Recorde mundial e interplanetário na lagoa Rodrigo de Freitas
06/10/14 15:15“Parem as máquinas!”, gritaria o suado chefe de redação, fedendo a cigarro e com um leve bafo etílico, mandando suspender a rodagem do dia seguinte para incluir a notícia chegada de última hora, depois do fechamento do jornal.
“Cesse tudo que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta”, responderia o poeta já cego de um olho pelo flamejar da reverberante e estrombólica conquista.
Seja qual for a reação do vivente ouvinte ou espectador, o fato é o mesmo, esplendoroso e relampejante: na Corrida das Torcidas, realizada no Rio de Janeiro na noite do último sábado de setembro, fui o mais rápido, o mais veloz, o torcedor do Grêmio recordista mundial e interplanetário na volta de 7,5 km em torno da bela lagoa Rodrigo de Freitas.
Foi o que constatei ao conferir no dia seguinte, sob o sol, na tela de minha tabuleta eletrônica de antepenúltima geração, os resultados oficiais da dita prova pedestre.
Fiquei satisfeito, “por supuesto”, como diria algum eventual leitor portenho, ainda mais que toda a minha participação não tinha começado muito bem –depois melhoraria.
Quando saiu o anúncio de local e horário da entrega dos kits –vem disseminando essa péssima prática de definir esse só quando a corrida está próxima, talvez porque envolve negociações de patrocínio e eventuais propagandas, sei lá–, fiquei desanima. Tudo seria feito num só dia, exatamente cujo o qual eu não estaria no Rio, mas ainda cá por São Paulo.
Liguei para os organizadores, mandei e-mail, tentei me comunicar com eles de alguma forma e, para minha surpresa, a resposta veio logo. Animadora, mas não efetiva: me diziam que iriam resolver o caso, mas não diziam como nem quando. Um dia antes de eu viajar para o Rio, já imaginando que iria na pipoca apesar de ter regularmente pago a inscrição, os organizadores me dizem como, quando e por quê. Beleza.
Terei número no peito e chip amarado ao cadarço do tênis, mas não sei se conseguirei correr. Recorrentes dores nas costas e uma potente inflamação no pé esquerdo, para não falar de outros perrengues, são constante ameaça para este seu blogueiro corredor.
Vamo que vamo. Coloco no tênis uma palmilha especial, prendo com esparadrapo o segundo e o terceiro dedos e já lá estou na linha da largada, na escuridão das oito da noite, iluminada por intermitentes luzes de rua e faróis especiais colocados no pórtico de largada, que mais me deixam tonto do que permitem ver meu entorno.
É uma multidão acotovelada por algumas dezenas de metros numa estreita faixa de asfalto –a pista de bicicleta e caminhada na volta da lagoa. Por certo, é uma temeridade fazer uma corrida ali, penso comigo mesmo, já calculando que, no máximo, conseguirei caminhar rápido pelo engarrafamento humano.
Na largada, é assim mesmo que acontece (foto Divulgação). Saímos todos em marcha lenta, tentando não bater no cara da frente nem ser atropelado pelos detrás. Depois de uns cem metros, o risco é outro: ser jogado para o lado e cair numa redezinha protetora que parece cheia de pontas e fios soltos, prontinha para espetar o infeliz que escorregar.
Nada de mal acontece. Parece que correr acalma os ânimos de todos. Quase todos, pois alguns descem da calçada e se arriscam pela rua para tentar ganhar uma frente de poucos metros. Guardinhas motorizados, protetores, alertam para o perigo e instam os apressados a que voltem para a estreiteza da pista para gente.
Enquanto presto atenção nos que vão pela rua, esqueço de olhar o piso, tropico e não dá outra: CHÃO! Primeiro tombo explícito de minha carreira de corredor –que, se não é a mais longa do mundo, também não é a mais ínfima do planeta—em plena Cidade Maravilhosa. Me estatelo de prancha, mas o joelho esquerdo velho de guerra chegou antes ao solo, protegendo o resto do conjunto com maestria (na foto, a situação da rótula uma semana depois do fato).
Em segundos estou de volta sobre duas pernas, mas o primeiro quilômetro está perdido: vou completá-lo em quase oito minutos. Os dois que se seguem são um pouco melhores, mas o trânsito humano ainda está pesado, e não consigo desenvolver a contento todo o meu “enorme” potencial de velocidade.
Passada metade da prova, já não há engarrafamento, mas há dores. Há que conviver com elas: talvez forçar um pouco o ritmo ajude, penso eu com aquele raciocínio de jegue que me caracteriza. Com galhardia, faço um quilômetro em cerca de seis minutos, o que já é praticamente voo solo para os meus padrões.
Que beleza. Passa o km 5, penso em aliviar até o seis para retomar depois, daí mudo de ideia. Não tem tu vai tu mesmo, digo-me, e lá me vou! Estou bem hidratado, pois havia água em penca no percurso, e não temo outros acidentes no trajeto –os locais mais perigosos também foram assinalados por pessoas da organização portando o que parecia ser sabres de luz.
Nos metros finais, corro como se não houvesse amanhã e completo a volta de 7,5 km (7.430 m no meu GPS) em 48min35. Fico satisfeito, mas a alegria maior vem quando, no dia seguinte, nas areias de Copacabana, confiro os resultados oficiais.
Ainda meio tonto das peripécias da noite de sábado e com a leitura prejudicada pela luz sobre a tela de minha tabuleta digital, descubro: há flamenguistas, vascaínos, fluminensistas e banguenses na minha frente, até um cruzeirense e torcedores de outros times que nunca foram campeões do mundo, mas gremista, gremista mesmo, torcedor do Grêmio que diz o nome e corre de camiseta, nenhum, none, nihil na minha frente…
E nem depois, para dizer a verdade.
Não importa. O fato é que, para todo o sempre, sou e serei o primeiro torcedor do Grêmio recordista nacional, mundial e interplanetário na Corrida das Torcidas, Volta da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Tragam já a coroa de louros! Toquem as fanfarras! Cantem loas! Eu que nunca fui campeão de nada, apenas tantas vezes reles, tantas vezes vil, ridículo, absurdo, com os pés enrolado publicamente nos tapetes das etiquetas (quem primeiro disse tudo isso foi Fernando Pessoa, para que fique claro), agora sou recordista mundial e interplanetário.
É nóis!
Mas alto lá! Antes de escrever esta peça, volto ainda mais uma vez aos registros para me felicitar novamente pelo desempenho. Vagarosamente passo os olhos pelo registro, sem o sol de Copacabana, sem tela ofuscada e ofuscante. Então me dou conta: houve, sim, um torcedor do Grêmio mais rápido, veloz e recordista interplanetário na Corrida das Torcidas da noite do último sábado de setembro de 2014. Mas não fui eu.
Toquem as fanfarras! Tragam a coroa de louros! Cantem loas a Luiz Peixoto, um jovem de 32 anos que completou a volta noturna em 40min25. Torce pelo Grêmio e como gremista se registrou na prova.
Eu, que aqui fico, sou apenas vice-recordista gremista nacional mundial e interplanetário. Pode não ser lá essas coisas, mas é melhor do que nada, né?