Chão de terra e sombra gostosa dão o tom no Tietê
11/01/14 13:47Gente, falta pouco! Amanhã termino meu projeto de percorrer 460 km por São Paulo. Estou com a cabeça a mil e a musculatura em pedaços, nem sei direito como começar a história de hoje. Tenho 12 km de descobertas a relatar, mas a vontade é de falar um pouco sobre os caminhos percorridos até aqui. Como diria o meu amigo Roberto Carlos, “são tantas emoções” que a gente até se afoga nelas.
Talvez o melhor seja abrir meu coração antes de permitir que o repórter se estabeleça em frente ao computador. Passei a tarde de ontem fazendo cálculos, pensando em como gastaria os 19 quilômetros que me restavam (agora são apenas sete quilômetros). Visitei mapas internéticos, tracei percursos, inventei rotas, somei metros. Mal dormi pensando no dia de hoje e, principalmente, no dia de amanhã.
Se deixar as emoções aflorarem como querem, nem chego até amanhã, vou explodir de imaginação, tantas vezes já escrevi na minha cabeça o texto final, repeti aberturas, inventei piadas (que talvez só tenham graça para mim, vamos ver amanhã…).
Sem falar nos quilômetros sem conta rodados em pensamento, nos prédios virtualmente visitados, nas pesquisas sobre nomes de ruas, figuras da história paulistana, eventos da epopeia brasileira .
Sei não, acho melhor parar por aqui. Ontem já passou, amanhã não chegou ainda, eu quero mais é hoje. E hoje me diverti muito no Parque Ecológico do Tietê, na zona leste, no penúltimo dia de minha jornada multiquilométrica em ao próximo aniversário da cidade.
Já visitei o parque algumas vezes, todas elas por alguma razão vinculada à corrida: fiz treinos de 20 km por lá e disputei algumas provas de 10 km. Nessas ocasiões, meu percurso foi certinho, predeterminado. Rodei pelo parque, percorri rotas menos visitadas pelo público, mas não cheguei a conhecer suas trilhas, seus caminhos mais intestinos.
Hoje, não. Apesar de haver mapas com informações sobre algumas das principais trilhas, simplesmente peguei o primeiro caminho com mato que me apareceu à frente e passei a seguir meu nariz.
Chãozinho batido, sobrinha gostosa, até mesmo uma brisa fresquinha enquanto o sol não se estabelecia completamente: tudo isso me fazia sofrer. Tal combinação é um chamariz irrecusável para a corrida, e meu corpo queria correr. Gente, que vontade!!!
Quem sabe 200 metrinhos?, me dizia eu. E o joelho?, me respondia eu. Vai detonar, com certeza, me advertia eu, lembrando experiências recentes. Mas tá tão bom, me pedia eu até que eu mesmo me disse, tal pai, patrão, médico e professor: já caminhei fiquei mais de cem horas caminhando, percorri mais de 400 quilômetros a passo, tudo para proteger essa tíbia fraturada, e vou arriscar tudo numa corridinha curtinha só para experimentar?
Sai prá lá, me disse eu mesmo para mim próprio. E vamo que vamo, que caminhar é o que eu posso agora e caminhar é o que vou fazer, aproveitando o que der e o que me for possível. Amanhã tem mais e, depois, vou deixar as pernas de molho, ficar dois meses sem exercícios e um dia voltar a correr.
Mas isso é depois, mais tarde; agora é já. Neste momento, me entrego aos caminhos do parque e vou adorando tudo. Os caminhos estão limpos, há lixeiras, e o pessoal da segurança aparece de vez em quando, de moto, bicicleta ou carro.
O melhor é a sombra ou seria o cheiro de mato? Que tal a visão do lago? Ele não é azul nem verde como as águas que aparecem em filmes, mas é um aguão simpático, cheio de reflexos, que também alivia os olhos e a mente, tão acostumados a asfalto e prédios sem fim.
Como já tive oportunidade de comentar neste espaço, meu nariz nem sempre é bom conselheiro. Ao segui-lo, às vezes me dou conta que entro em caminhos sem volta ou com retorno complicado. Foi o que aconteceu hoje: apesar de haver um caminho principal, o nariz às vezes apontava para percursos secundários e eu o ia acompanhando.
Em consequência, segui uma direção por mais quilômetros do que pretendia; se eu fosse até o fim daquele caminho, fazendo a volta natural, bordejando a rodovia, Ayrton Senna, mataria de uma vez quase todos os quilômetros do dia. Achei melhor voltar sobre meus próprios passos, tomando de vez em quando caminhos secundários.
Foi num deles que vi a primeira e única paca do dia. Também encontrei m eu primeiro quati, mas desses há de monte no parque –mais tarde descobri vários dos primos daquele animalzinho… A paca fugiu para o mato, o quati serelepe subiu árvore acima, e eu me embrenhei em outra trilha secundária…
Essa talvez tenha sido minha melhor descoberta no dia de hoje: o parque Ecológico do Tietê não tem apenas “a volta de 5”, como a gente chamava o percurso de 5 km, quase todo com sol no lombo, que percorríamos em longas e suarentas sessões de treino. Dá para inventar caminhos, somar trilhas e trilhos, conquistar sombras.
Eu diria que, para corredores que tenham carro, uma visita semanal ao parque dá saúde e alegria. Saindo cedo, para chegar lá antes das sete, não há muito trânsito no caminho nem dificuldade para encontrar lugar para estacionar. Em duas horas de corrida, dá para queimar uns 18 km, 20 km numa boa, sem muito esforço –gente mais rápida, é claro, faz mais—e sem ficar repetindo caminho.
Falei de “corredores que tenham carro” porque não sei qual é o tamanho da complicação e do tempo investido para chegar lá usando transporte público. Dá para ir de trem, de ônibus ou de metrô e ônibus, segundo informa ESTE SITE AQUI. Bueno, de qualquer forma, acho que vale a pena. Ah, e também vale a pena passear um pouco por esse site que eu acabei de indicar, pois ele tem muita informação sobre o parque.
Os caminhos que descrevi até agora ficam do lado direito do parque, se você está de costas para a rodovia Ayrton Senna. É a parte mais selvagem da área, digamos assim. Do lado esquerdo, há todo um mundo diferente, superaproveitado por famílias nos finais de semana.
Quando saí, terminando minha jornada, elas estavam chegando em hordas, com filhos de todos os tamanhos, carrinhos de bebê, caixas de isopor, bolas de futebol e muita vontade de se divertir ao sol, ao ar livre.
Há espaço para todos. O visitante pode alugar pedalinhos em forma de cisne para passear pelo lago, que é bonito, mas um tanto fedorento –de qualquer jeito, vale a diversão. Há também aluguel de bicicletas, além de um monte de quadras esportivas e campos de futebol.
Alguns deles, mais para o fundão do parque, parecem abandonadass, com grama alta tomando conta do quadrilátero verde, como diziam os antigados locutores de programas esportivos. Apesar disso, em frente ao gol a terra é seca, confirmando o dito popular sobre a desgraça do goleiro: onde ele joga nem grama nasce.
Antes que alguém venha me corrigir, busco ajuda na sabedoria internética e descubro que a frase original é assim: “Desgraçado é o goleiro, até onde ele pisa não nasce grama” , e não é do povo, mas do jornalista, publicitário, humorista e radialista José Martins de Araújo Júnior (1924-1965), também conhecido como Don Rossé Cavaca.
Donde se conclui que percorrer 460 km por São Paulo também é cultura, porque a vida inteira repeti essa frase como fruto da sabedoria do povo (ou, no máximo, de seu representante mais filosófico, o falecido mas jamais esquecido Neném Prancha) e provavelmente a continuaria repetindo não fosse o terreno careca no gramado crescido em um dos campos de futebol do Parque Ecológico do Tietê…
Além dos campos, há um conjunto de desportos aquáticos de bom tamanho (pelo menos, pelo que pude ver de fora). Para frequentá-lo, porém, é preciso ter carteirinha e fazer exame médico, além de outros requisitos. Espero que o pessoal da região aproveite bastante (se eu morasse por ali, não sairia daquela água…).
Fiz toda essa vistoria e voltei para o caminho do lago, passando por banheiros, lanchonetes e montes de barraquinhas de comida que começavam a ser montadas. O que me interessava, porém, estava na estrada: os tais quatis. De longe, vi uma capivara gordamente se rebolando para dentro do mato. Apertei o passo para ver se a conseguia fotografar, mas já era. Os quatis, em contrapartida, pululavam por ali: quando eu ligava o celular, eles desapareciam.
Até que surgiu uma senhora carregada de filhos e saco linhas de lanche. Com por encanto, a bicharada saiu de seu esconderijo, veio à grama desprotegida e depois ao asfalto. Logo um ciclista avisou a moça que devia proteger seus pertences, pois os bichos cheiravam a comida e atacavam mesmo bolsas e sacolas à vista. De qualquer forma, consegui fotografar alguns e até FAZER UM VÍDEO (clique para vê-lo).
Feliz da vida, arranquei pelo parque à procura de mais trilhas. E encontrei. Há caminhos que, apesar de estarem, bem perto das alamedas principais, são cortados pela mata densa, com chão mais foto, terra preta, muitas folhas no piso e sombra eterna. Uma delícia.
Em algumas, a gente pode ver a ilha dos Macacos, que é cheia dos animaizinhos, além de outros exemplares da fauna… De outras, podemos ver o rio Tietê. Dá até uma dor no coração, vê-lo assim, tão ralinho, feioso, sujo e fedido. O Tietê é um portento (saiba mais AQUI) e merecia ser mais bem tratado pelos governos; na cidade, há planos mirabolantes para sua recuperação e devolução aos cidadãos, como você pode ver NESTA REPORTAGEM AQUI. Tomara que isso um dia saia do papel… (AQUI há mais detalhes)
Calma, Rodolfo. Voltemos ao prazer das trilhas. Na sombra, na paz, deixei meus pensamentos voltarem para este projeto. Eu caminhei todos esses quilômetros devidamente registrados, mas não teria chegado até aqui sem o apoio e a colaboração de um monte de gente, a começar pela direção da Folha, que acolheu minha proposta. No jornal, o projeto recebeu tratamento carinhoso e apresentação luxuosa na revista “sãopaulo”, além de precioso espaço no caderno “Cotidiano”.
Todos os dias, motoristas do jornal chegaram à minha porta de madrugada para me levar aos mais inusitados destinos. Agradeço a cada um deles, tomando como seu mais lídimo representante o pernambucano Valdevan Correa da Silva, ninja do volante, que me acompanhou na maio parte da jornada (saiba mais sobre ele NESTE VÍDEO AQUI).
Meus convidados foram sensacionais. Você precisava ver a reação de alguns quando, nas conversas de pré-produção, há mais de dois meses, falava que iria correr 460 km e queria que corressem um pedaço disso comigo… Na hora, foi quase tudo caminhado, e as conversas todas muito interessantes (pelo menos, eu achei; espero que você tenha gostado).
O joelho direito, claro, não foi nem um pouco sensacional. Uma fratura por estresse na cabeça da tíbia, no terceiro dia do percurso, depois de uma corrida (corrida mesmo!!!) de 20 km na avenida Sapopemba, me transformou em caminhante. Foi um aprendizado, para dizer o mínimo.
E vou parando por aqui, porque este é apenas o texto da véspera do final, somente um pré-balanço. Repito, porem, o que disse logo ao abrir a história de hoje: foram muitas emoções. Então, antes de partir, abro AQUI um cantinho para ouvir o próprio Roberto Carlos dar o recado a respeito dessas coisas do coração.
E eu me despeço, lembrando que amanhã tem mais. Vamo que vamo!
DIA 39 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia
QUILOMETRAGEM DO DIA: 12 km
TEMPO DO DIA: 2h29min21
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 453 km
TEMPO ACUMULADO: 104h58min26
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 7 km
DESTAQUES DO DIA: trilhas e animais do Parque Ecológico do Tietê
Olá Rodolfo,
Até eu estou ansioso para ler o texto final de amanhã(hoje) e conhecer o local escolhido para a caminhada final. Fiquei pensando aqui para tentar avinhar o local escolhido mas conclui que podem ser vários …..
Já antecipo os parabéns pela ideia do projeto, pelas informações que nos trouxe e principalmente pelos textos sempre muito gostosos de ler.
Um grande abraço
Luis Augusto
Vamos lá Rodolfão, parabéns! O Parque Ecologico do Tietê é realmente um lugar subaproveitado… Quem sabe no dia em que os rios estiverem despoluídos possamos fazer uma maratona nas marginais. Congratulações por conhecer, avaliar e tecer amor à nossa cidade escolhida para viver nestes 460km. Depois te recuperamos. Abs
Oi Lucena, hoje cedo fui pedalar lá no parque. Passei por você e falei oi. Eu li sobre sua programação dos 460Km pelos parques da cidade antes de começar, só que na correria não li mais as reportagens no entanto acabei de ler agora essa do Parque Ecológico do Tietê, muito boa. Corro lá de 3 a 4 vezes por semana e infelizmente algumas áreas do parque realmente estão largadas, tem até uma pista de 400metros mas está difícil de fazer tiros lá com o mato tão alto.
Vou ler as outras reportagens sobre os outros parques pois além de conhecer é também interessante como opção para passeio ou treino.
Até mais… abraço