Granito de Guaianases, testemunha da história do planeta
08/01/14 16:36Quando Napoleão invadiu o Egito, no final do século 18, ficou impressionado com as construções realizadas pelos faraós, na Antiguidade. Para sublinhar a importância do momento, disse a seus soldados: “Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam.” Pois no Granito de Guaianases, na zona leste de São Paulo, algum guia turístico ou professor mais entusiasmado pode dizer a seu público atento: “Do alto dessa pedreira, seis milhões de séculos vos contemplam”.
Não estou sendo gaiato não. A formação rochosa que aflora à nossa vista, no local onde foi uma antiga pedreira, tem em torno de 600 milhões de anos, segundo me conta a geóloga Stella Cristina Alves de Souza, 47. Ela trabalha na subprefeitura da região e criou a Visita Técnica a Sítios Geológicos em Guaianases, que apresenta locais do bairro onde ainda é possível ver rochas e aprender um pouco sobre a história da cidade.
O tal Granito é um portento. Trata-se de um paredão que, talvez por causa da exploração da rocha, quebrada para ser vendida como brita, acabou ficando numa formação em anel.
É quase uma superpiscina natural, hoje empregada como parte das obras de combate a enchentes da região. Chamada de Piscinão da Pedreira, é o maior do gênero na capital, com capacidade para 1,5 milhão de metros cúbicos de água, quase cinco vezes a capacidade do segundo maior da cidade, o do Jabaquara.
Hoje, havia trabalhadores no local cuidando da limpeza da área, e o equipamento de bombeamento da água aparentemente estava funcionando. Mas, para mim, o que interessava era saber mais sobre o tal granito.
Por sorte, como você viu na imagem acima, o nível da água estava bem baixo e dava para ver a rocha em toda sua grandiosidade (no olhômetro, calculo que o paredão tenha mais de 60 metros de largura e mais de 20 metros de altura, a partir do nível em que água estava hoje).
“É uma viagem ao centro da terra”, diz Stela, que foi minha convidada/anfitriã na jornada de hoje no meu percurso de 460 km por São Paulo, em homenagem ao próximo aniversário da cidade. Trata-se de uma metáfora, é claro: observando a rocha, podemos imaginar o que ocorreu para que ela se formasse (confira AQUI VÍDEO em que a geóloga dá mais explicações).
O tipo de rocha ali encontrada é o granitoide, e a idade aproximada das rochas está entre 540 milhões e 600 milhões de anos. Ela se formou nas profundezas da crosta terrestre, entre 70 km e 650 km da superfície (o que já seria abaixo da crosta, na região chamada manto). Surgiu a partir da colisão de placas tectônicas, no movimento de encontro das áreas onde hoje são o Brasil e o continente africano.
Stella me explica que “há duas possibilidades para a gênese do granitoide, uma delas é que essas rochas foram formadas a partir de material (magma) proveniente do manto (fonte mantélica) por algum processo que o diferenciou e o tornou da forma como ele se apresenta, provavelmente com contaminação dos materiais da crosta (contaminação crustal), visto na grande quantidade aparente dos minerais quartzo e muscovita (mica). Outra possibilidade é que este material tenha se formado dentro da crosta, com materiais da própria crosta (fonte crustal), por meio de um aquecimento local diferenciado. Somente estudos geológicos mais aprofundados darão a resposta definitiva para esta questão. De qualquer forma é uma rocha de origem em grande profundidade, no mínimo no nível da crosta inferior.”
Na minha ignorância geológica, pensava que a porção terrestre do planeta havia tido apenas dois grande momentos, um em que tudo estava mais ou menos junto, formando um grande continente, e outro em que as placas começaram a se separar até chegarem na condição atual.
Nananina, me diz Stella, mostrando mapas da história geológica da terra. Houve vários movimentos de encontros e separações, abraços e partidas das placas. E cada colisão dessas deixou marcas que chegaram até a superfície do planeta.
Grande parte delas já não está à vista, por causa da obra humana, enchendo a terra de casas, edifícios, concreto e asfalto, ocupando centímetro quadrado por centímetro quadrado, como mostra essa visão da região leste de São Paulo, onde o verde pouco aparece.
O que, na opinião de Stella, aumenta a importância científica, turística e, digamos assim, humana, de preservar os sítios geológicos. O primeiro que visitamos, por sinal, traz indícios de dos momentos geológicos profundamente distintos no tempo e no espaço.
Trata-se do sítio geológico Etelvina, onde se entra passando por um campo de futebol de várzea. “Em menos de duzentos metros, vemos unidades de duas eras muito diferentes”, diz Stella, apontado para pedregulhos que, para mim, não parecem mais do que isso mesmo…
Aos poucos, porém, percebo que há diferenças. Num pequeno monte coberto de terra vermelha, há um veio de pedrinhas coloridas e outras mais achatadas e quebradiças. São as turmalinas, consideradas pedras semipreciosas, e a mica, que os mais antigos talvez conheçam por seu uso como resistência nos ferros de passar roupa.
Devo confessar que eu me lembro. Para trocar a tal resistência, era preciso desatarrachar a chapa do ferro, onde ele ficava encaixada. Quebrada, não servia mais para prover o calor necessário para o ferro poder alisar as roupas.
Esses minerais são encontrados no Complexo Embu. Já eu não encontrei uma definição compreensível do que seja “complexo”; para você ter uma ideia, há um estudo que diz: “ O Complexo Embu foi intrudido em períodos pré-metamórficos por rochas tonalíticas a graníticas de afinidade cálcio-alcalina; e, posteriormente à foliação principal, por maciços sin a tardi-tectônicos constituídos de biotita granitos porfiríticos e muscovita-biotita granitos equigranulares”. Fiquei boiando, mas dá para entender que se trata de um terreno com características específicas.
Outro sítio é a Formação Rezende, que onde é encontrado um terreno argiloso, e se formou na superfície, originada de um processo de sedimentação (êba, isso dá para entender: a partir da erosão de rochas maiores, as partículas vão se depositando em uma área. Isso ocorreu há relativamente pouco tempo, entre 24 milhões e 25 milhões de anos, no processo de separação das placas onde hoje estão Brasil e África, diz Stella (foto acima).
Já as rochas do complexo Embu se formaram a uma profundidade de 20 km a 30 km, durante um processo de colisão das placas tectônicas, há 780 milhões de anos, quando ocorreu a união do que hoje são Brasil e África.
O resultado são o xisto, turmalinita e quartzito na parte superantiga, e a argila na mais modernosa –tudo numa área de uns 200 metros, sem que haja indícios da região de rochas dos períodos intermediários. O que ocorreu para que isso acontecesse não se sabe: a área ainda está para ser estudada em profundidade.
“A ideia da Visita Técnica é mais por dúvidas do que dar respostas”, diz Stella. Ela explica que o conhecimento que existe hoje sobre os sítios é baseado em inferências, em informações obtidas com o estudo de rochas e áreas semelhantes. Não há, até agora, estudos específicos da região.
E a área merece, diz ela, apresentando um outro terreno que demonstra o resultado dos movimentos dos intestinos do planeta. É o sítio Juscelino, aonde chegamos dando a volta em ou outro campo de futebol, este usado para um trabalho de inclusão social com a garotada da região (talvez por ironia, fica em frente a uma unidade da Fundação Casa, antiga Febem, que abriga menores infratores).
Como em muitas áreas abertas da cidade, ali também há lixo, ainda que não muito. Por isso, chamava a atenção a sombrinha abandonada sob o sol…
Não há nada muito marcante nem tão chamativo quanto o Granito de Guaianases. “As áreas que vamos visitar não são muito bonitas”, avisou Stella no início da manhã de hoje, antes de sairmos a conhecer os sítios geológicos.
Podem não ser, mas são curiosas. No sítio Juscelino, há o que ela chama de “mar de dobras” (as partes mais escuras na foto abaixo), que são indicadores cinemáticos, ou seja, marcas do movimento das placas tectônicas. Aliás, eu venho usando essa expressão aqui, mas ninguém é obrigado a saber o que são: “gigantescos blocos que compõem a camada sólida externa do nosso planeta, sustentando os continentes e os oceanos”, segundo explica este SITE AQUI; há mais explicações AQUI.
Não tenho a menor pretensão de transformar este texto numa aula de geologia, mas espero que tenha conseguido, pelo menos, mostrar a importância de preservar áreas que podem funcionar como um museu a céu aberto, na opinião de Stella: “Nós queremos mostrar que a história de Guaianases não começa quando o povoado se formou, mas sim muito tempo antes. É uma forma de a gente conhecer mais o nosso chão”.
Falando na história do bairro, era um território habitado por índios –daí o nome da região. Como no resto do Brasil, já no início do século 19 os primeiros donos da terra tinham sido expulsos ou exterminados, e vicejava a propriedade privada. Havia fazendas e olarias; no século passado, começa a exploração das rochas, com a abertura de pedreiras (AQUI há mais informações sobre Guaianases).
No total, então visitei os três sítios geológicos, que devem virar parques em algum momento no futuro (saiba mais AQUI). Infelizmente, porém, não sei exatamente quanto caminhei na manhã de hoje: logo depois da visita ao primeiro sítio, meu GPS de pulso arriou. Juro que carreguei o bicho ontem, e que as informações na tela diziam que a carga da bateria estava completa. Alguma coisa aconteceu ou eu fiz algo errado e deu no que deu: primeiro, “low battery”; depois, morte total.
Mal sabia ele, porém, que eu tinha um estepe: carreguei meu celular com dois programas de medição de caminhadas e corridas. Usei um deles, que já havia testado anteriormente; foi ele que gerou o segundo e o terceiro mapas aqui apresentados. Para cálculo de distância, porém, não tenho muita confiança: percebi, nos testes anteriores, que ele estava medindo a mais.
Parece estranho, não? Como é que ele faz mapas bons, mas tem medição ruim? O comparativo foi feito com meu GPS de pulso, no qual confio mais. Assim, vou dar um desconto de mais de 30% na distância medida pelo aplicativo: no total, deu mais de três quilômetros nas caminhadas nos três sítios (a gente foi de carro de um a outro local). Vou contar apenas dois quilômetros e estabelecer um tempo total de 60 minutos (ficamos cerca de 20 minutos em cada sítio).
Do ponto de vista estatístico, é o que temos. Amanhã tem mais. Vamo que vamo!
DIA 36 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique nos mapas para conhecer mais detalhes sobre os percursos do dia; a numerália é do total do dia
Aqui é o Sítio Geológico Etelevina
Aqui é o Sítio Geológico Juscelino
Aqui é o Granito de Guaianases
QUILOMETRAGEM DO DIA: 2 km
TEMPO DO DIA: 1h
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 422 km
TEMPO ACUMULADO: 97h27min23
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 38 km
DESTAQUES DO PERCURSO: Granito de Guaianases e outros sítios geológicos do bairro da zona leste de São Paulo
Stella parabéns pela idealização das visitas. Só se preserva o que se conhece. Este é o caminho “desnudar os muitos lugares da Zona Leste”.
Sou funcionário municipal e participei em uma das visitas técnicas realizadas pela geóloga Stella. Fiquei impressionado com detalhes no terreno que não poderia supor tratar-se de movimentos tectônicos. Acredito que lugares assim devam ser preservados e utilizados pelas escolas principalmente, para o enriquecimento e o despertar do conhecimento.
Olá Rodolfo, gostaria de parabenizá-lo pelo trabalho desenvolvido. Sou suspeita em falar, estive na primeira visita técnica que a Stella realizou, nasci em Guaianases e considero a região de grande valor Histórico. Obrigada pelo interesse em divulgar nossos sítios, sendo Estagiária de Adm. Publica na UPPH- Unidade de Preservação do Patrimonio Histórico da Secretaria de Estado da Cultura de SP, estou aprendendo a valorizar ainda mais minha região e ajudar no que eu puder para preservá-la, neste sentido peço sua licença para divulgar esta reportagem. bjs.
Fiz a visita aos 3 sítios e achei super importante ainda poder ver esses afloramentos num local já tão urbano. Parabéns pela iniciativa e pela matéria
Parabêns pela materia, espero que autoridades se mobilizem para a preservação do planeta!!!!!!!!!!!
Rodolfo, realmente esse piscinão é bem bacana. Dá até vontade de nadar…..
Muito boa essa materia. Fico imaginando quantas coisas deve existir em nosso país e nao as conhecemos, nossa dimensão territorial é tão imensa que deve conter varios casos semelhante a esses.
Dia 8 até 25 faltando 38 km, Rodolfo? Sobrou, hein? Vai ficar até difícil dividir esta quilometragem em 17 dias. Se empolgou no meio? Abraços e parabéns.
Vou terminar dia 12, o domingo agora
Sensacional!