Falta de água estraga corrida de Ouro Preto a Mariana
17/10/14 10:40São impressionantes e belas as montanhas onde se assenta Ouro Preto, cortada a cidade por veias que despencam ladeira abaixo e desempenam morro acima, virando palco para igrejas centenárias, históricas construções e o obelisco construído no local exato onde, há 242 anos, foi cravada num poste a cabeça decepada de Tiradentes.
São delicados os caminhos de Mariana, primeira capital de Minas, que abriga simpática praça central onde aos domingos a bandinha da cidade se apresenta na retreta. Separada que é da antiga Vila Rica, produtora de toneladas de ouro saqueado das terras brasileiras, une-se à metrópole regional por um belo caminho de ferro, hoje transformado em atração turística, e por estradas de asfalto.
Foi por uma delas, a que faz o caminho mais curto entre as duas cidades, que passou o trajeto da Corrida dos 12, cujo nome é múltipla homenagem: ao Dia da Criança, ao aniversário da Escola de Minas, pioneira na formação de geólogos no país, e à própria distância que os corredores iriam percorrer. Para completar o circuito, a prova é também parte das comemorações do ano do centenário da morte do Aleijadinho, escultor de anjos e santos e um dos tantos ilustres filhos da cidade.
Por tudo isso, é lamentável, triste e decepcionante que os organizadores do evento tenham fracassado em um serviço essencial à saúde e ao bom desempenho dos participantes: o fornecimento de água. Não digo “fornecimento adequado” de água, pois isso o regulamento já deixava prever que não aconteceria. Pois nem o prometido em letra de forma, escrito e assinado, os organizadores cumpriram. Faltou água no segundo dos dois insuficientes postos de abastecimento, acabando com a diversão dos corredores mais lentos e transformando um dia de prazer e alegria numa marcha de desânimo e raiva.
A jornada já começou errada. Quando o relógio da Escola de Minas bateu oito horas, nada estava pronto para a largada dos caminhantes, que percorreriam o mesmo trajeto a ser seguido, uma hora depois, pelos corredores. Mesmo se tivessem largado no exato horário, já seria tarde, dadas as condições climáticas, ainda que os organizadores não considerem céu claro, sol aberto e termômetros acima dos 25 graus como situação adversa para a prática esportiva.
Sobre isso, aliás, antes mesmo de me inscrever para a prova, consultei os organizadores, pois o horário me parecia tardio para esta época do ano. A resposta que tive foi a seguinte: “A nossa região é de um clima bem ameno…e a prova é de um percurso relativamente fácil, dos 12.400 m só teremos 800 m de subida e dividido!! Pela nossa experiência na região, não teremos problema com a temperatura!”.
Ledo e ivo engano. Os caminhantes afinal largaram, com 15 minutos de atraso, sem cerimônia, numa partida meio desacorçoada (acima). Nós outros, os corredores, ficamos espalhados pelas calçadas em volta da praça, buscando esconderijo nas sombras dos prédios coloniais. Quem precisasse aliviar a bexiga ou descarregar as emoções teria de procurar guarida em algum bar; não havia banheiros químicos disponíveis, pelo menos que eu conseguisse avistar.
Passado o tempo certo, fomos chamados para o pórtico. Cantamos o Hino Nacional, o que já garante emoção, e partimos na hora exata prometida, o que não significa adequada: eram 9h e a canícula já se fazia sentir com vigor ainda maior.
Os primeiros 200 metros, aproximadamente, são em subida, cuja dificuldade é aumentada pelo piso irregular, de perigosas e escorregadias pedras. Temeroso de queda, fui meio que saltitante nesse trajeto inicial e senti o coração velho responder ao esforço, logo aliviado pela vista do asfalto e início de uma das mais longas descidas que já percorri em uma corrida (na foto abaixo, gentileza de meu amigo das redes sociais que se apresenta como nilsonmp, ainda estamos “aquecendo”).
Diz o ditado que “para baixo todo santo ajuda”, mas conheço um bom número de fisioterapeutas e ortopedistas que divergem. A descida pode até ser mais fácil, mas castiga mais músculos e tendões, chacoalha os ossos e lança as mais diversas armadilhas para o corpo. Por isso fui descendo na boa, controlando o corpo e tentando aproveitar a vista, que de vez em quando se abria em precipícios e vales ou se erguia em montanhas (Foto Divulgação/Trem da Vale).
Mesmo com tanta economia, o corpo sentiu o esforço e eu abri o bico: no km 3 já estava ansioso pela chegada do primeiro posto de água, prometido para o longínquo km 4,8. Era o que estabelecia o regulamento da prova: “Seguindo as normas oficiais, haverá no percurso dois posto de água hidratação, o primeiro no km 4,5 e outro próximo ao km 09”.
O texto não esclarece a que normas se refere. A CBAt estabelece que os organizadores de corridas de rua devem “providenciar postos de água colocados a cada 4 ou 5km, nas provas com mais de 10km, ou a intervalos menores, de acordo com as condições climáticas”.
Não há, portanto, definição pétrea de intervalo, mas sim um chamado ao bom senso. Em uma recente e bem organizada corrida noturna em que participei, no Rio, havia postos a cada dois quilômetros no percurso de 7,5 km. Pela minha experiência sofrida, o trajeto mineiro comportaria pelos menos quatro postos bem fornidos de água gelada.
Na primeira estação, pelo menos, o líquido estava em ótima temperatura, e foi um bálsamo para mim. Pude até acelerar um pouco e apreciar a paisagem, notando até a entrada de uma das boas atrações turísticas da região, a Minas de Passagem, que oferece um passeio para as entranhas da terra (saiba mais AQUI).
O visitante percorre túneis onde até meados do século passado se escavava em busca de ouro. É curioso, instrutivo e, para alguns, terreno de diversão aventureira: a maior parte da mina está alagada pelo lençol freático, e o soturno lago serve para passeios em que podem participar apenas mergulhadores experimentados.
Cá pela superfície, nem minha experiência em longas carreiras ajudava a enfrentar o calor. Com a boca seca, e a saliva já transformada em grumos branquicentos sobre os lábios, reclamava para mim mesmo da equivocada distribuição dos postos de hidratação, enquanto via, esperançoso, se aproximar o bendito km 9.
Maldito, sim, é o que ele foi. Pouco depois da placa que informava a distância, vi dois tanques azuis de plástico, e estranhei não haver ninguém em volta deles, oferecendo os benfazejos copinhos.
Chegando mais perto, percebi que as duas garotas que provavelmente haviam feito esse trabalho se afastavam do local, buscando a proteção de uma sombra próxima. Foi quando vi que um dos recipientes havia virado lixão em que foram jogados restos de caixas –provavelmente, as que traziam os copinhos. O outro estava vazio, com uma poça de água suja, talvez sinais de gelo derretido.
Reclamei para as moças, que responderam qualquer coisa, a legando que a organização tinha sido avisada, mas não providenciara reposição.
Cheio de raiva, tive vontade de parar, esperar o ônibus-prego (no caso, van-prego), mas a irritação e a revolta me fizeram prosseguir. Na saída da passarela para pedestres em que circulávamos então (acho que parte de um parque), havia policiais, para quem também reclamei e pedi que avisassem aos organizadores. Nada.
Enfim entrei na área urbana de Mariana e, algumas dezenas de metros depois do km 10, encontrei um salvador posto de gasolina, com uma mais salvadora ainda loja de conveniência, que tinha geladeiras repletas de líquidos muito mais salvadores e gelados. Outros corredores já haviam chegado antes de mim, como um trio de moças que também expressou sua revolta contra a lamentável falha da organização.
Trocamos algumas palavras lamentando o ocorrido e lembrando que a falha ocorreu apesar do apoio à prova dado pelas prefeituras de Ouro preto e Mariana e dos preços da inscrição (de R$ 60 a R$ 100, dependendo da época; só na última e mais cara maiores de 60 anos poderiam comprar com o desconto garantido por lei, o que me parece uma maneira ardilosa de fazer os mais velhos pagarem quase o mesmo valor do preço cheio inicial).
Àquelas alturas, só me restava tentar chegar. Combinando trotes curtos e caminhadas mais prolongadas, fui carregando meu corpo cansado pelo piso agora totalmente irregular, de seixos rolados. Para piorar as coisas, depois do km 12 (sim, a prova seguia ainda um pouco além), havia uma descida do cão, íngreme e traiçoeira, que consegui driblar sem ir ao chão.
Passei pela monumental igreja principal da cidade e afinal vi o pórtico de chegada. Só então ensaiei um arremedo de corrida para cruzar a linha com os braços erguidos e receber enfim o beijo de minha amada, que tinha caminhado todo o percurso e chegara havia pouquinho.
Descansamos na sombra da praça principal, invadida por brincadeiras de crianças e pelos sons de uma animada bandinha…
Depois seguimos para a estação de ferro, onde tomaríamos o trem de volta a Ouro Preto. No caminho, passamos por uma cavalhada, homenagem à Nossa Senhora de Aparecida; o bloco de cavalos e gente era até bonito de ver, mas foi seguido por uma estridente carreata em que um carro de som gritava músicas religiosas num volume que espantaria o crente mais piegas…
Entre mortos e feridos, salvamo-nos todos (nem todos: depois fiquei sabendo que, a milhares de quilômetros dali, em uma corrida no Mato Grosso do Sul, um atleta morreu pouco antes de chegar ao fim da prova –saiba mais aqui mesmo neste blog, rolando a página depois de terminar este texto).
Agora é catar os cavacos que sobraram e preparar o corpo para outra. Para provas organizadas pelo pessoal que fez essa corrida em Ouro Preto, porém, não volto mais.
Na Maratona Internacional de São Paulo não foi diferente. Falta de respeito com os esportista! O que fazer?
Senhores,
Pode até não ter sido tão bem organizada como deveria pela pompa que as cidades merecem, mas, Décio Animal, pode contar comigo, prestigiarei todas as caminhadas de agora pra frente. As críticas só nos fazem crescer e amadurecer e tenho ceterza que os próximos eventos serão maiores e melhores. Mariana e Ouro Preto merecem o apoio de todos, para que enventos como esse, não caiam no esquecemento das pessoas.
Humberto Novaes Feitosa.
E foi a 2ª edição dessa corrida. Não sei como foi a primeira, mas pelo jeito não aprenderam nada. Esse é o risco de se participar de uma corrida no interior, não há como saber como é a organização de uma prova dessas, muitas vezes são feitas por paraquedistas.
Aliás o nome da empresa que “organizou” a corrida é DGS CONSULTORIA e PROMOÇÃO de EVENTOS ESPORTIVOS Ltda., com a ajuda(?) da Prefeitura de Ouro Preto e Mariana, da Associação Marianense de Atletismo (AMA) e da Federação Mineira de Atletismo (FMA).
É bom guardar esse nome. É cilada Bino!
Sou ouropretano e corredor de rua e fico envergonhado com tal situação. Um evento que poderia se tornar uma grande atração esportiva se transforma em total desorganização e descaso.
Onde estão as secretarias de esportes dos dois municípios que não se preocuparam em fornecer água para corredores que pagaram tão caro para uma corrida de rua?
Imagem das duas cidades arranhadas por falta de organização, que dureza.
Olá. Aleijadinho nasceu em 1730 e faleceu em 1814, portando estamos no bicentenário de sua morte. Falou?
Lamentável. Ao que me consta dois corredores passarem mal, um (de Mariana) ainda está internado.
Salve Rodolfo !!!
Se você divulgar quem organizou esta corrida , nos ajudará a não cair em conto do vigário!!
Parabéns por sua “aventura seca”… Abraços !
Mauro, pode ficar tranquilo, eles só “organizam” esta prova.
Ainda mexi com o Rodolfo na entrega de kits, disse para ele escrever coisas boas sobre a região, pois moro em Mariana. Mas infelizmente ele está correto, a organização falhou muito. Espero que para o próximo ano as coisas melhorem.