Torcedores rivais se unem contra a violência policial
30/05/14 07:13As manifestações populares ocorridas em maio e junho do ano passado em Istambul mostraram a ânsia da juventude por democracia e tiveram uma presença inusitada: torcedores fanáticos de times rivais lutaram ombro a ombro ao lado dos manifestantes, enfrentando a polícia. No que parecia impossível, os “ultras”, como são chamados os aguerridos e muitas vezes violentos fãs, fizeram uma aliança, sacramentada por uma foto que correu o mundo.
A imagem também emocionou o cineasta alemão Olli Waldhauer, 39, até então especializados em produzir vídeos institucionais e comerciais. Largou seu sofá e seu conforto em Colônia e voou, com um parceiro, até Istanbul, onde começou a fazer seu primeiro documentário.
É “Istanbul United”, que passa neste sábado em São Paulo durante o Cineffot, festival de cinema especializado em futebol. Entrevistei Waldhauer para o caderno Esporte da Folha, numa conversa bem mais ampla do que o que foi possível publicar na edição impressa do jornal (leia AQUI).
Foram vários e-mails trocados com Waldhauer, que sempre respondeu com simpatia. Esta é a segunda vez que vem ao Brasil, e ainda não teve tempo de assistir a uma partida do Grêmio. Tenho certeza de que a visão da torcida tricolor mudaria para sempre sua visão do que é um fã de futebol.
Brincadeiras à parte, ele contou que assistiu a um jogo entre Fluminense e Vasco, no Maracanã, na sua primeira visita ao país, há cerca de dois meses. Achou a experiência superlegal, ainda que a partida tenha sido uma porcaria. Ossos do ofício.
Enfim, leia a seguir a entrevista.
FOLHA – Quando o senhor decidiu fazer o filme, o que o levou a se interessar pela história?
OLLI WALDHAUER – A ideia surgiu quando vi a imagem de torcedores se reunindo, cada um com a camiseta de seu time, todos sorrindo. Naquele momento eu percebi que alguma coisa muito especial estava acontecendo?
O senhor buscou recursos via internet. Quais foram os resultados?
Fizemos uma campenha de crowfunding (arrecadação de recursos pela internet) no site indiegogo. Crowdfunding é ótimo. Na primeira vez, Farid (codiretor) e eu fomos a Istambul com nossos recursos próprios. Voltamos, fizemos o vídeo básico para a campanha e começamos a arrecadação de US$ 15 mil. Claro que isso não foi suficiente para completar o filme, mas a questão não era essa. O que queríamos era ter um feedback do mundo lá fora. Muita gente ficou entusiasmada com nosso projeto, a resposta foi sensacional. E tudo isso nos fez acreditar ainda mais que estávamos fazendo uma coisa legal, que ficava maior a cada dia e não poderia mais ser interrompida, mesmo se nós fôssemos à falência.
Como foi a produção do filme?
Muita gente quis nos ajudar. Parecia que todos queriam contribuir com alguma coisa, foi uma ótima experiência. Então conseguimos montanhas de material fornecidos pelos participantes das manifestações em Gezi. Já as relações com a TV turca não foram tão fáceis, prefiro não entrar em detalhes a respeito… O encontro com os ultras–chave aconteceu por acidente. Nós encontramos muitos e falamos com muitos, mas, no final, ficamos apenas com Kerem e Chait, que encontramos duas horas depois de termos chegado a Istambul, durante os protestos. Ayhan, o advogado, Cace e Sue vieram depois.
Qual sua visão pessoal da história?
Para mim, é uma história de amor e ódio. Ambos têm uma forte ligação. Ninguém amaria seu time, seu país ou sua religião se fosse a existência de um outro lado que não gostasse de nada daquilo ou, pior, que odiasse tudo aquilo. O ódio vindo “do outro lado” é o que faz com que você fique mais e mais junto com seus companheiros e construa uma unidade mais forte a cada dia. O especial sobre o que aconteceu em Istambul foi que uma parte das três torcidas superou sua rivalidade mútua em nome de um objetivo maior. Foi temporário, mas tenho certeza de que isso foi apenas o começo. Eles vão lutar lado a lado mais frequentemente. Claro que isso não será uma coisa diária nem vai acontecer durante o campeonato, mas vai acontecer em ocasiões especiais.
O senhor acredita que houve uma integração política dos ultras? Ou eles apenas viram mais uma oportunidade para jogar coisas na polícia?
Os ultras são seres humanos, têm opiniões políticas, têm ideais que vão além do futebol. Então por que eles não poderia se solidarizar com os manifestantes? Eles apenas têm mais experiência de enfrentar a opressão e a violência policial. E nem todos os ultras foram apoio os manifestantes de Gezi, assim como nem todos os cidadãos apoiaram o movimento. Os ultras são apenas uma parte da sociedade ligada entre si por seu profundo amor pelo seu time. Então eu acho que ninguém deve dizer que eles foram às ruas apenas para jogar coisas na polícia. Se quiserem,eles podem fazer isso a cada fim de semana, nos estádios. Eles se somaram ao grupo como parte da resistência e para compartilhar sua experiência no enfrentamento à polícia.
Para os manifestantes, qual foi a importância da presença dos ultras?
Os manifestantes pensaram duas coisas. Primeiro: se os ultras podem se unir e superar seus ódios, nós podemos conseguir qualquer coisa; em segundo lugar, os manifestantes se sentiram mais fortes, seguros e protegidos [com a presença e a ação dos ultras]. Foi muito importante.
O senhor acredita que esse tipo de aliança improvável possa acontecer em outros pontos do planeta? E qual seria o inimigo comum?
Sim, eu realmente acredito que isso vai acontecer. Um inimigo comum? Não sei. Mas talvez por justiça social. Ou quando os governos se tornam uma ditadura. Mas isso não pode ser planejado; vai acontecer quando acontecer.
O senhor é torcedor de algum time? E tem amigos torcedores de times rivais?
Torço para o Colônia; mais especificamente o 1.FC Köln. Um dos meus melhores e mais antigos amigos torce pelo time errado. Duas vezes por ano, somos inimigos durante 90 minutos de não podemos assistir juntos aos jogos. Mas isso nunca afetou nossa amizade.
O senhor pretende vir para a Copa?
Espero poder voltar para a Copa e acompanhar alguns jogos nas ruas de São Paulo ou do Rio. Minha única expectativa é assistir a grandes jogos internacionais diariamente durante quatro semanas. Mas não sei quem vai ganhar. Acho que o Brasil tem mais chances de levar a Copa.
PS.: Se você puder, vá assistir a “Istanbul United”. Será neste sábado, às 19h (clique AQUI para mais informações). A programação completa do Cinefoot está AQUI. E o site oficial do filme, com um trailer bem legal, está AQUI.