Roger, a juventude e o voo da coruja
06/01/14 20:22Tava na cara que aquilo não ia dar certo. A menina vinha subindo a rua, resfolegando, tentando controlar dois cachorros indóceis, o garoto que seguia na direção oposta imaginava aqueles boxers enormes saltando por cima dele, os bichos estavam babando, quase rasgando a coleira… Escaparam!
“Quando vi, estava em cima do muro, não sei como subi lá, era um muro mais alto que eu, foi a adrenalina”, diz Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, rememorando um de seus feitos atléticos da infância, que não teve muitos. “Na escola, o pessoal me excluía um pouco porque eu era perna de pau”.
Hoje, com 57 anos e pai de uma menina de um aninho, o criador de sucessos como “Inútil” e “Nós Vamos Invadir Sua Praia” continua sem ser o maior esportista do mundo, mas tem uma longa carreira de skatista, experiência no surfe com prancha longa, alguma habilidade no tênis e melhorou muito no futebol. Até caminhadas está enfrentando: foi o meu convidado/anfitrião de hoje, em mais uma jornada do meu percurso de 460 km por São Paulo em homenagem ao próximo aniversário da cidade.
A gente se encontrou em frente ao parque Burle Marx, na zona sul de São Paulo. Ele chegou vestindo uma camiseta em que estava escrito “Jovem é uma merda”, letras pretas sobre fundo branco. Eu não dei muita bola, porque estava mais preocupado com percurso que faríamos: pelo que lembrava do parque, que visitara apenas uma vez, era pouco mais do que uma pracinha, tudo de concreto, nós iríamos virar hamsters andando centenas de voltas em torno de um laguinho ou coisa que o valha.
Não contava, porém, com os amplos conhecimentos de Roger a respeito da geografia do local. “Quando vim para cá, isso aqui era tudo aberto, aqui em volta eram fazendas”, diz ele, que vive no Morumbi há 25, em um condomínio loteado por um ex-criador de galinhas.
Logo percebi que o parque Burle Marx era muito mais do que eu tinha visto inicialmente. Havia, é claro, os belos jardins projetados pelo artista do verde, abrigando “um espelho d’água, um conjunto de painéis escultóricos, palmeiras imperiais, um lindo pergolado e um gramado de duas cores que imita um tabuleiro de xadrez”, como descreve o site oficial, que também traz interessantes informações históricas.
O gramado enxadrístico é lindo, as esculturas são sensacionais, mas não há espaço ali para caminhar. Roger mostrou outros caminhos: descendo uma alameda, chega-se à entrada das trilhas do parque. E aí é só alegria: chão de terra, sombra, subidas, descidas, tudo num desenho de idas e vindas, quase um labirinto, que é para aproveitar melhor o espaço minguado.
Na caminhada, fui aprendendo mais sobre o cantor e guitarrista paulistano, que aprendeu a ler aos três anos –mais tarde, descobriu-se dono de um QI privilegiado e hoje faz parte de uma associação que reúne pessoas de elevado quociente de inteligência.
Não é nada do outro mundo, afirma ele, e os superdotados têm os mesmos tiques e fraquezas de todo nós. “Você pede uma dica de uma planilha e aparecem quatro sugestões, cada um dizendo que a solução dele é a melhor.”
O fato de ter sido geniozinho na escola pode tê-lo deixado um pouco longe dos esportes, mas nem tanto: ainda menino, pegava jacaré com aquelas madeiras redondas e, antes de surfar, aprendeu a cortar onda no body board.
Sabia que queria fazer música, mas, para contentar a família, entrou para a faculdade de arquitetura. Não sossegou, porém, enquanto não foi para os Estados Unidos, onde pretendia aprimora seus conhecimentos musicais em uma escola em Boston.
Seu destino inicial foi San Francisco, onde tinha um porto seguro na casa da irmã que já morava lá. Para pagar os estudos, foi faxineiro, trabalhou como diarista, entregou pizza e chegou a gerente de pizzaria.
Desses trabalhos, o que mais o divertiu foi o de entregador de menus de pizzeria. “Saía carregado, com as sacolas cheias de papel, mas caminhava bastante, parava um pouco, seguia, ia conhecendo a cidade.”
Mesmo com tanta labuta não deu para bancar a faculdade nos EUA, e Roger voltou para o Brasil: “Não estudei música, mas chegando aqui comecei com a banda. Comecei meio de farra, tocando em festinhas, depois procurando barzinhos, o negocio foi dando certo…”
Além dos covers, surgiram as composições próprias. “Voltei em 1980… Em 82, a gente tinha uma seleção sensacional que perdeu a copa, e foi quando eu compus `Inútil`, meio que nesse feeling: pô, nem o futebol, que a gente fazia direito, dá certo…”
O Ultraje a Rigor, pelo menos, fez um sucesso danado. Segundo o que me diz a Wikipedia, “em 1985 a banda ficou nacionalmente conhecida pelo álbum Nós Vamos Invadir Sua Praia, que trouxe o primeiro disco de ouro e platina para o rock nacional. O mesmo álbum, mais tarde, acabou sendo consagrado como o melhor álbum de rock nacional pela Revista MTV, em dezembro de 2008”.
Apesar do sucesso, os caras seguem trabalhando. Reduziram o número de shows, mas estão firmes na TV. Agora é época de férias, e Roger diz que pretende retomar alguma atividade física. “Até o fim de fevereiro, pretendo surfar pelo menos um Mês, fazer umas caminhadas, fazer uma ginástica, ver se eu perco pelo menos uns cinco quilos…”
A jornada de hoje foi um bom começo. As subidas nas trilhas e escadarias encravadas na terra no Burle Marx já deixaram o cara de língua de fora, como na foto acima.
Brincadeira, pessoal, o sujeito nem ficou tão cansado assim, como você pode conferir NESTE VÍDEO AQUI, em que Roger resume sua experiência na tarde de hoje.
Além das prometidas caminhadas, é bem possível que arrume tempo para descer algumas rampas no Morumbi; afinal, é skatista desde o final da adolescência. “Eu tinha 17, 18 anos, a gente comprava rodinhas de patins na Água Branca, fazia a própria tábua, parafusava… Era tosco, as rodinhas quebravam. Eu vinha fazer aqui no Morumbi, embora morasse na Vila Mariana. Tinha muito pouco trânsito na época”.
Hoje ele vive no Morumbi e já não tem mais 18 anos. Talvez por isso use a tal camiseta em que está escrito: “Jovem é uma merda”. É mesmo?, pergunto a ele.
A resposta: “É uma merda. Falo por conhecimento próprio, eu mesmo. Tem uma frase muito legal: `Antes de você ser um velho sábio, você precisa ter sido um jovem idiota`”.
Com o que, aos risos, encerramos a conversa e a caminhada e fomos tomar um pouco de água gelada –Roger não bebe nem usa drogas desde os idos dos anos 1980.
E onde entra a coruja que coloquei lá no título?
Não entra: ela faz parte de outra história. Como a caminhada com Roger seria à tarde, resolvi fazer um trajeto sozinho pela manhã, para que o parque Villa-Lobos fique registrado nesta jornada pela cidade.
O Villa-Lobos está uma beleza, agora ampliado com a recente abertura de um primo que é também um extensão: o parque Cândido Portinari, inaugurado no finalzinho do ano passado “inacabado e com lama”, como diz esta reportagem AQUI.
O novo espaço rouba parte do antigo estacionamento interno do Villa e ainda pega um trecho do talude que fica mais perto da estação de trens Villa-Lobos-Jaguaré. Já está bem arrumadinho e foi um prazer correr por lá.
Há apena um área do Villa-Lobos, atrás dos campos de futebol, que parece ter sido esquecida pelos cortadores de grama: quem corre por ali preciso tomar cuidado para não se embaraçar nas touceiras do caminho e levar um tombão daqueles…
Por lá também costumam ficar corujas e hoje me preparei para ver se capturava a imagem de alguma. Pois não é que, quando subia uma escada do talude, vi uma bela e grandota corujinha, com os olhos maiores do que o corpo, parecendo até fazer pose para a câmera?
Ela estava, porém, numa área de sombra. Preparei a máquina, esperando que o bicho desse um passinho para trás. Ela voou.
Cliquei, mas a coruja já se tinha ido. O que sobrou foi a imagem abaixo.
No problema. Amanhã tem mais. Vamo que vamo!
DIA 34 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique nos mapas para conhecer mais detalhes sobre os percursos do dia; a numerália traz o total do dia
Caminhada matinal, sozinho (o mapa internético não retrata a realidade atual do parque)
Caminhada à tarde, com Roger Moreira, do Ultraje a Rigor
QUILOMETRAGEM DO DIA: 10 km
TEMPO DO DIA: 2h47min26
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 410 km
TEMPO ACUMULADO: 93h55min46
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 50 km
DESTAQUES DO PERCURSO: parque Burle Marx, parque Villa Lobos, entrevista com Roger Moreira, do Ultraje a Rigor
What a funny blog! I truly Roger, a juventude e o voo da coruja | Rodolfo Lucena – Folha de S.Paulo – Blogs loved watching this humorous video with my relatives as well as including my friends.
Poxa! A cada dia me apaixono mais por estas matérias do “460 km” . O passeio ao parque e a conversa com o Roger fez rememorar os bons tempos da adolescência!!! Esperando pela postagem de hj!!!!!!
Muito maneira a matéria. dä até vontade de ir correr por lá.