Vitória brasileira nas montanhas do Chile
24/10/14 10:39Conheci MANUELA VILASECA pela internet. Por e-mail, fiz uma entrevista com ela para reportagem que seria publicada na Folha. Já se passaram alguns anos. Dias atrás, ela me escreveu, perguntando se podia contar neste blog a história de sua mais recente aventura.
Aos 35 anos, essa empresária do Rio de Janeiro é ultramaratonista dedicada, experiente e vitoriosa. Sua ultima conquista foi nas escarpadas montanhas chilenas, que ele conta a seguir. Fiquemos então com o texto que ela mandou com exclusividade para a sua leitura (fotos Matias Donoso, enviadas pela própria Manuela, a quem agradeço pela colaboração).
“Às quatro horas da manhã da sexta feira meu despertador tocou. Eu estava no meio de um sono profundo e ao escutar o alarme estiquei o braço para desligá-lo. Eu estava um pouco perdida e me perguntava, “Estou acordando para o que mesmo? Vou treinar, vou trabalhar?” Aí me veio a lembrança na cabeça: Eu estou acordando para correr 160km! Seria a primeira prova de cem milhas do The North Face Endurance Challenge, no Chile.
Na largada estávamos todos os 37 corredores –apenas seis mulheres– aglomerados embaixo do pórtico, com a certeza de que o que iríamos encarar pela frente não seria nada fácil. Apesar do número pequeno de mulheres, eu sabia que seria uma disputa e tanto. Eu vinha de fora e aquele terreno era desconhecido para mim; por outro lado, tinha a vantagem de me conhecer bastante. Assim larguei rumo à minha jornada.
Sempre que eu começo uma prova tão longa como essa, evito pensar que estou numa competição. Faço isso porque gosto de concentrar minhas energias em mim mesma, seguir meu ritmo e minha estratégia de alimentação e hidratação.
Já no começo da prova encaramos uma subida bastante dura. Eu larguei na fila de trás, mas logo busquei meu ritmo de prova e comecei a subir. As atletas Marlen Flores e Veronica Bravo, ambas chilenas, vinham na minha cola. Assim seguimos até o primeiro ponto de abastecimento. Saímos juntas e seguimos juntas.
Foi aí que eu comecei a perceber que eu ditava o ritmo. Se eu decidisse correr, elas corriam. Se eu decidisse caminhar, elas caminhavam. Isso era um pouco estranho para mim porque nunca havia acontecido antes. Seguimos assim durante muito tempo na prova. A posição na qual chegávamos ao PC se alternava um pouco, mas a distância entre nós era sempre muito pequena.
Quando cheguei ao PC4 da prova eu estava sozinha em primeiro. Minha equipe de apoio me recebeu com muita alegria e prontamente começou a acelerar minha transição. Nesse PC também estava o Nick Moore, diretor de percurso, que me olhou e me alertou para a minha grave perda de sal. Foi aí que reparei que a minha roupa e a minha mochila estavam todas brancas. Fazia muito calor e a quantidade de sal que eu havia perdido era enorme. Ele me disse que comesse algo salgado, então enchi a mão de biscoitinhos de sal e saí.
Comecei a encarar a subida seguinte e percebi que estava numa enrascada. As cãibras se espalhavam pelo meu corpo inteiro. Eu subia devagar e me sentia fraca, totalmente diferente de como estava me sentindo antes. Cada movimento eu fazia com muito cuidado para que não ativasse uma cãibra insuportável e me levasse ao chão. Mais uma vez a Marlen e a Verônica me alcançaram e seguimos juntas.
Eu não deixava meu ânimo baixar e seguia com elas. Quando chegamos ao topo perguntei à Marlen se ela tinha sal. Ela procurou em sua mochila e me disse que não. Em seguida a Vero chegou e fizemos a mesma pergunta. Ela tirou um ziplog com as cápsulas e me deu uma. Foi a minha salvação.
Seguimos subindo, dessa vez eu por último. Eu comia e me hidratava e aos poucos sentia que eu voltava a ganhar forças. Passei a Vero, mas a Marlen começava a abrir mais adiante. Depois disso veio uma longa descida, que nos levou rumo ao PC camp, que era aproximadamente a metade da prova. Cheguei ali com dois minutos de diferença para a Marlen, mas fiz uma transição mais rápida e saí em primeiro. Antes de sair o Nick me olhou nos olhos e me disse:
– Você está de volta.
Embora eu sentisse que estava realmente recuperada, essas palavras foram de extrema importância naquele momento.
Saí e a Marlen veio logo em seguida. A Vero nós não vimos mais e seguíamos somente as duas. Encaramos uma subida bastante longa para um ponto onde acredito ter sido o mais bonito de todo o percurso. Já estava no fim do dia e a luz rosa iluminava uma enorme cadeia de montanhas em nossa frente. Para arrematar, uma cachoeira gigante terminava de compor a linda paisagem. Chegamos a mais um PC e iniciamos nossa descida até o ponto seguinte.
Uma outra montanha importante, e provavelmente mais dura do percurso, foi a seguinte. Ela era bastante inclinada e longa. A descida igualmente dura. Eu vinha um pouco mais adiante pois a Marlen tinha dificuldades nas descidas. Era bastante íngreme e técnica, o que torna tudo mais perigoso. Perdi a conta da quantidade de vezes que caí, e inclusive uma das quedas foi bastante dolorida, me deixando alguns minutos estirada no chão sem conseguir me levantar. Quando cheguei no PC seguinte brinquei com meus apoios de que tínhamos acabado de encarar “el cerro de la muerte.”
Nesse momento a Marlen ainda não havia descido e eu segui com o Max Keith, atleta do Chile. Fomos conversando e esse trecho passou bastante rápido até que chegássemos ao PC seguinte, base de mais uma subida, onde mais uma vez a Marlen me alcançou e seguimos juntas. Na minha cabeça eu me perguntava, “Como será que essa prova vai acabar? Será um sprint final na linha de chegada? Que loucura…”
Quando passamos mais essa montanha começamos a descida. Nas descidas eu ia mais rápido. Apesar de também ter dificuldades, com tanto cascalho e terreno escorregadio, eu caía e me levantava logo em seguida. Em alguns momentos era até impossível frear e eu descida embalada, escorregando. Com isso abri mais uma vez da Marlen, só que nem percebi porque o Max vinha atrás de mim e inicialmente eu pensava que era ela. Quando notei estávamos só os dois e seguimos juntos.
Nos PCs seguintes não perdi tempo. Eu já tinha vontade de chegar logo e já visualizava a linha de chegada. Estava super focada e me sentia bem. Fora isso estávamos percorrendo um trecho que já havíamos feito antes, então era muito mais fácil mentalmente. Eu sabia o quanto faltava percorrer. Os quilômetros se passavam e eu seguia na frente sozinha. O sonho de vencer a prova começava a se tornar real.
Quando saí da última trilha e cheguei à estrada que levava à linha de chegada, eu começava a ter a real noção do que estava acontecendo. Completar uma prova de cem milhas nunca é fácil. Seja lá qual for o tempo, qual for a colocação, sempre é um grande feito do qual devemos nos orgulhar. Eu sabia que podia ganhar, mas sabia o quanto seria difícil. Naquele momento eu percebia o quanto havia superado para conseguir vencer. Lembrava da queda de rendimento que tive no PC 4 e o quanto eu me mantive concentrada para que aquilo não me tirasse a vontade de seguir adiante. Poderia ter me tirado da prova, mas ao final deu tudo certo.
Quando fiz a última curva e visualizei aquele pórtico lotado de gente, uma emoção muito grande me veio ao coração. Meus grandes amigos me esperavam antes da linha de chegada, após haverem me apoiado ao longo de todos os quilômetros, gritando meu nome e me abraçando. Me senti extremamente querida, pois mesmo não estando no meu país, e correndo contra corredoras locais, tive um enorme apoio do público. Cheguei festejando muito. É uma felicidade enorme terminar minha temporada de 2014 com uma vitória tão importante.”
Bom demais ver atletas dedicados, perseverantes e dispostos a tudo! Parabéns pelo feito.
Que façanha incrível!!! Quantas pessoas no mundo conseguem terminar uma prova de 160Km? De subida? Uma mulher? Empresária? Nossa, inacreditável!!!! Estou de queixo caído, parabéns, não é apenas uma vitória, é a vitória na prova mais difícil do planeta, coisa para forças especiais do exército americano, mas foi a Manuela que conseguiu, uau, supermulher!!!!
Muito bacana o relato.
No país do futebol, vôlei, fórmula 1 e agora MMA, temos muitos atletas brasileiros anônimos em esportes desconhecidos e atividades outdoor com grande destaque no exterior e respeitados por organizações estrangeiras nestas áreas. E aqui!? cadê a”força” e reconhecimento. É duro.
Mas, mesmo assim é um orgulho para nós. “Lutar e perder é honroso, mas perder sem lutar é humilhante ” (7×1)
Que superação! Que foco na prova! Inveja branca de você, Manuela! Parabéns amazônico!
MANUELA VILASECA, parabéns pela conquista, estou muito orgulhoso de você. Li atenciosamente todo o texto e conclui. Você é vitoriosa porque é diferente, pensa diferente. Motivação, determinação e concentração, foram as palavras encontrei para me espelhar em você e superar obstáculos das nossas trajetórias profissionais, trazendo para o nosso meio. Que continue assim. Essas conquistas precisa serem mais disseminadas nas nossas escolas e a pequenos desportistas. Gosto de notícias boas e motivadoras…..