EXCLUSIVO = Entrevistas com as maratonistas olímpicas que representam o Brasil no Pan
17/07/15 09:52Marily dos Santos, a Guerreira das Alagoas, e Adriana Aparecida da Silva, Glória de Cruzeiro, são as representantes brasileiras na maratona feminina do Pan. Além de sua proverbial garra e resistência, as duas levam para as ruas de Toronto uma grande bagagem atlética: Marily, 37, foi a representante brasileira nos Jogos de Pequim-2008; Adriana esteve em Londres-2012.
Apesar da vasta experiência, nenhuma delas fala em vitória. Preferem lembrar que as melhores marcas do grupo que disputa a prova na manhã deste sábado são das peruanas.
Conversei com as duas por e-mail no início da semana. Marily fez a gentileza de mandar suas respostas ainda da sala de embarque, pouco antes de viajar para Toronto. Envolvida com transfers e idas e vindas, Adriana mandou suas repostas no dia seguinte. Também conversei com os treinadores das duas.
Gilmário Mendes Madureira, treinador e marido de Marily, falou com a franqueza que o caracteriza: “Não tem essa de ganhar. O peso da responsabilidade [de vitória] cai sobre as peruanas, que têm o recorde sul-americano e marca de 2h28min12, e sobre as canadenses, que competem em casa”.
Por isso, ele afirma: “Nem cogitamos buscar vitória. Temos de correr para a melhor marca atual e ver se o clima faz a parte dele. Correr 2h26 no friozinho de Berlim é bom. Quero ver nos 25 a 30 graus que está fazendo nas manhã de Toronto…”
Por sua vez, Claudio Roberto Castilho, treinador de Adriana, lembra que sua atleta enfrentou algumas dificuldades nos últimos anos: “Ela sofreu muito após os jogos de Londres. Teve lesões que acabaram causando pequenas interrupções durante sua preparação, principalmente chegando na reta final, quando atingimos volumes de quilometragem semanal altos, media de 210 km por semana”.
Dito isso, publico a seguir as entrevistas com as corredoras, começando com MARILY DOS SANTOS, que mandou primeiro suas respostas.
RODOLFO LUCENA – Como foi sua preparação para essa competição?
MARILY DOS SANTOS – Foi boa. Optamos por fazer no centro de treinamento que temos no sitio onde moro [em Pojuca, a 80 km de Salvador]. Aqui temos outros atletas para nos motivar e o clima quente e úmido que teremos em Toronto. Se fossemos para altitude, temíamos a mudança de clima.
Mudou algo em relação a outros períodos de treinamento para maratona?
Mudou só a forma de treinar longos. Fizemos ritmos progressivos, mas abaixo do ritmo de prova para não haver desgaste. Obtemos melhora do ritmo médio de prova aplicando velocidade só em intervalados menores. Treinos longos no calor não nos trazem boas lembranças de resultados. Como choveu muito nesse período, a umidade sempre era alta, o que por si já provoca desgaste.
A senhora é uma especialista em correr no calor. Qual sua avaliação das condições de Toronto para uma maratona?
Só verei como o clima está quando chegar lá. Há locais em que mesmo no verão o clima só esquenta mesmo depois do meio-dia. A prova será às 7h de lá, esquentando ate às 9h30. A tendência, então, é de queda de ritmo pra quem não está acostumada. Se estiver quente e úmido, a transpiração aumenta muito, é diferente de quente e seco, onde a respiração que é mais desgastante.
Quais são suas principais adversárias nessa prova?
Não temos todo o start list. Sabemos das peruanas, Inés Melchor com 2h26 e Gladys Tedeja com 2h28, a canadense com 2h28 e a Adriana com 2h29, além de outra canadense com 2h33, então só aí já temos nível suficiente para um pelotão forte.
Como a senhora compara as condições de Toronto e Pequim?
Pequim tem a viagem, que é de 40 horas, e o clima poluído. Toronto é mais limpa. Em Pequim, estive sozinha. Não acho isso bom, pois não tem com quem dividir a ansiedade pré-prova. Agora tem a Adriana, que é ótima companhia e pode motivar mais por estarmos na busca de objetivos parecidos.
O que a senhora aprendeu depois da experiência em Pequim?
O ritmo de prova. Mundial, Olimpíada, Pan são provas mais cadenciadas. Vale mais a táatica. Em geral, são no verão do hemisfério norte. Isso pega muitas delas de surpresa se não estão acostumadas com o clima. Todas têm marcas ótimas, mas obtidas no frio ou clima ameno. Sair no ritmo certo pode decidir uma meta.
Pelos seus cálculos, que ritmo precisa fazer para ganhar?
Não faço nunca cálculos de vitória. Falar nisso antes da prova é desmerecer o valor das adversárias, já que todas treinaram muito. Eu faço cálculos de ter minha melhor marca sempre e, se o nível é bom, isso pode ajudar.
Se conquistar o título, como pretende festejar?
Não saio com objetivo fixo, por isso nem imagino nada com antecedência. Falar muito antes de fazer não tem meu perfil. Gosto de guardar minhas metas pra mim mesmo. Cheguei aqui com meus esforços e do meu treinador, então só a ele devo expectativas. Se nem ele me cobra nada que não possa fazer, eu mesmo corro sem peso na consciência. Tudo pode acontecer. Se alcanço a meta que tracei, aí o natural aflora e comemoro sem ter pensado antecipadamente. O lugar mais alto no pódio é para apenas uma, mas a felicidade de estar representando o pais inteiro não pode ser deixada em segundo plano. Vibrar com essa conquista já me faz uma pessoa feliz. O que vier é lucro.
Essa foi a entrevista com MARILY. Publico agora a entrevista com ADRIANA. As duas primeiras perguntas foram respondidas pelo treinador dela. As demais são da própria atleta.
RODOLFO LUCENA – Como foi a preparação para essa competição?
CLAUDIO CASTILHO – Diferentemente das preparações anteriores, fizemos um bloco especial de apenas oito semanas. Poderia ser considerado pouco tempo se não contarmos o fato de que ela fez uma preparação maior, de 14 semanas, para correr a maratona de Nagoya no inicio de março. O foco foi basicamente em otimizar e poupar o corpo da Adriana, já que havia uma boa base e ela ainda vai disputar mais uma maratona neste ano, em outubro, no Campeonato Mundial Militar na Coreia.
Mudou algo em relação a outros períodos de treinamento?
Houve uma preocupação maior para equilibrar o trabalho de percepção e força muscular como um fator preventivo. Ela sofreu muito após os jogos de Londres. Tevelesões que acabaram causando pequenas interrupções durante sua preparação, principalmente chegando na reta final, quando atingimos volumes de quilometragem semanal alta, média de 210 km por semana. Já nesta preparação, fizemos apenas dois longos de 40 km, alternando ritmos dentro da mesma sessão, nunca como apenas treinos contínuos.
Antes da maratona em que quebrou seu recorde pessoal, a senhora fez um treino de 28 km puxada por homens em ritmo muito forte. Repetiu a dose agora? Por que?
ADRIANA APARECIDA DA SILVA – Desta vez, não. Tivemos duas razões para isso: 1) Treinei as quatro semanas finais, das oito totais do bloco especial, sozinha na altitude de Paipa, e o Cláudio não tinha como mandar atletas homens para realizar este trabalho comigo. 2) A outra é que na altitude não dá para treinar o longo em ritmo de prova, considerando que estava a 2.600 m e os meus longos o Cláudio pedia para eu subir e realizar a 3.200m, ainda mais alto. Desta vez, ele colocou um treino na segunda-feira pré-prova, dois dias após minha descida. Forem três 3 tiros de 5km em que eu tive a companhia de dois atletas que treinam no grupo. Foram ritmo progressivos de um para o outro, começando o primeiro a ritmo de 3’36”km e finalizando o último sub 3’30” de média.
Quais suas principais adversárias nessa prova?
As peruanas estão muito bem, a Inés Melchor é a atual recordista sul-americana com um tempo ótimo de 2h26, obtido em 2014 na maratona de Berlim. Neste ano ela já correu 2h28 e fez os 10.000 m de pista para 31’50 em uma prova nos EUA. A outra peruana, a Gladys Tejeda, também melhorou muito e foi segunda colocada na maratona de Roterdã neste ano, também com a marca de 2h28. Tem uma canadense com 2h33 no ranking mundial e me parece que vai disputar a prova. Logicamente, a própria Marily, a outra atleta que estará representando o Brasil e que também é muito experiente, já tendo participado dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 e com um recorde pessoal de 2h31 na maratona.
Procuro não ficar pensando muito nas outras atletas, esse é um trabalho que o Cláudio faz e me passa no momento certo, me concentro nos resultados dos treinos que realizo e fixo nos ritmos que o Cláudio coloca como meta para mim na prova.
Como a senhora compara as condições de Toronto e Guadalajara, onde venceu a maratona do Pan-2011?
Guadalajara foi um inferno de tanto calor, mas no fim isto me ajudou bastante, porque suportei o clima e aconteceram muitas quebras. Em Toronto imaginamos uma condição não tão ruim de clima e pode acontecer uma prova mais rápida. Além do horário da largada ser pela manhã, e não como foi no Pan anterior, no período da tarde.
Pelos seus cálculos, que ritmo precisa fazer para ganhar?
É difícil dizer, mas pela lógica teria que correr perto do meu personal best 2h29, ainda assim não estaria nada garantido. Mas, como aconteceu em Guadalajara, tudo pode acontecer. O recorde pan-americano a meu ver será quebrado novamente e acreditamos que não só pela campeã da prova como talvez por mais uma ou duas atletas.
Temos uma idéia do ritmo que farei em função dos treinos e testes que realizei, mas o Cláudio só fecha isso comigo na véspera da prova, após os estudos que ele vai fazendo das atletas, do clima e de mim também.
Se a senhora conquistar o bi, como pretende festejar?
Fico tão concentrada na prova que não consigo pensar no que fazer na comemoração. Prefiro pensar nisso após e se acontecer a conquista. Mas que vamos comemorar de alguma forma, isso vamos. O Cláudio está me ensinando que devemos sempre aproveitar esses momentos e comemorar o esforço todo.
Como um treinador de um atleta de alto nível o qual vai representar uma país em um Panamericano diz isso: “Nem cogitamos buscar vitória….” Eu atleta amador que trabalho 10 horas por dia e treino a noite ou de madrugada, posso dizer isso em qualquer prova… Agora eles não… isso é um pensamento perdedor, pequeno e indigno de um atleta de alto nível… se entrou com este pensamento – Já perdeu !!!