Alamedas de cemitério são palco de treino de fotógrafo
07/01/14 14:05Uma piscina gigantesca, quadras poliesportivas, canchas de tênis, pista de corrida com piso de carvão, campos de futebol e de rúgbi –eis apenas alguns dos recursos disponíveis no Parque Esportivo dos Trabalhadores, antigo Ceret, na confluência de Tatuapé, Jardim Anália Franco e Vila Formosa, na zona lesta de São Paulo.
Foi lá que comecei o meu trajeto de hoje, com o fotógrafo-corredor Marcos Viana “Pinguim”, que foi meu convidado/anfitrião neste dia, em mais numa etapa de meu percurso de 460 km em homenagem ao próximo aniversário de São Paulo.
Apesar de ser o “antigo Ceret”, é pelo nome tradicional que o parque é conhecido. A banca de jornais que fica em frente, por exemplo, chama-se Banca Ceret, sigla que significa Centro Educativo Recreativo e Esportivo do Trabalhador. Pelo que entendi, a área era território do Estado; hoje, porém, está sob administração da prefeitura.
Tudo lá é grandioso, começar pela área de entrada principal, que é dominada por uma reprodução do “David”, de Michelangelo, em proporções enormes. O parque, em si, não é gigantesco, mas se sobressai na região –é cerca de três vezes maior, por exemplo, do que o parque do Piqueri.
O mais legal é que essa área toda está ocupada com equipamentos para a prática esportiva –nessa condição, foi o único parque que vi. A pista de corrida é de babar e fica aberta para qualquer um, desde que obedeça a regras básicas de convivência –mais rápidos ficam numa área, mais lentos noutra, e todos rodam no mesmo sentido.
Nascido e criado na Vila Formosa, Viana vai me mostrando o parque, que é cheio de orgulho: sua piscina, por exemplo, é a maior da América Latina, segundo afirma o portal da prefeitura. Por suas alamedas, dá para fazer uma volta de 1.500 m e ainda há outros percursos; há rampas bem pronunciadas, usadas para treinos de força e resistência de corredores que frequentam o PET.
Ficamos pouco tempo por lá, porque nosso destino era o verdadeiro playground e principal centro de treinamento de meu convidado/anfitrião: o cemitério de Vila Formosa. Segundo a prefeitura paulistana, é o maior da América Latina, com cerca de 770 mil metros quadrados –é a quarta maior área verde do município, superado apenas pelos parque Anhanguera, Ibirapuera e do Carmo.
No caminho até lá, passamos por ruas pacatas da zona leste, que têm um jeitinho de cidade do interior. No caminho, Pinguim vai contando um pouco de sua história até virar fotógrafo-corredor. Aliás, eu uso essa expressão porque é isso mesmo que ele faz: corre as provas carregando seu equipamento fotográfico e captura imagens dos corredores, que se transformam em clientes.
Formado em processamento de dados no ano de 1985, desde essa época prestava serviços na área de informática, desenvolvendo programas. Gostava de correr –sua primeira São Silvestre foi em 1981, quando tinha 15 anos—e de apreciar corridas. Era o que fazia na Paulista, São Silvestre de 1994, quando muitos atletas fizeram homenagens a Ayrton Senna, que tinha morrido em um acidente em maio daquele ano.
Pinguim fotografou um grupo, as pessoas pediram que ele mandasse fotos individuais. Cobrou pelo trabalho e percebeu que isso poderia ser uma fonte de renda extra –que, aos pouco, se transformou em sua principal atividade profissional.
Enquanto isso, seguia seus treinos, voltando de quando em vez ao cemitério, que frequentava desde menino. “A gente corria por lá, pulava, empinava pipa, caçava balão…”
Hoje ele continua correndo por lá, buscando as alamedas de chão de terra, as subidas e descidas fortes, como forma de se preparar melhor para sua diversão, que também é seu trabalho –ou seria o contrário?
Pinguim tem um extenso currículo de corredor. Já fez 48 maratonas e seis ultras –provas mais longas que maratona. Seu melhor tempo, carregando o equipamento fotográfico, é de 3h57, na maratona de São Paulo, e o recorde pessoal é de 3h41. Mais impressionante, talvez, é a marca de 5h12, com câmera, nos 50 km da Supermaratona de Nova Friburgo (RJ).
Sobre os treinos no cemitério, ele diz: “Não faço isso porque sou gótico ou qualquer outra coisa, faço porque é prático, fica do lado da minha casa”. Graças a essa preparação, afirma ele, tem resistência para correr e fotografar provas de montanha e corridas em trilha, como tem feito.
E, conforme ele diz, o cemitério, de fato, daria um belo parque. Aliás, um de seus administradores já teve como meta aumentar o uso da área pela população vizinha, segundo registra reportagem publicada na revista Babel – LEIA AQUI, o texto é muito interessante, cheio de informações curiosas sobre o cemitério. Sobre isso, vale também conferir o livro “Metrópole da Morte, Necrópole da Vida”, que aponta usos pouco convencionais do cemitério (saiba mais AQUI).
Na manhã de hoje, vi apenas um sujeito passeando com dois belos cães golden retriever e um corredor que fazia um treinão de ritmo, metendo 15 km no percurso “muro a muro”, como diz Pinguim.
O trajeto preferido do meu anfitrião tem aproximadamente 4 km e é feito quase todo sobre chão batido, um pouco de grama –o piso mais adverso é de paralelepípedo, mas em apena poucas centenas de metros em uma alameda.
Há silêncio e ar gostoso. Há também memórias terríveis –há cerca de três anos, foram descobertas no parque ossadas de corpos que haviam sido enterrados sem identificação. A suspeita era de que se tratava de vítimas da ditadura militar.
Um dos desaparecidos que poderia ter sido enterrado lá, segundo ESTA REPORTAGEM, é “Virgílio Gomes da Silva, líder sindical e veterano da ALN (Ação Libertadora Nacional) que, sob o codinome Jonas, integrou o comando do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969”.
Parentes das vítimas da ditadura chegaram a participar, em 2012, de uma manifestação realizada no próprio cemitério de Vila Formosa (foto Lucas Lima/Folhapress). Mas, até o final daquele ano, pelo menos, nenhum das ossadas havia sido identificada, de acordo com o que diz ESTA REPORTAGEM.
Talvez por isso, não exista no local algum marco de referência ou memorial –pelo menos, não vi nada semelhante. O que há, mesmo, é muita tranquilidade. E trabalho: na manhã ensolarada de hoje, havia muita gente carpindo o loca, arrumando sepulturas, dando um jeito no terreno.
Mesmo assim, há muitas áreas de capim alto e mesmo locais usados para descarte clandestino de lixo. Encontrei, por exemplo, esse velho monitor jogado numa estradinha perdida do cemitério…
Encontramos também muitos pássaros, que alegram o ambiente. E podem proporcionar cenas dramáticas de caça mortífera, como o momento em que um gaviãozinho (ou sei lá que ave de rapina de pequeno porte) captura uma pomba e voa carregando sua presa. Essa imagem nem eu nem o fotógrafo-corredor conseguimos captar. Ficou, pelo menos, o registro da pomba morta no chão do cemitério de Vila Formosa.
Vamo que vamo!
DIA 35 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapas para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia
QUILOMETRAGEM DO DIA: 10 km
TEMPO DO DIA: 2h31min37
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 420 km
TEMPO ACUMULADO: 96h27min23
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 40 km
DESTAQUES DO PERCURSO: Centro Esportivo dos Trabalhadores, cemitério da Vila Formosa
Isso que são kms de vantagens:-)
Cemitério de Vila Formosa, meu lugar preferido de treinos, e o único corredor que ja vi la treinando, realmente é o Pinguim.Há algumas pessoas que correm envolta do Cemitério na parte externa, creio que chegara um dia onde treinos neste Cemiterio será como em algum parque(lotado).