Muvuca na chegada reduz brilho de bela (e quente) corrida no Espírito Santo
17/08/15 13:11“Vamo, vamo, meu bem, olhaí, tem uns velhinhos te passando, estão te deixando para trás”, disse o garotão sarado para sua jovem e formosa companheira, talvez pensando que assim a incentivasse a acelerar o passo no início da prova que ainda teria muitos quilômetros e sol para mais de metro.
Não sei se esse tipo de apelo funciona, mas devo dizer que nem eram tantos velhinhos assim que estavam ultrapassando a moça. De acordo com os fatos daquele momento, aferidos ao vivo e em cores por este repórter, havia apenas um sujeito de barbas brancas cruzando pelo jovem casal –este mesmo aqui que cuida de contar a história da última edição da prova Dez Milhas Garoto, realizada neste domingo no coração do Espírito Santo: parte da capital, Vitória, e termina na bela Vila Velha.
Acho que não deu certo, a garota ficou na dela, não apressou o passo, e seu insatisfeito acompanhante teve de se resignar a acompanhá-la naquele ritmo mesmo (ou a largou no meio do caminho, mas espero que não tenha tomado essa tão pouco cavalheiresca atitude).
De minha parte, segui apreciando o mar que bate na praia de Camburi, onde se deu a largada com a presença de cerca de 10.000 corredores –pelo menos, esse foi o número de inscritos, segundo os organizadores. Foi minha primeira corrida desde a maratona que fiz no Alasca, minha primeira como aposentado (confira AQUI toda a história), e precisava ir com calma para conferir se o esqueleto e a carne que o cobre estavam funcionando bem.
Apesar de algumas nuvens, o sol dominava o terreno e castigava o lombo dos atletas. Essa é uma prova que costuma ser muito quente –na minha participação anterior, os termômetros haviam estourado a boca do balão e faltou água para os participantes.
Quem se inscreve nela, portanto, está ciente de que as condições deverão ser adversas. Por isso, acho que não dá para reclamar do calor.
Mas pode-se protestar contra os organizadores, que também estão carecas de saber da quentura espiritosantense e bem poderia puxar a largada para mais cedo, às sete da manhã ou mesmo às seis da matina. Já faz anos que, neste blog e sempre que tenho oportunidade, defendo que as corridas no Brasil devem começar pelo menos às sete horas para dar aos corredores condições mais saudáveis de participação.
Isso posto, toca a aguentar o calor! As Dez ilhas de Vitória/Velha Velha têm uma particularidade: a Terceira Ponte, que une as duas cidades, cruzando sobre a baía de Vitória (que é a foz do rio Santa Maria). É uma bela obra de arquitetura, com uma subidona e subsequente descida ao longo de seus 3,3 quilômetros de extensão.
Esse, porém, é o tamanho “oficial”. Para os corredores, são pouco mais de cinco quilômetros entre a alça de acesso, em Vitória, depois de 4.300 metros de corrida na capital, até sair das obras arquitetônicas e ganhar o asfalto das ruas de Vila Velha.
Neste ano, a prova ganhou mais espaço; na saída da ponte, pegamos um complexo viário elevado, com uma ondulação considerável.
A modificação –em relação à última vez que eu fiz essa prova—reduziu o dobra-e-desdobra, passa-e-repassa que havia anteriormente, deixando o percurso mais escorreito, mais livre; em contrapartida, aumentou o tempo em que os corredores ficam totalmente expostos ao sol, sem condição de buscar eventual sombra dos prédios em Vila Velha.
Mas o que importa mesmo é a ponte. Ontem, muitos chegamos a ela já abalados pela quentura do dia e pela má distribuição dos postos de água –havia apenas um em todo o trajeto antes da Terceira Ponte (o que, considerando a distância, talvez seja razoável em circunstâncias normais, mas é insuficiente no clima quente do Espírito Santo).
A paisagem, no entanto, ajuda a relaxar. É tudo muito bonito. Eu tentei forçar as pernas a seguirem no trote até o ponto mais alto da ponte, para só então dar aquela paradinha para bater algumas fotos. Fiz até uma imagem engraçada –pelo menos, eu achei—com a dubiedade que o dia deu à placa de trânsito.
Para mim, do ponto de vista de ritmo, foi a partir dali que a prova engatou. Com a redução na ponte, as paradas para foto e as caminhadas nos postos de hidratação, cheguei ao km 10 com 1h14, média por quilômetro de maratona com cansaço. Tinha de melhorar essa parada!
Pois em Vila Velho tudo se conjuminou para me ajudar: o trajeto fica totalmente plano depois do km 10, os postos de água estavam abastecidos e colocados a intervalos de cerca de dois quilômetros –o que foi muito bom–, voltamos a pegar parte do percurso margeando a praia e ainda tivemos, nos dois quilômetros finais, um pouco de sombra dos prédios da cidade.
Consegui reduzir bem minha ,média por quilômetro, mesmo prestando atenção no meu entorno e até acompanhando uma “DR” rápida entre dois corredores.
“è por isso que não dá para fazer dupla”, dizia um, continuando a reclamar: “Se é para fazer dupla, os dois têm de treinar igual, não dá para entrar e depois acabar cansando…”. O coitado do outro sujeito, que já estava ficando para trás, não chiava nem bufava (pelo menos eu não ouvi).
Fiquei lá pensando com minhas joaninhas: para mim, correr em dupla tem a ver com compartilhar experiências, bater papo quilômetros afora; não com desempenho, ainda que sempre um possa puxar o outro. Para insatisfação do sujeito mais lento da tal dupla, o parceiro dele não pensava assim e resolveu se mandar depois da tal “discussão de relação”.
De modo geral, porém, as pessoas em volta me pareciam satisfeitas. E eu também fiquei muito feliz ao passar sob o pórtico de chegada em 1h57min18. Claro que o resultado não é grande coisa para a maioria dos corredores –fiquei no 2.433º lugar entre os 2.936 homens que completaram a prova na categoria geral (havia ainda as categorias atleta capixaba e colaborador da patrocinadora); mas a melhora do ritmo na segunda parte da prova mostra que o velho corpitcho está reagindo bem aos treinos.
Só não reagi bem à bagunça formada depois da chegada. Para uma prova até então bem organizada –problema apenas na distribuição dos postos de água em Vitória–, aquela muvuca destoou completamente.
Pouco metros depois do pórtico havia uma verdadeira barreira humana, gente que esperava amigos, curiosos, fotógrafos, uma confusão. Depois, a bagunça continuava, com gente indo e vindo, corredores emedalhados e atletas ainda por receber sua medalha, todos circulando no mesmo espaço –enfim, um estresse desnecessário que indica falta de cuidado da organização.
Logo naquela hora em que a gente só quer água, pegar a medalha e ir lamber as feridas ou festejar as conquistas, o descaso deixa o atleta irritado e insatisfeito.
A medalha, em compensação, é grandona e bonita. E, depois da prova, dá para curtir uma praia, tomar água de coco gelada e sorrir para o céu azul.
PS.: Fiz as Dez Milhas Garoto a convite dos organizadores.