Fracasso na maratona masculina coroa desastre do atletismo brasileiro no Pan
29/07/15 12:38Querido leitor, estimada leitora, começo pedindo desculpas pelo tempo que fiquei fora do ar. Estive no interior do interior do Brasil profundo, sem luz nem internet; em breve trarei notícias de coisas que descobri e aprendi.
Só agora, portanto, fiquei sabendo dos resultados do Brasil nos Jogos Pan-Americanos encerrados no último domingo em Toronto. Apesar de, obviamente, não ter visto nada, procurei estudar os dados para trazer para você minha opinião sobre o que aconteceu lá.
O título deste texto já dá uma pista e deixa claro minha decepção em relação às conquistas brasileiras no Pan. Não decepção como torcedor –ainda que também–, mas como avaliador que busca ter um mínimo de distanciamento crítico essencial para a prática do bom jornalismo.
Ubiratan José dos Santos foi o último colocado na maratona, Franck Caldeira nem sequer terminou a prova, vencida por um cubano com tempo de corredor amador. Os dois brasileiros citaram problemas físicos para justificar seu desempenho, mas há que lembrar que essa prova era o objetivo de ambos na temporada.
Claro que tudo pode acontecer em uma maratona e não é o caso de jogar qualquer um deles na fogueira. Mas o fato é que Ubiratan se classificou com 2h16 e alguma coisa e Franck fez 2h12 para ir ao Pan, onde a marca vencedora foi 2h17min04, o melhor resultado da vida do vencedor…
Esse fracasso “coroa” o pior desempenho do Brasil em Jogos Pan-Americanos em 44 anos, segundo levantamento feito pela ESPN. Com apenas uma medalha de ouro, o país teve agora performance similar à de 1971!!!!
Aliás, é bom que se diga: o ranking tradicional é feito assim mesmo, pela qualidade das medalhas, não pelo número. O Brasil NÃO ficou em terceiro lugar no atletismo, com suas minguadas 13 medalhas. O que importa é que, delas, apenas uma foi de ouro.
Isso deu ao Brasil um mero oitavo lugar no atletismo, atrás de Trinidad e Tobago, por exemplo (veja o quadro abaixo).
Antes de prosseguir, falo ainda na maratona feminina, realizada logo no início dos jogos. Foi uma situação bem diferente: os treinadores das duas representantes brasileiras de antemão lembraram que as marcas das peruanas eram melhores do que as das brasileiras.
A corrida de Adriana Aparecida da Silva foi muito inteligente, como dá para ver pelas parciais a cada 5 km; Marily dos Santos confirmou o espírito que lhe vale o apelido de Guerreira das Alagoas. Elas perderam para corredoras que já tinha melhor retrospecto.
Claro que, de novo, na maratona como na vida retrospecto não dá medalha, mas é uma indicação das condições com que cada um entra na disputa (no caso da maratona masculina, o retrospecto era favorável aos brasileiros).
O resultado do atletismo brasileiro no Pan deveria ser encarado como o 7 a 1 da Alemanha no Brasil. Não dá para passar a mão na cabeça: é preciso encarar a realidade dos números e perceber que os prognósticos para Rio 2016 são tétricos.
Não desfaço do trabalho de ninguém. É evidente, no entanto, que o Brasil está longe de ter no esporte um desempenho condizente com suas tradições e seu potencial –a começar pelo que acontece no riquíssimo futebol.
Tudo isso é minha opinião. Há outras, que passo agora a incluir aqui no texto para que você tenha melhores condições de fazer o seu balanço.
A Confederação Brasileira de Atletismo publicou em seu site texto em que traz as seguintes palavras de seu presidente: “”Esperávamos um número maior de medalhas, tanto no total como em ouros”, disse o presidente da Confederação Brasileira de Atletismo, José Antonio Martins Fernandes, o Toninho. “No entanto, devemos considerar que esta edição do PAN foi a mais forte no Atletismo, desde os Jogos de Indianápolis 1987, nos Estados Unidos”, lembrou Toninho Fernandes. “É natural, assim, que as dificuldades tenham sido maiores em Toronto, do que nas edições anteriores”, observou o dirigente.
Eu conversei por internet com o presidente da Associação dos Treinadores de Corrida de São Paulo, Nelson Evêncio, que disse o seguinte: “O atletismo teve uma boa participação. Em número de medalhas (13) e não em número de medalhas de ouro, ficamos atrás somente dos EUA e do Canadá. Esperávamos medalhas de ouro no salto com vara masculino, feminino e na maratona masculina. No masculino, os dois atletas zeraram, no feminino a disputa foi mais forte que a disputa o olímpica e a prata da Fabiana Murer foi um ótimo resultado. Já com relação à maratona masculina, onde vínhamos em sequência de quatro ouros, o Franck alegou que teve uma lesão muscular durante a prova e o Ubiratan câimbras. O percurso era bem difícil e o clima ruim, favorecendo atletas mais lentos.”
Nelson também afirmou: “O nível técnico foi muito mais forte do que o esperado! Foram batidos 13 recordes pan-americanos. Três atletas fizeram a melhor marca do ano em suas provas, seis dos que competiriam são líderes mundiais e vários fizeram marcas entre as cinco do mundo”.
Conversei ainda com o comentarista esportivo especializado em atletismo Cleber Guilherme, que disse o seguinte: “A participação dos brasileiros na maratona Pan Americana poderia ter sido melhor. Adriana Aparecida da Silva melhorou sua marca pessoal em relação à etapa de Guadalajara 2021, quando havia conquistado a medalha de ouro, mas desta vez trouxe prata.
“Na prova masculina, Frank Caldeira de Almeida , que foi campeão da maratona Pan Americana no Rio de Janeiro em 2007 e possuía atualmente marcas que o credenciavam a uma nova conquista de medalha abandonou a prova após sentir uma lesão.
“Poderiam ter sido duas medalhas na prova que o Brasil possui tradição afinal já são 14 medalhas desde a década de 80 como podemos observar na lista abaixo. Desta forma, nossos dirigentes deveriam ver a maratona como uma real possibilidade para trazer mais medalhas neste evento . Cabe agora investimentos em nossos melhores maratonistas do ranking nacional para que este objetivo seja atingido nas próximas edições de Jogos Pan Americanos.”
Cleber também fez uma avaliação mais ampla, que reproduzo a seguir:
“Em relação ao atletismo como um todo, falta um maior investimento nas categorias de base , entenda-se nas escolas. É necessária a formação de treinadores para este fim, no entanto são pouquíssimas possibilidades oferecidas tanto pela Confederação Brasileira de Atletismo e nas federações estaduais. Os cursos oferecidos são na maioria das vezes destinados aos treinadores que atuam nos clubes muitas vezes exigindo destes que tenham no currículo atletas em seleções estaduais ou nacionais, ficando assim um grande déficit na formação de quem realmente trabalha com a base. Enquanto esse processo não for feito, viveremos na dependência de poucos atletas. O processo é lento e se começássemos hoje só veríamos os primeiros resultados daqui a dez anos . Um exemplo disso é a Colômbia que há décadas buscou um investimento nas escolas e gerou uma parte da delegação que disputou os Jogos Olímpicos de Londres em 2012.”
Bom, prezado leitor, querida leitora, espero que isso já ajude a ter assunto para discussão.