Corredor merece mais respeito, diz tetracampeã de ultramaratona
11/02/15 11:00Olá prezado leitor, estimada leitora. Para quem duvidava, aviso que este blog está firme e forte.
Várias pessoas me perguntaram como ficaria o +Corrida depois do lançamento do VAMOQUEVAMO!!!
Ih, você nem sabe que o VAMOQUEVAMO!!! existe?
Pois existe: é um blog que lancei para contar minhas aventuras depois de aposentado. Para dizer a verdade, contando em segredo só para você: foi um jeito de enfrentar as tristezas que chegam quando a gente vai ficando mais velho.
Lá no blog eu escrevi assim: “Os últimos meses de dores me deixaram mais gordo, mais fraco, menos determinado, menos capaz, mais triste. Preciso virar o jogo. Por isso inventei este desafio: a primeira maratona como aposentado. Tendo a corrida como meta, vou tentar enrijecer e emagrecer, ficar mais flexível e mais feliz, mais forte e mais rápido. Se tudo der certo, em junho próximo estarei na largada de uma prova no Alasca.”
Se você quiser saber mais, apareça lá. Basta clicar AQUI para chegar à página principal, que tem esta cara:
Bom, mas aqui, no +Corrida, não é lugar de ficar falando dessas coisas. Nosso assunto, como sempre, é corrida de modo geral.
Hoje, aproveito um texto da colega jornalista e brilhante ultramaratonista Daniela Santarosa para trazer ao debate uma questão que sempre me apoquenta quando participo de alguma corrida: a falta de respeito dos organizadores para com os corredores, seus clientes e, de certa forma, parceiros.
Há corridas que nos maltratam por falta de água, em outras o percurso está mal sinalizado, mais curto ou mais comprido… Há camisetas vagabundas, medalhas feiosas, troféus desconjuntados. Sem falar no descaso com a massa, corporificado na falta de premiação para as faixas etárias. E na ausência de prêmios em dinheiro para as categorias.
Claro que há corridas excelentes. E não fazem mais do que a obrigação, como todos nós, que trabalhamos nas mais diversas áreas, criamos produtos vendemos lanches, dirigimos empresas: cada um no seu quadrado procura (ou deveria procurar) a excelência. Não só para agradar e manter seu cliente ou seu salário, mas por puro orgulho e amor próprio.
Pois a Daniela escreveu com elegância autoridade sobre esse tema no ótimo blog que dirige, o SANTA CORRIDA. Falo autoridade porque ela é uma corredora amadora de alto desempenho. Basta dizer que, no mês passado, conquistou o tetracampeonato da Travessia Torres-Tramandaí, uma prova de mais de 82 km no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Eu fiz essa prova em um revezamento, há alguns anos, e adorei. Mas claro que corri na massa e meu nível de exigência era praticamente nenhum. Afinal, estava correndo em praia gaúcha, o que por si só já servia para me deixar alegra. A Daniela, que tem 38 anos e corre já há cerca de duas décadas, tem uma visão mais crítica, que deve ser ouvida e debatida.
A seguir, o texto que ela escreveu. O título original era “TTT 2015: por que eu não vou correr em 2016”, mas usei de minhas prerrogativas de editor para fazer outro. A foto grande é da chegada de Daniela na TTT, de mãos dadas com o filho, Francisco, de seis anos; a menor não precisa de legenda, não é?
“EXIGIR QUALIDADE É NOSSO DIREITO”
“Dizem que uma das sabedorias necessárias para qualquer atleta é planejar quais competições irá participar e, mais a longo prazo, qual o momento exato de sair de cena. Para profissionais (o que não é meu caso, e o da maioria), isso é mais difícil e doloroso. Fico imaginando a frustração de ter ido ao auge e, em função de lesões ou desgaste físico e também psicológico, ter que anunciar a aposentadoria.
“No dia 31 de janeiro, quando corri pela quarta vez a Travessia Torres-Tramandaí (TTT) na categoria solo (82km pela beira da praia), pensei muito sobre isso. Conquistei um tetracampeonato bonito, sofri, chorei e me diverrti para caramba. Porém, quando cheguei em casa e olhei para o troféu feioso de 1° lugar, cinzento e sem graça, me questionei se realmente valeu a pena tanto esforço.
Nessa e em outras competições realizadas no Rio Grande do Sul (e creio que o mesmo ocorre em outras regiões brasileiras), somos tratados como meros coadjuvantes em “festas promocionais” mal organizadas. Pagamos inscrições com valores altos, investimos em equipamentos, em toda infraestrutura para fazer bonito.
Treinamos feito doidos o ano inteiro. Ficamos ansiosos, abrimos mão de uma série de coisas para correr.
E o que ganhamos em troca?
Não estou tirando o mérito de quem cria e realiza tais eventos. Sei que dá trabalho. Mas é um negócio: e um negócio cada vez mais lucrativo. Hoje a corrida é o segundo esporte mais praticado do País. Do Oiapoque ao Chuí, milhares de corredores de todas as idades e classes sociais invadem as ruas com seus tênis coloridos e gastam uma babilônia de grana para alimentar esse “vício” do bem.
Mas a meu ver – e me corrijam se estiver errada -, nos contentamos com migalhas. No caso de um evento como a TTT, que reuniu mais de 2.000 corredores (que desembolsaram, cada um, 130 paus), as falhas ficaram evidentes e decepcionaram muita gente. Falando com colegas que correram a prova, foram apontados muitos problemas.
Eu percebi erros graves nos pontos de hidratação (como estava na dianteira, notei que o staff não conseguiu sequer oferecer água gelada em vários pontos, sobretudo após o meio-dia, após a plataforma de Atlântida), algo essencial e básico para todo ultramaratonista. O kit da prova, mais uma vez, decepcionou muita gente. E a premiação, então…sem comentários.
Após correr 82km em 7h44min, batendo o recorde da prova, ganhei um troféu igual a todos os demais (nada criativo e muito feio, no formato da bandeira do Rio Grande do Sul. Mais brochante, impossível). A impressão que tive é que foi feito sem um tesão. Muito, mas muito aquém da dimensão dada pelo público ao evento.
O que ganhei de premiação? Um boné.
Quando digo isso a leigos, que nada entendem de corrida, o espanto é geral. “Mas como pode? Não pode ser! Correr 82km e ganhar um boné! Como tu ainda vai nisso?”, me perguntaram ontem.
Eu não soube responder.
Será que o que vimos no último final semana no litoral não vale para uma reflexão?
O quanto estão valorizando quem se dedica tanto a esse esporte? Onde está o profissionalismo, a consideração com os atletas? Será que merecemos comer pão seco com queijo, quando merecemos (e pagamos para ter) um rango que tenha o sabor da superação, gostoso como um croissant quentinho?
É por essa e outras que, em 2016, decidi não correr mais essa competição e todas as demais que, ao meu ver, não primam pelo profissionalismo e deixam a desejar em vários aspectos.
Quer ver como funciona? Vá para qualquer evento esportivo na Europa e Estados Unidos ou, mais perto ainda, na Argentina.
Somos os principais personagens. E exigir qualidade não é ofensa ou crime. É nosso direito.
Espero que tenhamos uma evolução nos próximos anos, pois do jeito que as coisas andam, dá mais vontade de investir essa grana preta das inscrições em um bom vinho – pelo menos, o retorno é garantido.”
Reclamar dos pontos de hidratação é justo e correto. Tem meu total apoio. Mas fazer um desabafo sobre o troféu? O boné? Ela corre pelo prazer ou pelo confete? Sempre sigo ultramaratonistas em midias sociais e meu “encanto” vem do desprendimento. A vitória é cumprir a prova longa, ser capaz de correr, bater uma meta pessoal. Se ela corre para ganhar um troféu bonito é melhor procurar outro esporte.
Olha, Ricardo, cada um tem os seus valores, não é?
Concordo, Daniela.
Mil vezes mais fazer meus treinos solitários ou com amigos do que pagar (geralmente, caro) por uma prova e não ser tratada com o respeito merecido.
Parabéns pelo tetracampeonato.
Lia
Concordo plenamente com você. Não sou ultra (nem ousaria voar tão alto), mas já fiz muitas provas por ai, de maratonas à 5 K e a grande maioria delas é decepcionante no que se refere à estrutura e valorização dos participantes, que efetivamente estão enriquecendo os organizadores por todo o Brasil. É de fato lamentável você inscrever-se numa prova e abrir a sacolinha com aqueles kists(brochantes) e sem graça e ainda pior é ter que correr sem água e boa estrutura. Vamos reclamar, exigir, boicotar, se for o caso, mas temos que conseguir melhorar esse estado de coisas. Abraço