Em memória do cadeirante Israel Barros, morto na 88ª São Silvestre
31/12/13 14:26De novo, a virada do ano vai ser de choro, dor, angústia e raiva para Fátima, seus dois filhos e seus dois netos. Não há mais, na família, marido, pai, avô: no ano passado, Israel viajou do Pará a São Paulo para participar da São Silvestre e nunca mais voltou. Morreu esborrachado no muro do estádio do Pacaembu.
Sem a maior parte de uma perna, por causa de um acidente na adolescência, Israel acabou se tornando atleta e sonhava em participar de uma paraolimpíada. Na São Silvestre passada, tudo virou fumaça: a cadeira de corrida que dirigia bateu na guia da calçada e Israel Cruz Jackson de Barros voou.
Foi um acidente, concluiu o inquérito policial aberto sobre o caso. E também foi o que me disseram os assessores de imprensa dos organizadores e promotores da prova. Ficaram de mandar mais informações sobre o desenrolar do caso e providências tomadas, mas, até o momento em que escrevo este texto, nada chegou (a foto abaixo é do blog dele, que ainda está no ar e pode ser lido AQUI).
A família de Israel, que a todos sustentava com seu trabalho e com sua atividade esportiva, está a ver navios.
Fátima, a viúva, conseguiu recentemente emprego como faxineira em um órgão público municipal, em Ananindeua, na região metropolitana de Belém. Há cerca de dois meses, teve de volta a cadeira do marido, destroçada. Até agora não sabe o que fazer com a relíquia, não tem dinheiro para consertar nem conseguiu comprador.
Diz que pretende buscar ajuda de advogado para tentar obter o que considera seu direito, algum tipo de compensação. “Dinheiro nenhum vai trazer de volta meu marido”, me disse ela ontem, por telefone, “mas eu preciso sustentar minha família.”
Não faz diferença para ela nem para os filhos e netos de Israel, mas resolvi fazer de minha participação na São Silvestre de hoje uma homenagem à memória do cadeirante Israel.
Maior e mais tradicional corrida de rua do país, a São Silvestre é um exemplo do descaso e falta de consideração com que os corredores de rua somos tratados por algumas organizações de provas. Começa pelo horário, já tantas vezes criticado quando a prova era à tarde e ainda merecedor de crítica agora: se começasse duas horas antes, a saúde dos participantes correria menor risco…
A água é quente, e já virou tradição. No primeiro posto, distante mais de 4 km da largada, os atendentes gritavam, no que parecia um desolador exercício de ironia: “Só tem água quente, só tem quente”. Parecia brincadeira…
A temperatura não melhorou nos postos seguintes, e o abastecimento piorou: vários gavetões de garrafas de água estavam vazios já no segundo posto.
No único local de entrega de isotônico, então, a coisa ficou kafkiana. A bebida era servida em apenas um mesão, e os corredores se acotovelavam, enfrentando fila e muvuca. Isso que já não éramos uma multidão, pois eu caminhei toda a prova, estava entre os participantes de ritmo de mais de 10 minutos por quilômetro.
Essa bagunça enfrentei também na hora de retirar o kit. Apesar de a entrega ter sido tranquila, sair do salão foi num sofrimento, pois nos obrigam a passar por um verdadeiro corredor polonês de lojas, tudo superapertado e confuso, num calorão dos infernos. E olha que também estive entre os últimos a pegar meu número.
Ainda bem que, apesar dos organizadores, a São Silvestre resiste, e os corredores a transformamos num encontro de alegria, uma confraternização, um momento de pensar e de não pensar, de chutar o pau da barraca ou simplesmente mostrar que pode.
Essa alegria das ruas contagia mesmo quem não corre, como uma simpática grávida, que usou seu barrigão para nos desejar a todos boa sorte na 89ª São Silvestre.
Na prova, há vi jovens mamães levando o filhote em cadeirinha de rodas, e vi deficientes portadores de males degenerativos serem levados por voluntários, em exemplo de dedicação e espírito de luta.
Isso é o que tínhamos todo: vontade de guerrear consigo mesmo, com a preguiça, com a desesperança, com a angústia, com a dor, cada qual no seu quadrado.
Como corredor, sofri muito nos primeiros quilômetros, sentindo-me um tanto humilhado ao ser ultrapassado pela multidão, que parecia encarar com pouco caso aquele caminhante no meio da massa de guerreiros.
Mas eu também combatia o bom combate. A fratura no joelho não me permitia correr, mas virei um caminhante em busca de resultados. No primeiro viaduto, exultei: começava a fazer ultrapassagens, fiquei até “me achando”, como diz a juventude, e agradeci a festa que faziam torcedores do Corinthians (veja ESTE VÍDEO AQUI).
Isso se repetiu em outras subidas e, quando chegamos à Brigadeiro, foi uma alegria para mim. Eu estava mais rápido do que jamais fora, com média abaixo de 10 minutos por quilômetro. Resolvi lutar para manter e, se desse, baixar.
Passei a ter metas, queria ultrapassar mais um e outro e outro. E conseguia. Vi uma senhora que caminhava muito rápido, ela serviu de exemplo para mim, mas acabou também ultrapassada –aliás, ganhei até de “Pelé”.
Os dois quilômetros da Brigadeiro estão entre os mais velozes de minha jornada de 460 km por São Paulo em homenagem ao próximo aniversário da cidade.
Fiquei até emocionado, soquei o ar quando cheguei à Paulista e vi o pórtico. Cruzei a linha com mais de meia hora de vantagem sobre o tempo que imaginava possível. Ergui o braço em memória de Israel, mas fiz da São Silvestre o que dela fazemos todos nós: uma celebração à vida.
Vamo que vamo!
DIA 29 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia
QUILOMETRAGEM DO DIA: 15 km
TEMPO DO DIA: 2h27min25
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 357 km
TEMPO ACUMULADO: 80h43min58
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 103 km
DESTAQUES DO PERCURSO: 89ª Corrida São Silvestre, avenida Paulista, Brigadeiro Luiz Antonio, Centro de São Paulo
PS.: Leia, a partir de agora, reportagem que escrevi em janeiro deste ano e foi publicada na edição de feverieo/2013 na revista “O2”. Nela, relato o acidente de Israel e conto um pouco da trajetória desse guerreiro da vida.
MORTE NA CONTRAMÃO
Israel treinava pela manhã, começando seu dia na madrugada. Acordava às 3h30 e saía a circular pelas ruas escuras de Belém com sua cadeira de rodas feita em casa, com restos de outras. Dali, a bem dizer, ia direto para a academia, onde fazia exercícios durante mais de uma hora. Só então ia ver os familiares: em casa, tomava banho, almoçava e ia para o trabalho. Voltava no fim do dia, jantava, dormia.
Israel tinha um sonho: representar o Brasil na Paraolimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Morreu sem ter tido sequer chance de participar de uma seletiva, de mostrar o que tinha conquistado com seu esforço. Na manhã do dia 31 de dezembro de 2012, esborrachou-se contra o muro do estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo.
Ele disputava a São Silvestre, que naquele momento não tinha multidão a correr nem fãs a aplaudir. Os cadeirantes, sem alarde, largaram minutos antes das sete horas, juntamente com outros atletas com necessidades especiais. Com uma cadeira importada, feita no Japão sob medida para seu corpo, cruzara a avenida Paulista, descera a passagem subterrânea para alcançar a Doutor Arnaldo, fazendo esforço na pequena ladeira que levava ao plano.
Chegou à Major Natanael, ladeira forte ao lado do Instituto Médico Legal. Como todos os concorrentes, entrou na contramão, ladeando o cemitério do Araçá e ganhando velocidade. Ninguém sabe a quanto rodava Israel naquela ladeira traiçoeira; outros cadeirantes chegaram a registrar ali velocidade de 48 quilômetros por hora –o que é bastante, se comparada à velocidade de 30 quilômetros por hora desenvolvida na chegada, na avenida Paulista plana e acolhedora, mas é pouco se comparada aos 70 quilômetros por hora que alguns cadeirantes alcançavam na longa descida da rua da Consolação, quando era outro o percurso da São Silvestre.
Então alguma coisa aconteceu. Talvez uma dor no braço, herança de lesão mal curada que tinha prejudicado seu desempenho na recente corrida da Pampulha, em Minas Gerais.
Talvez uma topada com um olho de gato encravado no asfalto –em 2011, quando o percurso da prova pela primeira vez incluiu a descida da Major Natanael, essa era uma das preocupações dos para-atletas, pois um erro ali poderia provocar um tombo.
Talvez um pneu furado. Naquela forte ladeira, em 2011, Fernando Aranha liderava a prova quando dois pneus de sua cadeira furaram, tirando-lhe as chances de chegar ao título.
Ninguém sabe, ninguém viu. Ou quem viu não conta. Segundo o delegado que comanda o inquérito, um PM foi testemunha do acidente. Seu nome não foi revelado, mas o delegado contou à imprensa uma versão do caso: a cadeira dirigida por Israel bateu na guia da calçada e o corpo voou longe, indo de encontro ao muro do estádio.
Israel morreu na contramão, como diz a canção, mas não atrapalhou o tráfego. Caiu na calçada, sangrando e sofrendo. Foi socorrido quase imediatamente, pois um dos postos fixos de atendimento médico ficava a poucos metros de onde ocorreu o acidente, às 7h35. Foi levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos, morrendo pouco mais de uma hora depois.
Às 16h52 do dia da prova, o dia do acidente, o dia da morte, foi publicada a notícia no site da São Silvestre. Sob o título “Organização informa acidente fatal com cadeirante”, o texto informava: “A organização da Corrida Internacional de São Silvestre confirmou no fim da tarde desta segunda-feira a morte de um participante da prova dos cadeirantes, disputada no período da manhã na capital paulista. Israel de Barros, de 40 anos, perdeu o controle de sua cadeira de rodas e sofreu uma colisão no muro do estádio do Pacaembu”.
Seguia-se comunicado oficial dos organizadores: “O Comitê Organizador da 88ª Corrida Internacional de São Silvestre comunica o falecimento do atleta Israel Cruz Jackson de Barros, inscrito na categoria Cadeirante masculino. O fato ocorreu em razão de um acidente durante a prova realizada na manhã desta segunda-feira, em que o atleta se chocou contra o muro do Estádio do Pacaembu.
O atleta, segundo outros participantes, teria perdido o controle de sua cadeira na descida sofrendo uma queda muito forte. Prontamente atendido pela equipe médica do evento, que estava próximo ao local, Israel foi depois levado à Santa Casa de São Paulo ainda consciente, às 7h35, foi atendido pela equipe do hospital, mas, infelizmente, não resistiu em razão da gravidade dos ferimentos e faleceu às 8h50.
O atleta estava devidamente inscrito na prova, obedecendo os critérios de seleção do evento cujas inscrições foram feitas pela Fundação Cásper Libero e supervisionadas pela organização técnica do evento e pela ADD – Associação Desportiva para Deficientes.
O Comitê Organizador está acompanhando o caso juntamente com a ADD para atendimento à família do competidor, uma vez que o mesmo não residia na Capital.”
De fato, “o mesmo” não residia na capital paulista. Israel Cruz Jackson de Barros morava em Ananindeua, na região metropolitana de Belém. Vivia com a mulher, Fátima –que todos chamam de Adriana, nem ela mesmo sabe direito dizer por quê–, o enteado, a filha do casal e a primeira netinha, de apenas dois meses. Sustentava a família com seu trabalho como funcionário público municipal de Belém, atuando no posto de saúde de Icoaraci. Recebia bolsa-atleta do Estado e mais apoio de um empresário local, além dos parcos prêmios em dinheiro.
“A gente dependia dele. Agora nem sei por onde começar”, me disse a viúva em entrevista por telefone poucos dias depois do enterro de Israel. Ela também contou um pouco sobre a vida desse para-atleta quarentão que sonhava com um pódio nos Jogos do Rio-2016.
Israel nasceu em 13 de outubro de 1971, em Coruçá, no interior do Pará. A maior parte da vida, viveu sem a perna esquerda, que perdeu depois de um acidente ocorrido quando tinha 14 anos. O ocorrido é relatado pelo próprio Israel, que mantinha um blog em que divulgava suas atividades, contando o que chamava de sua “história de superação e determinação na vida e no esporte”.
O acidente ocorreu no dia 15 de outubro de 1985, às 17h, segundo relato de Israel: “Minha irmã me pediu que a ensinasse a andar de bicicleta. Foi aí que inventei uma brincadeira: corria na bicicleta e minha irmã tinha que sentar na garupa. Na terceira vez que corri com muita velocidade, minha irmã puxou a garupa da bicicleta, a manete da bicicleta entrou na minha coxa do lado esquerdo, perfurando e atingindo a veia femoral. Fui levado para o Hospital Beneficência Portuguesa, os médicos fizeram o possível para salvar a minha vida. Passei por quatro cirurgias; no final, tiveram que amputar a minha perna do lado esquerdo. Aqui me tornei uma pessoa com deficiência.”
Ele tinha acabado de completar 14 anos e precisou reunir forças para enfrentar a nova vida: “No inicio é tudo difícil, é como nascer de novo”, escreveu ele em seu blog.
O então garoto foi aprendendo a conviver com a dor, com o sofrimento. Descobriu que, apesar da perna perdida, podia estudar, ter uma vida social, praticar esporte. Com 22 anos, tinha se tornado jogador de basquete em cadeira de rodas, jogando pela Associação dos Deficientes Físicos do Pará.
Fortão, boa pinta, atraiu a atenção de uma garota recém-chegada do interior paraense. Francisca Aldeídes, então com 17 anos, tinha saído de Altamira para fazer exames médicos em Belém. Também de família de poucos recursos, ficara alojada nas mesmas instalações onde estavam hospedados os para-atletas que disputavam um campeonato de basquete em cadeira de rodas.
No refeitório, notou Israel: “Eu vi ele com uns amigos, eu me comovi”. Conversaram, Israel convidou a moça para assistir ao jogo, que seria à noite. Depois da partida, saíram, conversaram sem parar. “Pegamos amizade”, diz a hoje viúva.
Fátima já tinha um filho pequeno, mas isso não atrapalhou em nada o namoro. Logo ela estava grávida, e eles resolveram viver juntos. “Quando vim morar com ele, meu filho, Caíque, ia fazer três anos. Israel que cuidou do meu filho.”
Namoro, trabalho, mas nada de descuidar do esporte, conforte diz Fátima: “Ele era apaixonado pelo basquete, mas aí começou a ter corridas aqui, e ele começou a participar das corridas usando a mesma cadeira que usava para jogar basquete. Aí ele se encantou pelo atletismo. Dedicou-se muito, se entregou às corridas. O atletismo é a segunda profissão de meu marido”.
No esporte, também lutava contra dificuldades. Por falta de recursos financeiros, não conseguia ter um bom equipamento para competir. Durante muitos anos, competiu com equipamento improvisado, conforme diz Fátima: “Tinha um amigo que corria junto com ele, o Itabereci, montaram uma cadeira de atletismo caseira. Desmancharam uma cadeira de basquetebol e fizeram uma cadeira de atletismo. Ele corri nessa cadeira, que pesava aproximadamente 17 kg.”
O próprio Israel relembrava a história, há cerca de três anos, quando registrou em seu blog: “Minha cadeira é de ferro, feita com peças de sucata que pesa 17 kg, enquanto as de outros atletas são de alumínio ou de fibra de carbono, que pesa 6 kg”.
E Fátima continua: “O grande vilão dele era essa cadeira, que era pesada demais. O sonho dele era ter uma cadeira mais leve, de carbono. Ele batalhou muito, fez um blog contando a história dele, pedindo ajuda para os amigos para conseguir um patrocinador para ajudar a ter um material melhor. O material dele atrapalhava, porque não permitia ele desenvolver muito…”
Mesmo assim, Israel começou a colecionar conquistas, como mostra em seu blog: de setembro a dezembro de 2008, por exemplo, acumulou cinco títulos em provas locais e regionais, em distâncias de 10 km e 12 km.
O denodo e os resultados nas ruas fizeram com que ganhasse apoios. Um empresário local passou a dar ajuda pagando passagens e estadia para competições fora de Belém. “Fiquei sensibilizado com a dificuldade do atleta para conseguir uma simples passagem para participar de uma prova representando nosso Estado. A partir daí, viabilizamos sua ida à corrida da Pampulha, em Minas, há uns quatro anos. Ao voltar, ele entrou em contato para agradecer e contar como havia sido. Foi o início de uma relação de amizade, incentivo e respeito”, conta Eduardo Daher.
“Seus pontos fortes eram a dedicação, a perseverança e a seriedade. Ele estava a caminho de alcançar seu maior sonho, que era participar de uma paraolimpíada internacional”, diz o empresário.
Aliás, por pouco Israel não conseguiu índice para participar dos Jogos Paraolímpicos de Londres no ano passado. “Nos treinos em Belém, estava com marcas que lhe permitiriam participar da Olimpíada de Londres, mas na prova classificatória em Natal, o vento forte atrapalhou, não permitindo que ele atingisse a marca necessária”, lembra o apoiador.
Já então Israel competia com a sua cadeira nova, que comprara havia dois anos, no Japão. Foi uma verdadeira epopeia conseguir fazer a viagem e levantar os recursos, lembra a viúva do para-atleta: “Fez livro-ouro, conseguiu apoio do governo, acabou indo”, diz ela.
Com sua cadeira nova, Israel tratou também de aprimorar seu estilo de corrida. Além das rodagens pelas ruas de Belém nas madrugadas escuras, passou a treinar sob a orientação de uma técnica, a professora de educação física Sandra Maria Souza Malcher, vice-presidente da Federação Paraense de Atletismo.
Na pista do estádio Mangueirão, os treinos eram realizados três vezes por semana. Além dos tiros e trabalhos intervalados, faziam também exercícios de força aproveitando a rampa do estádio.
“Ele era um atleta focado, consciente, preocupado com seus resultados. Cuidava de sua alimentação, tinha muito cuidado com sua cadeira, tinha uma boa qualidade de vida, não tinha o costume de bebida nem de qualquer outra coisa que pudesse interferir no seu trabalho”, diz a especialista.
Muito cuidadoso com a cadeira nova, deixava o equipamento guardado apenas para grandes competições. Qualquer problema lhe sairia muito caro, pois as peças para troca deveriam ser importadas. Um simples pneu furado já poderia ser um baque no apertado orçamento da família.
“Ele conseguiu essa cadeira, realizou o sonho dele, mas ele não curtiu muito. Ele chegou a correr quatro vezes apenas com essa cadeira”, lembra a viúva de Israel, emocionada. Uma dessas competições foi a Volta da Pampulha em 2011, quando ele conquistou o primeiro lugar, derrotando o amigo e rival Jaciel Paulino (campeão da São Silvestre de 2012).
“Conheci o Israel nas provas do Comitê Paraolímpico Brasileiro em provas de pista, corridas de 5.000 m e 10.000 m. Ele era uma pessoa responsável, amigo, sempre de bom astral e brincalhão. Já competi com Israel algumas vezes, poucas vezes em prova de rua, nas provas de pista mais vezes. Ganhei e também já perdi. Uma prova que marcou foi a Volta da Pampulha de 2011, quando ele adquiriu uma cadeira nova. Tive uma surpresa na prova, ele correu muito bem e ganhou a prova com um minuto de diferença”, diz Paulino.
Pois foi com essa cadeira japonesa, construída de acordo com o corpo de Israel, que o cadeirante foi a São Paulo disputar a São Silvestre. E foi com ela que Israel morreu.
Quando escrevo este texto, ainda não há explicações oficiais sobre o que aconteceu. No terreno policial, o caso é investigado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A polícia tentar descobrir se alguém teve culpa, responsabilidade, no acidente que provocou a morte do para-atleta, cujas razões também não estão claras: Documento da Santa Casa, onde ele foi atendido depois do acidente, encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) indica que ele teve um “trauma torácico”, mas não especifica a causa da morte, segundo foi registrado na imprensa.
Os resultados das perícias no local do acidente e na cadeira, assim como das investigações policias, só devem sair ao longo deste mês. Também não há indicação de que os organizadores da corrida estejam dispostos a fazer modificações no trajeto.
Ao contrário. Em entrevista à Folha, o diretor técnico da prova, Manuel Garcia Arroyo, afirmou que não há intenção de alterar as regras nem o trajeto da São Silvestre. Para ele, o caso foi uma “fatalidade inexplicável”: “Largaram oito cadeirantes e não aconteceu nada [com os outros]. Estamos aguardando as investigações, mas não faz sentido. Até agora ninguém sabe o que houve. Ele não fez a curva. Não dá para saber se ele se enganou, se não brecou, se houve algum problema com a cadeira.”
Sobre o trajeto, Arroyo afirmou: “Todos os cadeirantes andam em alta velocidade na descida. O que se pode fazer é um alerta melhor. A cidade é cheia de subidas e descidas. Não faz sentido alterar o percurso. Seria como mudar uma curva de Interlagos em caso de acidente”.
Diferentemente do que ocorre no autódromo de Interlagos, porém, as curvas dos percursos por onde correm os cadeirantes não são protegidas. Melhorar as condições de segurança, ainda que o percurso não seja alterado, é uma reivindicação dos cadeirantes, segundo o campeão Jaciel Paulino.
“O que podemos fazer é procurar aprender com outras provas internacionais. Na Maratona de Nova York, por exemplo, nas ruas, os obstáculos que apresentam algum desnível, buracos e bocas de lobo são pintados de laranja. Em alguns trechos críticos (com curvas e descidas perigosas), são colocados fardos de fenos. Isso não evita o acidente, mas diminui bastante o risco de ocorrer um acidente fatal”, diz Paulino.
A todas essas, a família espera, ainda sem saber direito o que fazer, como diz a viúva Fátima Aldeídes Mendonça da Silva: “Eu queria que me dissessem uma coisa concreta sobre o que aconteceu, eles falaram coisas muito vagas. Quem perdeu fui eu, meu marido, meu companheiro, meu amigo. Ele era muito amigo. Ainda estou chocada demais com o que aconteceu”.
Olá Rodolfo,
E provavelmente você também reparou que no local do acidente do Israel nada foi feito, apenas uma tela de proteção que não evitaria um novo choque contra o muro caso algum cadeirante perdesse o controle.
Um abraço e bom 2014 a você e família
Eu ia citar a tela, mas vi que ela não era para servir como eventual proteção de corredores ou cadeirantes, mas estava lá por causa de obras na calçada
Rodolfo, valeu pela matéria, obrigado!
Lucena, para variar, acertou em cheio. Seu texto diz muito bem aquilo que todos nós vimos hoje. A prova se mantém pelas pessoas que se divertem correndo e vendo outras correrem.
Passei por você, sem orgulho. Legal mesmo é passar sempre aqui.
Grande abraço e até o longínquo 2014.