Campeã da primeira maratona olímpica feminina corre em busca de histórias
06/08/14 10:01O que é mais difícil, correr uma maratona ou entrevistar a campeã da primeira maratona olímpica 30 anos depois de a prova ter sido realizada? É uma pergunta retórica, você não precisa responder, mas o fato é que eu penei para trazer para você esta entrevista.
Não porque a norte-americana Joan Benoit-Samuelson seja um dragão furioso e mal-humorado. Ao contrário, a elétrica corredora, hoje ostentando elegantes cabelos prateados, é de uma enorme simpatia. O problema é que ela não para: aos 57 anos, completados nos último dia 16 de maio, continua correndo em altíssimo nível. Além das corridas, cumpre uma apertada agenda de palestras e aparições públicas, participação em eventos e atividades domésticas.
Mesmo assim, tive a satisfação de ser incluído na lista de seus afazeres no dia 21 de julho passado. Teria 30 minutos para a entrevista por telefone, que uma série de desacertos acabou por reduzir para 15 minutos de teleconferência. Depois de a assessora de imprensa fazer as apresentações na teleconferência, terminou dizendo que me restavam 13 minutos e meio.
Fiz o possível. Espero que você goste.
Antes de começar a leitura, porém, vamos relembrar um pouco a trajetória da campeã da primeira maratona olímpica feminina, realizada nos Jogos de Los Angeles no dia 5 de julho de 1984 (foto no alto).
Joan Benoit Samuelson começou a correr no ginásio em sua cidade natal de Cape Elizabeth, no Maine. Logo foi destaque regional e quando, entrou no Bowdoin College, sua carreira decolou, tornando-se atleta laureada competições nacionais de cross country.
Estreou na maratona em Boston, em 1979, estabelecendo então a melhor marca do percurso e a melhor marca norte-americana na distância. Quatro anos mais tarde, voltou a Boston para cravar a melhor marca do mundo. E, em 1984, foi a primeira campeã e primeira recordista da maratona olímpica feminina.
Ao longo da carreira, lidou com várias lesões, que enfrentou com galhardia. Em 1984, por exemplo, venceu a seletiva olímpica dos EUA apenas 17 dias depois de ter passado por uma artroscopia no joelho. Sua enorme capacidade de recuperação não era exatamente uma novidade: estabeleceu a melhor marca mundial apenas dois anos depois de ter sido submetida a uma cirurgia no tendão de Aquiles.
Mesmo depois de “aposentada” da elite internacional, continuou correndo forte. Em 1983, aos 46 anos, foi a vencedora da meia maratona do Maine. Tem vários recordes na faixa etária; seu pior tempo foi na maratona de Atenas em 2010 (3h02), mas ela ainda tinha o corpo cansado da maratona de Chicago, que correra 21 dias antes.
Bueno, vamos à entrevista (imagens cedidas pela Nike).
Qual a importância de ter surgido a Maratona Olímpica para mulheres?
Bem, eu fui a primeira vencedora da primeira maratona feminina realizada em Jogos Olímpicos, realizada em Los Angeles, no meu território natal, nos Estados Unidos. Foi muito importante para mim participar. Muitos dos assim chamados especialistas na área acreditavam que, se uma mulher corresse mais do 1.500 metros, que era a maior distância permitida em competições, teria prejuízos físicos e nunca mais poderia ter filhos ou competir em outros eventos.
A senhora participou do movimento pela criação da maratona olímpica feminina?
Não, na realidade não. Eu tive a sorte de estar no lugar certo na hora certa. Tivemos diversas pioneiras nessa área que contribuíram para essa virada e tornaram o evento possível. A mulher que tentou correr a maratona de Boston, Roberta Gibb, e Kate [Kathrine] Switzer [primeira mulher a correr na maratona de Boston com registro oficial], e pessoas como Miki Gorman [vencedora das maratonas de Boston e Nova York no finalk dos anos 1970], Jaqueline Hansen, que participou do movimento para convencer o Comitê Olímpico Internacional, e Nina Kuscsik, primeira mulher a correr a maratona de Nova York e a vencer a de Boston. NEntão, houve um conjunto de mulheres que, digamos assim, abriram as comportas…
Kathrine Switzer afirmou que sua vitória mudou o jeito de o mundo pensar sobre as limitações das mulheres…
Eu dou o crédito a Roberta Gibb (Bobby Gibb), porque ela foi realmente a primeira mulher a correr a maratona de Boston. Kathryn correu um ano depois, mas estava no lugar certo na hora certa para que o mundo prestasse atenção, pois foi quando Jock Semple tentou tirá-la do asfalto. O namorado dela veio em seu socorro, e houve aquelas imagens que ficaram famosas… Mas o fato é que Roberta Gibb havia corrido Bostone terminou antes de Kathryn… Então, sendo nativa da Nova Inglaterra e conhecendo Bobby, que na verdade é uma grande artista, escultora e tem vários PhDs… Ela, na verdade, fez o troféu para a seletiva norte-americana para a maratona olímpica feminina, que foi realizada em Olimpia, Washington. Eu me sinto muito privilegiada por ter uma de suas esculturas. Não foi Kathryn sozinha, não foi Bobbi sozinha, foi uma combinação de acontecimentos e um grupo de pessoas que tornaram possível a maratona olímpica feminina.
O que a senhora lembra primeiro quando falam de maratona olímpica feminina?
Eu lembro… A Nike mandou pintar um mural com a minha imagem, em tamanho gigante, em uma das paredes logo fora do Coliseu (em Los Angeles); e lembro de estar correndo uma maratona em San Diego, e alguém me perguntou se eu queria ir ver o mural, era o inverno antes da Olimpíada, e eu falei que não na hora, porque eu não queria provocar a sorte. Se eu visse o mural, imaginei, poderia ficar um tanto impressionada… Mas depois eu decidi ir vê-lo e foi totalmente “uau!”. Depois daquilo eu pensei: aqui há uma empresa que está pondo muita fé em mim e não quero desapontá-la… E então eu tive aquele problema com o joelho, pouco antes da maratona seletiva para a maratona olímpica. Passei por uma cirurgia no joelho apenas duas semanas antes da seletiva e aquela imagem do mural ficou na minha cabeça, ficava pensando sobre ela e foi isso que me ajudou a enfrentar os problemas no joelho… Eu sabia que não havia ninguém treinando tão duro quanto eu, e eu não me importava de treinar forte… Eu era muito apaixonada por correr –e ainda sou, eu jamais imaginaria que, 30 anos depois daquela maratona eu ainda estaria correndo competitivamente, mas estou… É a paixão que tenho por esse esporte que me mantém, e as histórias em que posso participar hoje…
Na maratona olímpica, a senhora viu a chegada de Gabriele Andersen?
Eu não conhecia Gabriele antes da maratona. Depois de vencer a prova, eu saí direto da pista para o teste de dopagem e para as entrevistas. Vários jornalistas perguntaram o que eu pensava da situação dela, e eu disse que sabia que ela era um pouco mais velha e que o fato de ter completado a prova na primeira maratona olímpica feminina era algo realmente especial… Eu não tinha ideia do que tinha acontecido, do problema de desidratação que ela havia enfrentado no final…
Depois da coletiva, alguém me contou o que aconteceu… O importante é que ela foi competente e coerente para recusar ajuda na hora da chegada, porque ela realmente queria completar a primeira maratona olímpica feminina sem auxílio externo –que a teria desclassificado.
Por outro lado, se ela tivesse morrido ou sofrido sequelas por causa de seu estado, eu fico me perguntando se hoje teríamos uma maratona feminina na Olimpíada… Ainda bem que ela conseguiu terminar e logo se recuperar… O resto, como se diz, é história.
Trinta anos depois daquela vitória, a senhora continua correndo forte, quebrando recordes na faixa etária… O que a mantém competitiva? E qual a importância da corrida para a senhora?
Tudo tem a ver com a paixão. Eu gosto de dizer, nas minhas palestras, que, se você não tem paixão, você não tem fogo; e, se você não tem fogo, você não pode inflamar nada. Então é realmente a minha paixão pelo esporte e pela possibilidade que ele me dá de contar histórias…
Por exemplo, em 2008, quando a seletiva para a maratona olímpica foi realizada em Boston, imaginei que aquela seria minha última maratona competitiva e então coloquei um objetivo de correr a prova em menos de 2h50 aos 50 anos… Foi em Boston que corri minha primeira maratona, em 1979. Então pensei: isso é uma história… Eu conquistei o objetivo almejado, de sub2h50. Saí dali satisfeita, pensando que tinha corrido minha última maratona competitiva.
Daí, no ano seguinte, recebi uma ligação de Mary Wittenberg, diretora da maratona de Nova York, me convidando para correr a maratona de Nova York. Era o 40º aniversário da maratona de Nova York e o 25º aniversário de minha primeira presença lá, então pensei: legal, eu vou correr. A imprensa indagava se eu não tinha corrido no ano anterior minha última maratona competitiva… Eu falei que também tinha pensado isso, mas nunca disse o que “competitiva” significa…
Então no ano seguinte houve Chicago, e era 10/10/10, e o 25º aniversário de meu melhor tempo, e pensei, aí há uma história, então corri Chicago… Tudo tem a ver com a história que rola…
Dias depois, naquele mesmo mês, fui a Atenas, era o 2.500º aniversário da Batalha de Maratona. Seria coisa que eu nunca tinha feito antes, nunca tinha corrido duas maratonas no mesmo mês… Mas era o 2500º aniversário da Batalha de Maratona e eu disse a mim mesma que queria estar lá…..
Então, há dois anos, corri a maratona de Boston com minha filha, a primeira vez que corri lado a lado com ela, eu nunca havia imaginado que isso seria possível (foto abaixo). Depois, no ano passado, foi o 30º aniversário de meu melhor tempo em Boston, então tentei correr Boston em no máximo 30 minutos a mais do que meu melhor tempo… Eu tinha de fazer sub2h52, o que eu consegui… E isso passou, foi esquecido, por causa da tragédia que ocorreu.
Neste ano voltei a Boston com meus dois filhos, para celebrar os 30 anos de minha conquista olímpica, nunca tinha imaginado correr uma maratona com meus dois filhos. O objetivo era cada um terminar com uma diferença máxima de 30 minutos do outro, 30 anos depois da minha vitória…. Conseguimos: meu filho correu em 2h50, eu corri em 2h52 e minha filha em 3h15, então deu tudo certo… Para mim, tudo tem a ver com a história que cada maratona carrega, é o que me motiva hoje…
Então, nada de pensar em aposentadoria…
Bem, nunca diga nunca, mas eu diria… Estou procurando pela próxima história… Eu já disse que, quando eu não conseguir mais correr com uma diferença de no máximo uma hora em relação ao recorde mundial masculino da maratona é quando eu vou parar de correr. Mas vamos ver… Eu não quero chegar mancando ou sofrendo, quero correr correndo. Quando eu não puder mais correr de verdade uma maratona, é quando acho que vou parar. E vou ficar aplaudindo da calçada…
Dizer o quê dessa tiazinha…
Fernando, foi Joaquim CRUZ, dias DEPOIS da maratona feminina.
Lembro perfeitamente ela chegando durinha na reta final, fantástico.Dia antes o nosso eterno gigante Joaquim Barbosa ganhou os 800 numa arrancada fantástica na entrada da curva.
Parabéns por nos proporcionar essa reportagem. Valeu !