Vitória de Meb em Boston lembra a de Marílson em Nova York
23/04/14 13:45Por essas inconveniências da vida, acabei não conseguindo assistir ao vivo e em cores à transmissão da maratona de Boston, na manhã de segunda-feira última.
Aliás, estava tão desencanado da possibilidade de ver a transmissão que fui correr logo cedo, dentro dos meus limites. Folgo em contar que, pela primeira vez em cinco meses, corri direto por nove minutos inteirinhos naquele dia. Era o meu recorde até ontem. Hoje, corri 12 minutos completíssimos. Mas as dores, se não voltam com intensidade, aparecem como fantasmas: dobrar o dedo é um problema, algum movimento especial chama o músculo desacostumado e por aí vai.
Perdoe a digressão. Nosso assunto é a maratona de Boston.
Quando vi o resultado, quase não acreditei. Pela primeira vez em mais de 30 anos, um norte-americano vence a maratona de Boston, a mais tradicional do planeta. Tudo bem que o sujeito nasceu na Eritreia, mas sua nacionalidade é estadunidense e pronto: assim venceu a maratona de Nova York, assim conquistou a prata em Atenas-2004. Aliás, Meb Keflezighi é o único terráqueo a ter os títulos de Boston e Nova York mais uma medalha olímpica, o que não é pouca coisa.
Lembre-se de que nem de longe ele estava entre os mais rápidos do pelotão de elite, onde havia oito caras com sub2h06 como melhor marca –a do Meb era 2h09min08.
Por isso, quando vi o que aconteceu, logo me veio à memória a vitória do brasileiro Marílson Gomes dos Santos na maratona de Nova York em 2006. Apesar de famoso e importante o suficiente no plano internacional para ser convidado para a prova, ele era tido como “desconhecido” e nem era citado entre os favoritos para ao menos ficar no pódio.
Pois o brasileiro treinou muito e fez a sua corrida. Conseguiu se manter com o primeiro pelotão até o km 30 e então arrancou em desabalada carreira. Supostamente –pelo menos, é assim que a história é contada–, os outros não deram bola, imaginando que era só uma puxadinha, um estirão que morreria em dois ou três quilômetros.
E olha que entre os outros estava ninguém menos que Paul Tergat…
Quando chegou ao km 35, já tinha quase 40 segundos de vantagem sobre o pelotão perseguidor, que começou a pensar que era hora de depenar aquele frangote. No km 40, a diferença tinha caído para 15 segundos, mas daí já era tarde: Marílson entrou para a história.
Fiz um quadrinho com as passagens, marcando esses pontos, mas acho que ficou um pouco difícil de ler. O original ESTÁ AQUI.
Bom, eu falei que a vitória de Meb lembrava a de Marílson. Teve esta semelhança: um sujeito puxa antes do esperado, abre uma boa diferença e, apesar de não ser o mais rápido do grupo, consegue segurar sua vantagem e vencer a prova.
Se esse é o plano geral, no caso de Meb há muitas especificidades, a começar pela idade: ele está com 38 anos (39 no próximo dia 5). Dennis Kimetto, para citar apenas um dos que o norte-americano deixou pela estrada, completou 30 anos em janeiro. E tem sub2h04 como recorde pessoal…
Pois contra toda essa turma Meb resolveu arriscar cedo, na altura do km 15, coisa jamais vista por este blogueiro. Não vou dizer que nunca aconteceu, mas que é raro, lá isso é.
Antes de continuar, coloco aqui o quadro com as passagens dos três primeiros a cada cinco quilômetros. Espero que estejam boas de ler. Se não, o original está AQUI.
Bom, como você percebe vendo o quadro, ninguém deu bola para a escapada de Meb, que foi acompanhado nos primeiros quilômetros de sua empreitada pelo colega norte-americano naturalizado Josphat Boit (nascido no Quênia). Os dois cruzaram a meia maratona em 1h04min21, cerca de 30 segundos à frente do pelotão perseguidor.
E ninguém, no segundo grupo, fazia nada. Uma reportagem de um site especializado afirma que os demais americanos, que corriam no pelotão, fizeram corpo mole para segurar os africanos. Ou seja, os americanos decidiram não tentar puxar para não despertar a ira dos mais rápidos.
Enquanto isso, Meb abria cada vez mais, deixando para trás Boit, que ficava como um colchão entre o líder e o pelotão. Para encurtar a história, a diferença chegou a 1min21 no km 30 e nem assim os africanos, muito mais rápidos, ligaram as turbinas.
Apertaram um pouco; mesmo assim a diferença no km 35 era de mais de 50 segundos. Algumas reportagens que vi citam quenianos perseguidores dizendo que imaginavam que ele já teria fraquejado naquela altura e seria então presa fácil.
Mas, quando passaram o km 35, os perseguidores não viram nem sinal do líder isolado. Só então decidiram correr. Evidenciando a maior velocidade dos perseguidores, em cinco quilômetros reduziram para 8s a diferença, que era de 51s.
Mas o esforço cobrou seu preço e não conseguiram alcançar Meb, que voltou a aumentar a diferença, fechando com 11s de vantagem sobre Wilson Chebet.
Palmas a Meb, que mostrou coragem, determinação e resistência. E ainda uma enorme capacidade de resumir a situação, mesmo depois de tanmto suor: “Esta é provavelmente a mais significativa vitória de um norte-americano por causa do que aconteceu no ano passado”, disse ele, se referindo ao atentado que provocou três mortes e dezenas de feridos. E continuou, falando sobre si mesmo: “Estou com 39 anos [de fato, “quase” 39]. Acabei de cravar o melhor tempo de minha carreira. Acabei de vencer a maratona de Boston. Eu me sinto abençoado”.
Com todo o direito que seus pulmões, pernas e cérebro lhe dão. Quanto aos perseguidores, fizeram uma “corrida estúpida”, como definiu um site especializado. Se tivessem atacado no km 30, provavelmente teriam pelo menso chegado bem mais perto. Ou não, vai saber.
Pela minha curta experiência de observador à distância de grandes provas internacionais, o comportamento do grupo perseguidor em Boston foi realmente incomum.
Não sei a que atribuí-lo.
Há a tal explicação do jogo de equipe dos americanos, que já citei, mas me parece pouco consistente. Os quenianos e etíopes costumam fazer a corrida deles. Não conheço nenhum que se sinta confortável deixando alguém escapar sem tentar dar o troco.
Enfim, foi o que aconteceu.
Fica ainda o registro: antes da corrida, avaliação do site Letsrun.com afirmava que as chances de vitória de Meb estavam entre 0,005% e 3,7%.
Donde se conclui que … nada. Quem sabe eu (ou o Meb) deva jogar na Mega-sena.
Mudando de assunto, mas ainda em Boston, vale o registro da boa participação da brasileira Adriana Aparecida da Silva, que vinha combatendo lesões e dores e fez uma prova maiúscula. Completou em 2h31min18, o que lhe valeu o 16º posto entre as mulheres, 111º na classificação geral.
Acho que esta sua dor é psicologica. Vamos para a Maratona de Porto Alegre conferir. Bora.