridas de rua.
A conversa foi na cobertura do confortável apartamento de Pepe em Santos, perto do calçadão que margeia o mar (fotos Eduardo Knapp). As paredes da sala estão repletas de fotos, troféus, diplomas, pinturas e até um busto do jogador, que conquistou quatro títulos mundiais (dois pelo santos, dois pela seleção brasileira) e fez 405 gols atuando pelo Peixe.
Um resumo da entrevista foi publicado na Folha alguns domingos atrás (leia AQUI).
Agora, trago uma versão mais completa, que mostra também os caminhos tomados pela conversa, que começou com Pepe, batizado José Macia reclamando do calor e contado que as altas temperaturas foram um dos problemas que enfrentou quando trabalhou como treinador no Qatar.
Aos 80 anos, o Canhão da Vila lembra com carinho do final da década de 1980, quando já não jogava havia muito tempo. Atuava nos bastidores, como treinador vencedor: “Aquele ano foi muito bom. Ganhei três títulos em dez meses. Primeiro no Fortaleza, em 1985. Aí vim para a Inter de Limeira e fui campeão estadual em 1986. Depois fui para o São Paulo e vencemos o Brasileiro de 1986, embora as finais tenham sido em 1987”, diz ele.
Foi como treinador, aliás, que Pepe conseguiu melhorar sua situação financeira. Gisa fala um pouco sobre o assunto: “Sem dúvida o meu pai ganhou mais dinheiro como técnico do que como jogador. Antes de 1983, tínhamos uma vida de classe média normal; depois que meu pai voltou dos dois anos de contrato no Qatar, em 1984 e 1985, as coisas melhoram. Mais conforto e estabilidade. Meu pai conseguiu dar um apartamento para cada um dos quatro filhos, mora numa confortável cobertura e tem uma chácara que é o verdadeiro refúgio do Canhão. O nome é ‘Vida Macia’ e fica em Socorro. Meu pai gostaria de morar lá por causa do clima mais fresco, mas a minha mãe ainda reluta…”
A filha de Pepe também revela a gênese da biografia que escreveu: “Na verdade, uma pessoa solicitou escrever a biografia do meu pai. Na época, eu estava parada como jornalista, cuidando da família. Quando meu pai me ligou falando que tinha uma pessoa que tinha interesse eu achei interessante. Meu pai merece uma biografia, mas pensei: ‘Poxa, eu podia escrever essa biografia’. Entrei em contado rápido e pedi para o meu pai segurar e não deixar ninguém escrever. [risos]. Isso faz quatro/cinco anos. Não que eu tenha ficado cinco anos escrevendo, mas é que tem um processo com a editoria, o projeto. No livro ‘Bombas de Alegria’, lançado em 2008, ele conta histórias engraçadas do futebol. Algumas que ele vivenciou e outras que são folclóricas. São contos. As pessoas confundem. Pensam que já existe a biografia do Pepe, mas aquele livro não conta a história da vida dele.”
Dito isso, vamos à conversa; para facilitar, dividimos a entrevista em tópicos, seguindo mais ou menos o andamento do papo, que foi muito informal e agradável. Bueno, você vai entender.
FORMATO DO LIVRO
GISA: “O livro conta a história da vida do Pepe. Começa quando os pais dele vieram da Espanha. Conversei com primos e pessoas da família para pegar histórias da infância. Dizem que o biografado é a pior fonte que tem para se fazer uma biografia. Mas, no caso do meu pai, ele tem uma memória incrível, ele se lembra de muitos detalhes da infância. Então, ele me ajudou imensamente porque ele lembra de bastante coisa.”
SURPRESAS QUE ENCONTROU NAS HISTÓRIAS
GISA: “Achei interessante quando ele tinha uns quatro anos e ele disse que costumava ficar sentando na sarjeta na rua, quando estava chovendo, e ficava olhando os pingos da chuva cair numa poça d’água e imaginava um jogo de futebol…”
PEPE: “Era um jogo de futebol, os pingos d’água caindo e [simula com os dedos movimento e faz barulho com a boca, como se fosse a bola sendo tocada pelos jogadores].”
GISA: “Achei isso poético. Ele tinha quatro anos, nunca tinha ido ao estádio. Não tinha televisão na época. E achei incrível isso… Outras histórias são sobre as partidas de futebol na infância. Meu pai é muito inteligente. Eu quero fazer uma conta, eu falo para ele e ele me responde na hora. Mas na escola, quando tinha 12/13 anos, ele repetiu três vezes de ano. Por quê? Porque ele só queria saber do recreio, de jogar bola com os amigos.”
ALGUMA COISA SURPREENDEU / QUAL HISTÓRIA GOSTOU MAIS DE CONTAR
GISA: “Uma coisa que perguntei diferente foi sobre a Copa do Mundo de 1950. Como ele ficou sabendo que o Brasil perdeu o título…”
PEPE: “Eu tinha 15 anos quando o Brasil perdeu a Copa. Eu estava jogando bola em São Vicente, em um campo chamado de Areião. Era em um barranco, do lado de baixo da avenida Antonio Emerich. Jogava bola às 14h e ficava até anoitecer. Meu pai ia ao campinho quando estava escuro, de avental, ele era dono de mercearia, e assobiava [faz o assobio e um gesto indicado que estava encrencado]. Isso significava que estava na hora de tomar banho e jantar. Eu era um menino de bola. Não gostava de empinar papagaio, rodar peão. Não tinha televisão na época, era só o rádio. Esse jogo do Brasil com o Uruguai, eu estava jogando bola com os amigos. Alguém comentou: ‘Brasil fez 1 a 0, gol do Friaça’. Passou um tempo, soubemos que o Uruguai empatou com o Schiaffino. Não escutamos mais nada. Como não ouvi nenhum foguetório, até pensei que pudesse ter ocorrido algo. Ao chegar em casa, fiquei sabendo que o Gighia fez 2 a 1 para o Uruguai e perdemos o título. Fiquei decepcionado com a perda do título.”
QUAL FOI O RESULTADO NO JOGO DE FUTEBOL NO DIA DA FINAL DA COPA
PEPE: “[risos] Ali era sempre 12 a 10. Não tinha nem trave. Era um pedaço de ripa”
GISA: “Interessante é como eles contavam o tempo naquela época…”
PEPE: “Tinha um bonde que passava na Antonio Emerich, então a gente fazia o primeiro tempo três bondes para um lado. Depois três bondes dava o segundo tempo. Dava quase o tempo de uma partida normal. Às vezes o bonde descarrilava, aí a gente ficava jogando o dia inteiro[risos].”
COMO REGISTROU TANTAS MEMÓRIAS
PEPE: “Eu sempre gostei de anotar tudo, mas esses detalhes da infância ficaram na memória. Anotar mesmo eu passei a fazer quando eu fui para o time infantil do Santos. Eu tinha 16 anos e anotei todos os jogos… incrível, né? Como eu poderia saber que iria ser jogador de futebol? Eu podia parar no infantil mesmo. Mas em 1951 fui para o infantil. Em 1952, passei para o juvenil. Em 1953, juvenil e júnior e, em 1954, comecei a minha carreira. Anotei tudo. São vários cadernos. Inclusive, o Santos me pediu esses cadernos e eles ficam expostos no Memorial. Tem a “Vitrine do Pepe”, com camisas, medalhas e meus cadernos. Comecei a anotar em 1951. Eu anotava a escalação dos dois times. Comecei no infantil, tem Paulista, Brasileiro, Libertadores, Mundial. Sempre, as duas equipes, o árbitro, o dia e a renda. A renda é que não devia ter colocado. Devia ter colocado público presente porque a renda o dinheiro já mudou 80 vezes. Os cadernos são uma relíquia que eu tenho e qualquer hora vou pedir de volta para o Santos.”
FONTES PARA O LIVRO
GISA: “Além do meu pai, conversei com pessoas da família, amigos de infância, jogadores. Mas a principal fonte foi mesmo o meu pai. A história que contei sobre ele ter repetido três vezes o mesmo ano, acho que foi a sétima série, e teve três anos aula…”
PEPE: “É que eu me preocupava mais em jogar bola. Até na classe ficava jogando botão com algum coleginha. Eu sempre fui uma pessoa inteligente, mas eu era folgado. Aí não estudava e repetia.”
GISA: [completando] “Ele teve aula de francês com a professora Gisele por três anos seguidos [por causa de ter repetido a sétima série]. E ela foi visitá-lo quando ele estava no Santos”.
PEPE: “Isso foi sensacional. Uma vez fizeram uma reportagem é perguntaram qual tinha sido minha professora preferida. Eu disse a professora Gisele, de francês, no ginásio no Martin Afonso e no Carpino Silva, em Santos. Eu gostava muito das aulas dela. Eu preferia falar francês do que inglês. Anos depois, eu já era jogador, ela por acaso leu a reportagem e me ligou. Disse que teria o maior prazer em revê-la. Ela já era casada, enfim. E foi ao Santos me encontrar.”
QUAL HISTÓRIA SURPREENDEU GISA
GISA: “A história do Fusquinha foi a que mais me surpreendeu. Pepe tinha 26 anos, não tinha carro. Muitos jogadores já tinham carro…”
PEPE: “Eu pegava o circular 22 [para ir aos treinos]…”
GISA: “Meu pai é assim, super humilde e também econômico…”
PEPE: “Já tinha imóveis, mas não tinha carro…” [risos]
GISA: “Aí a torcida fez uma vaquinha, colocavam dinheiro em uma urna na Vila Belmiro. Não conseguiram chegar ao valor do automóvel, mas o Santos inteirou.”
PEPE: “Foi uma homenagem que os diretores me prestaram. Entregaram a chave em frente a Vila. Um fusquinha azul.”
GISA: “Mas uma semana depois foi dar uma volta e…”
PEPE: “Fui dar uma volta e dei uma traulitada em um posto.”
[Na primeira saída?, pergunta Rodolfo].
GISA: “Na primeira saída. Foi mostrar para dois amigos que já estava dirigindo e bateu. Ai já foi para oficina. A torcida nem ficou sabendo. Vai saber agora no livro. Outra história é a que eles ficavam jogando na concentração do Santos, porque o time era uma família. E o Lula [técnico] ficava junto. Eles ficavam muito unidos. Jogava “pif-paf”, sinuca…”
PEPE: “Jogamos várias coisas. Teve um jogo que o pessoal foi dormir três ou quatro horas da manhã e no dia tinha jogo com o Corinthians, às 11h. O Lula estava perdendo e era o nosso técnico. Mas teve uma hora que tivemos parar por causa do jogo, que era sério. Eu não fui relacionado. Jogou o Tite. O Santos ganhou de 2 a 0 do Corinthians, sem dormir ou dormindo mal. Jogo foi de manhã, gols de Vasconcelos e Tite. Isso foi em 1954. O treinador entrava na brincadeira. Ele foi responsável por tantos títulos, por saber escalar os melhores, pelo olho clínico de ver Pelé e Coutinho. Afinal ele podia ter mandado eles embora no primeiro treino. Pegou o Pepe no infantil. Ele foi uma figura super importante naquele Santos, mas ele gostava desses joguinhos de bozó [dados]. [risos]. Mas isso aí acho que é bom não colocar. Pode denegrir a imagem do cara. Ele já morreu…”
GISA: “Mas isso tá no livro!” [risos]
PEPE: “Ah é?” [fica com cara de surpresa, sem graça]
GISA: “As histórias picantes ele não quer me contar. Acho que fica pensando na filha”.
ALGUMA HISTÓRIA É REVELADA NO LIVRO
PEPE: “Minha vida sempre foi um livro aberto. Filho de pai espanhol. Ele tinha uma mercearia, era muito bravo. Educou muito bem a gente. Éramos três. O Silvinho, que morreu cedo, em 1937, quando eu tinha dois anos, em um acidente. Foi um acidente que abalou muito meus pais. Ele estava numa janela, radiando um jogo de futebol entre dois meninos que estavam jogando botão no alpendre. De repente ele caiu de cabeça. Ele tinha sete anos [era o primogênito, diz Gisa]. Caiu de cabeça no chão. Foi um hematoma incrível. Meu pai e minha mãe correram para o hospital, cuidaram, mas logo em seguida ele morreu. Meus pais não se recuperaram [do choque]. Sabe o que aconteceu, ele fraturou o baço. Os médicos curaram o hematoma na cabeça, mas não o baço. Ele morreu de hemorragia interna. Essa foi a maior tragédia. Eu lembro pouco. Tinha um outro irmão, chamado Mário, que já morreu. Ele ficava muito na mercearia central, que era do meu pai. Tomava conta da mercearia e do meu pai. Quando o Santos jogava, eles tinham um rádio enorme. Não tinha televisão. As pessoas se reuniam para acompanhar os jogos. Se saísse um gol do Corinthians ou do Palmeiras, meu pai ficava bravo. Queria bater em quem comemorasse.”
GISA: “Meu avô era muito bravo. Não aceitava que falassem mal do Pepe.”
PEPE: “Meu irmão tinha de segurar meu pai. Meu pai chegou a encurtar distância várias vezes.
[Seu pai era rígido com você, “cornetava” suas atuações?, pergunta Rafael]
PEPE: “Vou confessar uma coisa. Eu era o queridinho. A bronca do Mario era essa. Ele dizia: “Você é o queridinho”. [risos]
GISA: “A relação dos irmãos era muito bonita. Eles ficaram muito unidos, só os dois. O tio Mario preparava toda a noite um copo de leite, com Nescau, e bolachinhas para meu pai. Toda a noite. Mesmo quando eles estavam brigados, sem se falar havia uma semana.”
PEPE: “Toda a noite ele preparava o Todd com as bolachas. Mesmo quando a gente estava de mal. A gente acabava discutindo, geralmente por causa de futebol. Lembro uma ocasião, na primeira vez em que o Santos foi ao Peru, em 1955, na primeira vez também que eu viajei ao exterior. O Tite não renovou contrato. Ele era um ponta esquerda e. como não acertaram as bases deles, eu fui e joguei como titular. Fiz gols, vencemos. Quando voltei, o pessoal estava falando de mim, que eu era artilheiro. Eu tinha um chute forte, marcava muitos gols. Quando eu fui para o Peru, eu estava de mal com meu irmão. Mas na volta fizemos as pazes, demos um abraço muito forte e nunca mais brigamos.”
CONTATO COM A FAMÍLIA QUANDO ESTAVA NO EXTERIOR
PEPE: “A partir de 1958, quando três santistas foram campeões do mundo, eu, Zito e Pelé, ficava fácil, principalmente com o Rei do Futebol, viajar. Tinha muitas excursões. Começando em 1959. Janeiro e fevereiro fazíamos excursões para a América Central, do Norte e do Sul. Maio e junho iamos para a Europa. Isso todo ano. Com isso conheci mais de 60 países.
GISA: “A comunicação era por cartas. Meu pai gosta de escrever”.
[Rodolfo pergunta se Pepe já era casado]
PEPE: “Eu casei em 1964, com 29 anos. Em 1958, eu conheci dona Lélia.”
[Rafael pergunta se Pepe não tinha medo de avião]
PEPE: “Medo de avião nunca tive. Um susto ou outro, mas não teve coisa muito séria. Uma ocasião, eu já era técnico, saiu no jornal que tinha um avião marcado para cair, que iam colocar uma bomba no avião que eu ia viajar. Eu fui para o avião preocupado, mas não teve bomba nenhuma.”
GOLS ESPECIAIS
PEPE: “Os gols mais marcantes são os da vitória contra o Milan, na final do Mundial [1963]. Ficaram na história, né? O Santos tinha perdido para o Milan na Itália por 4 a 2 e tinha de ganhar aqui. Escolhemos o Maracanã porque não tínhamos torcida em São Paulo. Vai me dizer que corintianos, são-paulinos e palmeirenses iam torcer pelo Santos? Então fomos para o Rio. As torcidas de Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense torceram pelo Santos. Perdemos por 2 a 0, mas uma chuvarada caiu no intervalo caiu no Maracanã. Parece que lavou todos os pesadelos que a gente tinha, com relâmpago. Viramos para 4 a 2. Eu fiz o primeiro e o quarto, ambos de falta. Depois ganhamos por 1 a 0 [o terceiro jogo da final, no Maracanã], gol de pênalti do Dalmo. O jogo do 4 a 2 foi seguramente o melhor da minha carreira.”
GISA: “Foi o primeiro jogo transmitido pela televisão. Quando as pessoas encontram meu pai falam sobre aquela partida.
PEPE: “As pessoas mais antigas falam: aquele jogo contra o Milan. Era um time forte. Tinha Amarildo, Mazzola, Trapattoni que marcava forte, o Maldini. Esse jogo me marcou muito. No dia do jogo teve um detalhe muito interessante. O Lula gostava de dar uma pitada diferente, especialmente em jogos decisivos. Em 1962, contra o Benfica, ele tirou o Mengálvio. E ele era titularissimo. Puxou o Lima para o meio-campo e colocou o Olavo na lateral direita. Até hoje o Mengálvio diz que não sabe porque não jogou. Como ganhamos por 5 a 2, passou batido. Em 1963, eu achei que ia sobrar para mim. Ele queria colocar o Batista, que foi um ponta-esquerda do Noroeste. A gente estava concentrado no Maracanã, o jogo era as 21h, por volta das 14h o Dalmo falou ‘Pepe, você não vai jogar’. E eu pensei ‘Como vou ficar fora de uma decisão assim’. O Dalmo disse ‘Ele chamou uma turma, disse que quer fechar o time e vai colocar o Batista’. Eu pensei em apelar, eu era muito sossegado, tranquilo. Por volta das 18h, me convocaram para uma sala no Maracanã. Estavam Lula, Nicolau Moran e Modesto Roma, os homens fortes do Santos. Só não tava o presidente. Quando subi a escada pensei: ‘Estão me chamando para dizer que eu não vou jogar e não posso me aborrecer’. Mas quando eu cheguei o Lula disse: ‘E aí Bomba –ele me chamava assim– como você está?’. Eu disse: ‘Estou bem, a disposição professor’. Então, ele disse: ‘Vamos lá, precisamos ganhar esse jogo’. Como tava sem o Pelé, sem o Zito, sem o Calvet [todos machucados] eu era um dos trunfos do time nem justifica ele me tirar. Não sei dizer o que ele quis. Talvez mexer com meus brios, não estava numa fase muito boa.
SELEÇÃO BRASILEIRA
PEPE: “Eu fiz 40 jogos e 22 gols pela seleção, você vê que é uma média muito boa. Pela tradição, embora tenha feito gols na Argentina, o gol mais marcante pela seleção foi o que eu fiz em Wembley. Estava 1 a 0 para a Inglaterra e eu empatei em um chute de falta, de 40 m. O goleiro era o Gordon Banks. Ele nem viu a bola passar. Esse jogou me marcou por esse gol. Eu era conhecido pelo meu chutão quando jogava no exterior, especialmente na França. Na França, meu prestígio era tão grande ou até maior do que o do Pelé porque eu fazia muitos gols de falta. Uma coisa interessante é que até quando tinha faltas contra o Santos os torcedores gritavam: ‘Pepe, Pepe’. Queriam até que eu batesse falta contra o Santos. Até recebi propostas para jogar na França, mas nunca quis sair do Santos.
DUAS COPAS QUE GANHOU SEM JOGAR
PEPE: “Eu não fiquei na reserva. Eu me machuquei. Não tinha banco naquela época, não tinha substituição. Se não me engano, só o goleiro ficava no banco e isso em 1962. Não é possível não ficar triste. Em 1958, eu joguei todas as partidas como titular. Fomos jogar na Itália antes de ir para a Suécia. Fizemos dois amistosos, quando eu me machuquei. Ganhamos de 4 a 0 da Fiorentina e eu fiz um gol. Depois jogamos com a Inter de Milão, a uma semana da Copa. Eu parti direto pela ponta-esquerda, mas veio um alemãozinho atrás de mim, era um ponta-direita, e deu um toque no meu tornozelo direito, virei o pé e ficou deste tamanho [gesticula para mostrar]. Passou o jogo, fomos para a Suécia de avião. Ao chegar lá, eu estava de chinelo. Aí começou a Copa. No terceiro/quarto jogo eu estava melhor, mas já não havia porque mexer no time. Em 1962, jogamos com País de Galês no Maracanã. Eu que não machucava nunca no Santos torci o joelho esquerdo. No Maracanã, que era um tapete e não tinha buraco, nada. Meu joelho ficou desse tamanho [gesticula novamente mostrando o joelho esquerdo].
GISA: “Dessa vez o senhor chorou em campo… duas vezes fora da Copa por lesão na véspera.”
PEPE: “Chorei no campo. O Aymoré Moreira, treinador da seleção em 1962, disse que ia precisar muito de mim na Copa. Ele me conhecia de outras seleções, da seleção paulista. Teve um ano que fomos campões e o artilheiro fui eu. Nem o Pelé. O Aymoré gostava de mim e gostava de um ponteiro ofensivo. Ele disse que eu precisava ficar bom, mas eu não fiquei. Em 1962 [depois da Copa], cheguei em Santos com queimadura de terceiro grau. Na época não tinha recursos que tem hoje. O tratamento era toalha quente e gelo, toalha quente e gelo. Eu queria ficar bom, mas foi o destino.”
GISA: “A grande frustração da carreira era ter jogado a Copa, ter sido campeão em campo.
APOSENTADORIA
GISA: “Já estavam surgindo Edu e Abel, meu pai já estava mais velho, já estava ficando carequinha.” [risos]
PEPE: “Foi isso mesmo. Um ano e meio antes [de 1969] já estava o Edu, o Abel. Eu era o Pepe. Tinha 32 anos. A diretoria falou comigo, que tinham consideração comigo e que eu deveria encerrar a carreira no Santos e permanecer no clube. Fizeram uma proposta de um contrato de 18 meses. Quando ele fosse encerrado, eu teria 34 anos e poderia iniciar a carreira como técnico. Eles achavam que eu levava jeito. Achei interessante a proposta. Já estava casado e vi como uma possibilidade de dar sequência a minha vida. Quando aconteceu [a aposentadoria] foi muito bonito. Eu dei uma volta olímpica na Vila Belmiro aplaudido pela torcida. O Santos jogou contra o Palmeiras e perdeu por 1 a 0. Eu não joguei. Eu dando a volta olímpica. Quando acabou o jogo, os caras ficaram falando: ‘Não para não, Pepe. Se você tivesse jogado, a gente não tinha perdido’. Agora vejo os caras com 36 anos jogando, naquela época estava calvo e me aborrecia. Fazia uma boa partida e os jornais diziam: “Pepe revive suas grandes jogadas’.
PREPARAÇÃO PARA SER TÉCNICO
PEPE: “Eu pensava que ficaria a vida toda como treinador do infantil e do juvenil. Eu gostava de lidar com a molecada. A coisa correu tão bem que começamos a ganhar e eu subi.”
GISA: “O senhor fez faculdade de educação física com o Leão, um grupo só de jogadores.”
PEPE: “Foi logo que parei de jogar que eu fiz faculdade. Já estava como técnico e estudando.”
GISA: “O senhor tentou ser corretor de imóveis, né? Mas não deu muito certo.” [risos]
PEPE: “Eu tinha um conhecido que era corretor de imóveis e me convidou para trabalhar com ele. Cheguei a fazer um curso para ser corretor de imóveis. Mas não era minha praia. Teve a loteria esportiva. Quando surgiu, eu fui um dos privilegiados. Por ser campeão mundial, tinha direito a ter uma sessão. Montei uma em São Vicente com o ex-jogador Delvecchio, mas não deu certo. Eu fechei. Posteriormente treinei várias equipes, acabei indo para o Qatar. Minha família conheceu, japão, Portugal. No Qatar, eu estava no Al Ahli e o sheik disse que estava com vontade de trazer o Guadiola. Eu só conheci o Guardiola de vê-lo jogar. Uma semana depois chegou. Eu estava dando o treino e ele chegou com o empresário dele. Disse: ‘Mister, estoy llegando. Ainda brinquei com ele. Disse ‘Pep, está vendo a linha divisória do gramado? Pois com uma tentativa vou colocar a bola lá’. Ele não acreditou. ‘Tem uma coisa, de frente é muito fácil. Vou fazer de costas’. E eu fazia muito. E fiz. Quando acertei, ele disse: ‘Mister, sempre faz isso?’. Eu respondi: ‘Normal’. Lá no Qatar não tinha muito o que fazer. Depois dos treinos a gente ficava batendo papo e tomando chá. Ele muito inteligente, já estudioso, perguntava como era o Santos do Pelé, do Clodoaldo. Como o Zito jogava. Ele adaptou algumas coisas que eu falei para ele, tenho certezo. Isso foi em 2004. Depois meteu 4 a 0 no meu Santos. Não devia ter ensinado ele.” [risos]
QUAIS AS SEMELHANÇAS DA VISÃO DE TREINADOR E DE JOGADOR
PEPE: “Modéstia à parte, eu fui um bom jogador. Mas às vezes o cara não é um bom jogador e vira um bom treinador. Como eu fui um cara de bons princípios, fui disciplinado, nunca fui expulso. Isso parece que servia de espelho para meus jogadores. Como treinador fui expulso várias vezes porque banco de treinador é uma câmara de gás. Mas tenho prêmio Belfort Duarte como jogador, nunca fui expulso. Foram 750 jogos, mais o que fiz com seleção. Foram 800 partidas. Tinha um juiz que sempre me dizia: ‘Minha consagração vai ser te expulsar na Vila Belmiro’. Eu respondia: ‘Eu não dou motivo’. Mas ele rebatia: ‘É precisa de motivo? É só expulsar e pronto’.”
ALGUMA LEMBRANÇA NEGATIVA
PEPE: “Teve um jogo com o Santos em São Paulo que foi dito que o Santos fugiu em campo. O Lula pediu para eu simular uma contusão. O jogo estava 1 a 1 e o São Paulo fez um outro gol, depois 3 a 1 e já não tinha mais tempo. Pelé e Coutinho já tinham sido expulsos. E acho que o lateral tinha sido expulso também. O Lula pediu para eu e o Dorval simularmos uma contusão para acabar o jogo. A gente estava com oito. Não poderia continuar. Eu me arrependo disso. Não foi uma grande mancha porque eu obedeci o técnico. Mas não foi legal. Ficou chato. Não teve repercussão na imprensa. Tinha um saldo tão positiva que a imprensa não pegou no meu pé.”
MELHOR TIME QUE TREINOU
PEPE: “Meu xodó é a Inter de Limeira. A Inter foi campeã em 1986 e ninguém esperava. Fui campeão várias vezes no Santos, no São Paulo também, mas a vida de treinador ela teve duas fases: antes da Inter e depois da Inter. Depois que passei pela equipe passei a ser reconhecido internacionalmente como um técnico bem-sucedido. Foi a primeira vez que um time do interior foi campeão do Campeonato Paulista. Veja que fui para o Qatar alguns anos depois. Ganhamos do Palmeiras os dois jogos no Morumbi, na final.”
TRAGÉDIA/MORTE INTER DE LIMEIRA (ZEZINHO FIGUEROA)
PEPE: “Eu já era o treinador, mas foi um pouco antes do começo do trabalho no Paulista. Foi durante um dia de testes, de treino. O pessoal pensou que ele estava brincando. Foi um drama, um trauma.”
GISA: “Meu pai passou por isso no Fortaleza. Um jogador morreu também.”
PEPE: “Um jogador chamado Bui. Alto, magro. Durante um treino acabou morrendo. Isso mexeu com o grupo. Fomos campeões [estaduais] em 1985 após muitos anos de jejum títulos. O título foi também para o Bui.”
PORQUE INTERROMPEU TRABALHO COMO TÉCNICO EM 2006
PEPE: “Em 2006, eu estava com 71. Já estava na hora de ficar mais com a família.”
GISA: “Na verdade, o senhor virou coordenador técnico. E nós achamos muito bom. Técnico tem muito desgaste, fica muito ausente com as viagens. E coordenador não viaja tanto.”
PEPE: “É verdade. Virei coordenador. Era mais suave. A Ponte Preta me convidou para deixar de ser técnico e virar coordenador. Eu concordei. Tinha responsabilidade, mas não era a mesma daquela cadeira elétrica de técnico durante os 90 minutos.”
GISA: “Além do problema da audição, né pai?”
PEPE: “Ah é. Eu sou meio surdinho. Zero alguma coisa. Não escuto nada com o esquerdo e escuto 40% com o direito. É uma herança do meu pai.”
DEFINIU PROFISSÃO DE TÈCNICO COMO CADEIRA ELÉTRICA, CÂMARA DE GÀS
PEPE: “Pode escolher um desses dois.” [risos]
[Rodolfo pergunta qual o momento mais “cadeira elétrica” que Pepe viveu]
GISA: “Eu pensei no Qatar em 1984 porque os árbitros não sabiam as regras. Pepe ficava muito nervoso. Não sabia falar o idioma local e os juízes ainda cometiam barbaridades. A bola não entrava e eles davam gol para uma equipe. Mas outros jogos…”
PEPE: “Em Portugal. Treinei o Boa Vista, que era uma equipe para buscar um sexto ou quinto lugar, mas quando jogava com o Porto –que era mais time, muito forte e os árbitros facilitavam muito as coisas para o Porto– tinha muita pressão.”
GISA: “Como filha, posso falar que até eu sofria. Eu estava em Portugal com meu pai. O Boa Vista era um time mediado. Os torcedores eram os aposentados, que não tinham o que fazer e ficavam esperando meu pai após os jogos. O Boa Vista empatava em casa e eles ficavam xingando. ‘Volta para o seu país’. Eram bem ofensivos. Eu sofri com aquilo.”
PEPE: “O Boa Vista era um time para quinto ou sexto lugar, mas a ideia da diretoria era disputar torneios europeus. Tinha de ficar em quarto ou quinto. Às vezes, não conseguia nem isso. Tinha o Porto, o Benfica, o Sporting e às vezes o Belenenses, com Marinho Peres. Tinha outros times do interior que eram forte. O pessoal que ficava jogando sueca no clube, era uma portuguesada danada e pegava no pé do técnico.”
GISA: “A gente sempre saia do estádio com o motorista, sr. Augusto, e a torcida fechava o carro na saída do estádio. Meu pai gritava ‘toca, toca’, mas ele apertava a buzina [risos].”
PEPE: “Esse detalhe era interessante. Augusto dirigia meu carro. E era praxe irem eu, minha mulher e os filhos. Um jogo que empatamos ou perdemos em casa a torcida ficou brava e ficou esperando para ofender. Eu dizia para o seu Augusto ‘toca, toca’. E ele apertava a buzina, mas eu dizia ‘Não é para tocar a buzina, é para correr com o carro’. Era uma figura. Foi uma coisa que convivemos em Portugal por um ano e meio. Os portugueses são inteligentes, mas são brutos.”
HISTÓRIA QUE FOI “ARRACANDA” DE PEPE PARA ENTRAR NO LIVRO
GISA: “Eu sei que meu pai era jovem, jogador, que ele namorava com a minha mãe e tinha caso com uma vedete…” [risos]
PEPE: “Ah não [mostrando não ficar tão à vontade com a história].”
GISA: “Na época, eles mantinham as esposas castas e ele tinha caso com uma vedete. Na época, as vedetes eram as panicats de hoje, eu acho.”
PEPE: “Não, eu era um cara solteiro [Gisa diz “já namorava a mamãe”]… namorava, mas não transava. Mas aí…”
GISA: “Essa vedete deu uma entrevista para uma revista e um dos melhores amigos do meu pai falou com meu pai por carta, acho que meu pai estava no exterior, falando que ela disse que tinha ficado noiva do meu pai. Aí ele terminou o romance com ela. Essa história está no livro, só não está o nome da vedete. Meu pai já era famoso no Santos. Tinha uma namorada no Peru…”. [risos]
PEPE: “A gente jogava todo ano no Peru. Então, não só eu, mas todos os jogadores tinham.”
GISA: “Depois ela reencontrou meu pai, quando ele foi treinar o Peru. Aí viu ele careca e já não quis mais nada…” [risos] “Mas acho que é uma coisa folclórica, que os ex-jogadores fazem.”
PEPE: “Quando voltei ao Peru com a delegação do Santos chegou eu estava de chapéu. Um chapéu bonito, que tinha uma peninha. Quando eu desci no aeroporto, a Lupi estava esperando. Antes de tirar o chapéu, ela disse ‘Pepito, como te encontro bién!’. Aí eu tirei o chapéu, e ela ‘Nostra, que lastima. Después te telefono’. Nunca mais ligou. Isso foi o pessoal que inventou. É lenda.”
GISA: “Essa parte é folclore deles.”
PEPE: “Eu fui treinar o Peru, olha onde fui parar. Fazia tanto gol lá, joguei tanto. Fui ser técnico da seleção do Peru para chegar à Copa de 1990. Foi na época que o Peru perdeu o time em um acidente [acidente áereo do Alianza Lima, em 1987]. Tinha de reconstruir o time. O futebol lá parecia um festival. O campeonato tinha dez jogos. E tinha de montar um time novo, mas não consegui. Não tinha material humano. Joguei contra o Brasil três vezes, empatou duas e perdeu uma. Tocou o hino do Brasil e quase cantei junto [risos]. O futebol nos obriga a ficar contra a seleção nossa.”
GISA: “Foi também a época do Sendero Luminoso no Peru, um grupo terrorista. Foi difícil. A gente tinha de usar táxi fretado, tinha ameaça de bomba. Ficamos vários dias sem luz no hotel e não tinha como volta para o Brasil. A gente tinha segurança particular”.
PEPE: “A minha família saia com dois seguranças acompanhados”.
[A família sempre viajava junto com o senhor?, pergunta Rodolfo]
GISA: “Não. Quando meu pai foi contratado pelo Atlético-MG, na primeira fez que ele saiu do Estado, minha mãe disse: ‘Vamos mudar para Belo Horizonte’ [Pepe gargalha e diz ‘essa menina é fogo, que memória]. Fizemos despedida na escola, homenagens. Mas meu pai foi mandado embora um mês depois. Já tava todo mundo matriculado na escola em Belo Horizonte. Aí minha mãe decidiu que quando meu pai fosse treinar alguma equipe no Brasil a gente não iria se mudar porque a profissão é muito instável. Quando ele foi para fora, que tem um contrato de dois anos, aí nós para o Qatar, depois para Portugal. Quando ele foi para o Peru, nós fomos só passear. Foi assim no Japão também, até porque eu estava fazendo faculdade.”
PEPE: “Geralmente eu ia primeiro, fazia o contrato, procurava o apartamento, ajeitava tudo direitinho e depois a família ia.”
GISA: “Peru foi a experiência mais difícil por causa do Sendero Luminoso”.
[Além da história da vedete, tem alguma outra “picante”, pergunta Rodolfo]
GISA: “Meu pai nunca foi da turma dos boêmios. Nunca bebeu, nunca fumou. Ele sempre foi muito família, sempre preocupado com o futuro. Ele não tinha automóvel, mas tinha imóveis. Da turma deles, o Pepe, o Gilmar e o Dalmo era os mais quietos”.
CAPÍTULOS FINAIS
GISA: “Todo domingo de manhã é de praxe meu pai ir para São Vicente, em uma árvore centenária, e reencontra os amigos de infância. Isso há muitos anos. Só quando ele não estava no Brasil ele deixava de ir.”
PEPE: “Eu não ia, mas os outros vão.”
GISA: “Quando chove e não dá para ir ele fica bravo. É um ritual. Inclusive a gente está fazendo uma pré-venda do livro em um site e tem vários brindes para quem comprar. Um dos brindes é que cinco pessoas vão passar uma manhã com meu pai contando causos na árvore”.
PEPE: “Á arvora fica perto da praia Boa Vista e a gente fica sentado na mureta”.
GISA: “Todo domingo meu pai acorda cedo e fala: ‘Estou indo na árvore’. Meus filhos ouvem, eles são pequenos, e perguntam: ‘Mãe, o vô fica sentando nos galhos da árvore?’. E o Tiago pensa: ‘Mas vai estar o Dorval, Mengálvio, Coutinho sentados na árvore’. Não. São os amigos de infância”.
PEPE: “Todo domingo acordo e dona Lélia diz: ‘Vai para árvore hoje?’. [risos]
MAIS
[Marcador que mais incomodou]
PEPE: “Tinha dois marcadores quando eu jogava que eram o Djalma Santos [Palmeiras] e o De Sordi [São Paulo]. O De Sordi era mais duro, não era tão bom jogador como o Djalma Santos. O Djalma Santos era muito leal, não era violento, nunca deu um carrinho. Tecnicamente eu considero o melhor marcador o Djalma Santos. Depois eu tive, no final de carreira, um marcador no Fluminense quando eu estava na faixa dos 30. Eu me lembro que perdemos por 4 a 2 para o Fluminense, na época em que eles tinham Manoelzinho, Joaquinzinho, um tima assim, sabe, sem figuras de grande destaque. Mas me lembro que cheguei no pessoal de São Vicente e disse: ‘Ontem me marcou um lateral direito, um tal de Carlos Alberto, esse vai ser o melhor do Brasil seguramente. Não toquei na bola’. O garoto tinha 18 anos e já partia para o ataque, coisa que o Djalma Santos e o De Sordi não faziam. Era um garoto fantástico e foi também um dos melhores marcadores que eu tive”.
[Melhor jogador que treinou]
PEPE: “Pelé não vale? Eu treinei o Pelé em 1973. Pelé é hors concours. Acho que o melhor estrangeiro foi o Guardiola, no Qatar. E brasileiro foi o Denner, na Portuguesa. Desequilibrava. Tinha tudo para ser um novo Pelé, só não tinha cabeça, juízo.
[Melhor treinador]
PEPE: “O melhor treinador foi o Lula. Fiquei muitos anos com ele no Santos. Talvez o Aimoré Moreira, meu técnico na seleção, fosse mais tático, mas o Lula sabia fazer um bom ambiente para os jogadores e ficou muito tempo no Santos. Tinha também um bom olhar. Chegou Pelé, chegou Coutinho, além de outros jogadores, e ele soube identificar os talentos.”
[Time de que mais gostava de ganhar]
PEPE: “Do Corinthians.” [risos]. “Em geral, dos grandes, Corinthians, São Paulo e Palmeiras. O Corinthians teve um tabu longo contra o Santos e durante a semana a gente sabia que o jogo era contra o Corinthians e já dava o bicho como ganho. Os corintianos já ficavam preocupados”.
[“O Corinthians nunca te procurou”, pergunta Gisa]
PEPE: “Já no fim da minha carreira, quando o Abel estava jogando, vieram dois diretores do Corinthians na minha casa para me contratar. Eu pensei, não estou jogando, mas sentia que dava para jogar. Falei para eles falarem com o pessoal do Santos. Mas o Modesto Roma não aceitou. ‘Se eu deixar o Pepe sair para o Corinthians, vão tocar fogo na Vila Belmiro. Daqui ele não sai’, respondeu o Modesto. Uma vez também o Santos foi jogar nos EUA, eu estava com 32 anos, foi em 1967. Ainda chutava forte. Estávamos perdendo para o Saint Louis por 2 a 0. Era um time bom. Tinha francês, argentino e húngaros. E eu empatei 2 a 2 com chutes de fora da área, de falta. E o Pelé fez o terceiro. Ganhamos por 3 a 2. Quando acabou o jogo, estava saindo com a minha mochila. Um diretor me chamou e apresentou outros dois diretores. Disse que era dois americanos e que eles estavam interessados em me contratar. ‘Olha eles são donos de um time de futebol americano e querem te contratar para você dar aquele chutão’, disse. [risos] Falaram uma quantia boa até, mas eu não sei como é que se faz isso. Como eu já estava compromissado com o Santos, que ia terminar a minha carreira. Eu não aceitei”.