Manhã de decepções na maratona de Londres
13/04/14 08:59A prova foi linda, com recorde de participação – mais de 36 mil inscritos – e belas disputas pela vitória tanto no masculino quanto no feminino. Mas os resultados decepcionaram, e os nomes que eram tidos com destaques certos ficaram muito aquém do esperado.
A primeira decepção aconteceu logo depois do km 15 da prova masculina, quando o mais sofisticado coelho de todos os tempos abandonou a prova. O multirrecordista mundial Haile Gebrselassie não conseguiu cumprir o prometido, que era levar o primeiro pelo a passara a meia maratona em 1h01min45, o que daria grandes chances de novo recorde mundial.
Ao contrário. Talvez entusiasmado por voltar a uma grande maratona depois de um período de declínio, Haile parece ter se entusiasmado demais com sua função de coelho e provocou um início alucinante. Basta dizer que nada menos de 11 corredores (aí incluídos três marcadores de ritmo) passaram o km 5 com previsão de quebra de recorde.
Quebra é pouco: destruição, esmigalhamento. Se mantivesse o ritmo, chegariam ao final em 2h01min04, com mais de um minuto de vantagem sobre o recorde mundial. Claro que alguma coisa estava errada.
A passagem do km 10 foi mais conservadora, mas ainda com previsão de recorde mundial. A partir daí, desandou. Haile aguentou mais cinco quilômetros e alguma coisa e caiu fora. O etíope Tsegaye Kebede, que defendia o título, assumiu o posto em um gordo pelotão de oito corredores, onde estava também o recordista mundial, o queniano Wilson Kipsang.
Enquanto isso, os brasileiros Marílson Gomes dos Santos e Paulo Roberto de Almeida Paula também faziam boa prova, ainda que com as mesmas oscilações de ritmo do pessoal lá da frente. Marílson já passou o km 15 em ritmo pior do que o previsto por seu treinador, mas ainda estava no jogo, enquanto Paulo Roberto corria solto mais à frente, com perspectiva de melhorar sua marca pessoal.
O km 25 foi a última marca que ainda viu Marílson entre os 20 primeiros; Paulo Roberto, naquele ponto, estava no 14º posto. No momento em que escrevo, 20 minutos depois da chegada do primeiro colocado, nenhum deles apareceu ainda na lista dos concluintes…
O campeão foi Wilson Kipsang. Ele e seu compatriota Stanley Biwott, campeão da maratona de São Paulo de 2010, se livraram de Kebede depois do km 30 e já passaram juntos a marca do km 35. Kipsang ainda aguentou a disputa até o km 40 e aí disse tchau para o compatriota.
Fechou em 2h04min29, o que não é grande coisa para ele, mas é suficiente para garantir o bônus de US$ 100 mil por ser abaixo de 2h05 e mais US$ 25 mil por quebrar o recorde do percurso, que era de 2h04min40. O prêmio pela vitória foi de US$ 55 mil.
Melhor que nada, não é?
Antes de passar ao feminino, é preciso lembrar de outra decepção na prova masculina: a estreia do britânico Mo Farah na maratona, tão incensada por seus compatriotas, ficou a anos-luz do que era esperado. Ainda que tenha feito uma prova bacana, com avanço progressivo e demonstração de alguma resistência, não chegou nem perto dos primeiros colocados nem sequer bateu o recorde nacional, coisa que era dada como favas contadas.
Pois é, a maratona tem dessas coisas…
A prova feminina também decepcionou em termos de tempo, pois ninguém baixou de 2h20, muito menos ameaçou o recorde da prova ou a melhor marca conseguida em corrida exclusivamente feminina. Mas foi muito bacana e teve alguns sinais promissores quanto ao futuro da maratona das mulheres.
O mais importante foi a belíssima estreia da etíope Tirunesh Dibaba na distância. Correu sempre no primeiro pelotão e, enquanto nomões iam caindo fora, ela se manteve na cola das líderes. Com três recordes mundiais, cinco títulos mundiais e cinco medalhas olímpicas, todos em pista, Dibaba chegou bem treinada à maratona, que considerava “um pouco assustadora”.
Mas não demonstrou medo nenhum. Sua corrida pelo título foi prejudicada por uma péssima passagem em um posto de hidratação, em que deixou cair a garrafa e perdeu o contato mais próximo com as líderes. Nunca mais o retomou, enquanto as ponteiras seguiram firmes.
Entre elas já não estava Priscah Jetptoo, outra decepção. Ficaram a baixinha e veloz Edna Kiplagat e a mais pernalta Florence Kiplagat, bivice em Londres… As duas foram coladas até algumas centenas de metros antes da chegada, quando Florence atacou e levou o troco de Edna, que parecei dizer “Vice nunca mais!”. Terminou em 2h20min21, o que lhe valeu um bônus de US$ 50 mil. Mas ficou longe de bater o recorde da prova, 2h17min42, o que lhe valeria um extra de US$ 25 mil.
Termino voltando aos brasileiros, que não apareceram na elite no final da prova.
A assessoria de Marílson distribuiu nota informando que ele abandonou na metade da prova, que passou em 1h04min21. Sentiu dores musuculares, segundo o comunicado, que lembra que o atleta tinha sofrido uma virose durante sua preparação para Londres.
De Paulo Roberto ainda não tenho notícias, mas ele foi muito forte até o km 10, o que deve ter provocado consequências danosas.
Maratona abaixo de 2h 5min e recorde do percurso não pode ser classificada de decepcionante, mas concordo que se tinha esperança de recorde mundial. Decepcionante sim foi a performance de Haile, que não fez o contratado; mas melhor desistir que deixar cair o ritmo (que não estava tão errado assim).