Corredor exagera no último treino para a São Silvestre
30/12/13 14:06Vou lhe dizer uma coisa: tenho mais sorte do que juízo. Saí hoje cedinho para fazer um treino bacaninha, planejado usado sistema internético de mapeamento: iria visitar dois parque de uma tacada só, num último treininho leve para a São Silvestre. Daria uns 10 km, talvez 12 km, dependendo de quando eu rodasse em cada parque.
Mas, como diz o outro, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ou, para não sair do terreno das sandices, treino é treino e jogo é jogo. Ou ainda, para não esquecer a orientação precisa da torcida do Grêmio, treino é jogo, jogo é guerra.
Quando me vi na rua, escolhi caminhos outros que os sugeridos pelo serviço de mapas. Já cansei de correr pela marginal, é suja, fedorenta, barulhenta, com os carros fungando na nuca, um desastre. Preferi seguir meu nariz, pegar ruas menores, olhar a cada esquina imaginando encontrar algo desconhecido.
Afinal, é isso que faz um corredor de rua (no meu caso, um caminhante de rua, por causa do maldito joelho fraturado que incomoda de vez em quando). A gente persegue a rua, quer encontrar o âmago do asfalto, das vidas que constroem a cidade.
Fazer isso me deu mais quilômetros do que eu precisava hoje, provocou na musculatura estresse maior do que o recomendado na véspera de uma prova difícil. E me fez encontrar belíssimos –ou, pelo menos, muito significativos—registros da história de São Paulo.
O primeiro foi logo ao cruzar a marginal pela ponte da Vila Maria, vindo da Vila Guilherme, onde rodara diversos quilômetros no parque de mesmo nome, antigamente conhecido como Parque do Trote (acima, as arquibancadas antigas).
Chegando do lado de cá, fui procurar o melhor caminho para chegar ao parque do Piqueri. Ao atravessar a rua, porém, vejo á minha esquerda um muro azul e branco com os dizeres União dos Operários e uma data que, de longe, me parece indicar 1917, o ano da Revolução Soviética.
(Abrir parênteses: queria incluir links sobre a revolução soviética, mas os sites que encontrei me pareceram indignos de sua leitura; se você se interessa pelo assunto, recomendo “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, de John Reed; para compreender melhor a época, ganhando uma percepção do que rolava no período pré-revolucionário, sugiro o filme “Encouraçado Potemkin”.)
Bom, o tal clube é de um pouco antes da revolução, mas com certeza surgiu inspirado pelos vapores socialistas. Foi fundado no dia primeiro de maio de 1917, por operários que queriam montar um time de futebol de várzea –e a história que eu sei para aí mesmo, pois não há muito mais no site oficial da agremiação. Descobri, porém, que há um restaurante no local, e o prato forte é carneiro na brasa –depois do final do meu projeto d 460 km por SP, vou ver se dou uma passada lá…
A outra descoberta também se deu por olhar em volta. De uma esquina, vislumbrei um fundo de rua, uma árvore mais frondosa, uma cerca de ferro que parecia antiga, uma construção que lembrava uma igrejinha. Era coisa antiga, com certeza.
Fui investigar e dei de cara com a famosa Vila Maria Zélia, primeira vila operária de São Paulo, construída exatamente em 1917. O local é hoje uma condomínio, mas os casarões antigos que ainda restam de pé estão protegidos (não dá para dizer preservados, porque os prédios estão em situação miserável, vários deles parecendo em condições até mesmo pouco seguras).
Logo na praça de entrada, um mural dá ideia de como foi a vila. Mas a realidade é bem outra, como você pode conferir nas imagens a seguir.
Idealizada para abrigar os 2.100 operários especializados da Cia Nacional de Tecidos de Juta, 1917 a vila hoje é constituída por aproximadamente 200 casas com mais de 600 habitantes. Há uma associação de moradores, e este site AQUI traz muita informação sobre o local, a história e a luta pela preservação do patrimônio.
Aos olhos deste visitante, acredito que muito mais poderia ser feito. Se o Estado (aqui me refiro tanto às autoridades estaduais quanto municipais e federais) considera importante a sua preservação, deveria trabalhar mais rápido nisso. E dar um jeito para que a área se transforme no que parece ser sua vocação: um museu a céu aberto, uma aula viva de história, sociologia e arquitetura.
Certas coisas me fazem parecer militante do patrimônio histórico ou soldado do exército das causas perdidas, mas não faz mal. Pelo menos tenho minha caminhada, que hoje ainda me faz passar por um curioso monumento instalado defronte ao quartel dos Bombeiros, na Celso Garcia.
Conseguiu descobrir o que é? Trata-se dos restos de um botijão de gás, depois de uma explosão, e foi colocado ali com propósitos educativos, para que as pessoas saibam o que pode acontecer quando não são tomados os cuidados necessários –bem, pelo menos foi o que me disse a pessoa que me atendeu na portaria do quartel.
Outro quarteirão, outra descoberta: um baita parque, muito arrumadinho, com grama fresquinha e verdejante. Já se foram mais de 11 km, mais ainda não é o parque do Piqueri. É o parque Belém, de fato bem novinho: foi inaugurado no ano passado, ocupando uma área que foi colônia correcional e centro de detenção de menores infratores (saiba mais AQUI).
Fico com vontade de dar uma volta pelas alamedas do Belém, mas já estou fazendo bem mais do que deveria. Aliás, pelo certo, não se deve treinar na véspera de uma corrida como a São Silvestre. No máximo, um trotinho de meia hora; eu já caminhava havia mais de duas horas e conversava comigo, me dizendo que a corrida amanhã vai ser broca.
A São Silvestre é a maior e mais divertida corrida do Brasil. Para a de amanhã, há 27,5 mil inscritos, segundo os organizadores (meu número é o 27.508). Muitos vão correr fantasiados, muitos vão estrear no asfalto, muitos farão dela sua única celebração corrida no ano.
Quero lembrar que, para se divertir, é preciso tomar algumas precauções (ainda que, como você viu, eu não seja exatamente o sujeito mais cauteloso do mundo quando se trata de preparação para corridas).
O melhor é se hidratar bastante, desde bem antes da prova. Beba mais água hoje e amanhã antes da corrida. Tome um bom café lá pelas 7h30 e leve água, barrinhas de cereais, talvez uma banana ou uma maçã ou mesmo um sachê de carboidrato para consumir uns 20 minutos antes da largada.
Saia com calma. O primeiro quilômetro é congestionado mesmo; o segundo é o mais perigoso, em descida: na dúvida, caminhe. Depois você recupera. Beba água em todos os postos de hidratação, torcendo para que neste ano ela esteja pelo menos fresca, se não gelada (no ano passado, estava quente, cheguei a ter náuseas nos primeiros goles…).
Use protetor solar e desfrute da cidade. O percurso atual passa por área interessantes, curta as praças, o largo do Arouche, o Municipal. A subida até o Largo São Francisco é dura, mas depois tem uma descidinha que serve para relaxar e preparar o espírito para a escalada da Brigadeiro.
Procure manter um ritmo, qualquer que seja. Vai haver um platô sob o viaduto da 13 de Maio; relaxe um pouco ali e daí, meu amigo, queime o chão que a Paulista já estará à vista. Faça a curva correndo, grite para a torcida, mande beijos para o público e se consagre: você é mais um sãosilvestrino (ou sãosilvestrense? Ou sãosilvestrado?).
Não vou fazer nada disso. Caminharei na boa, farei muitas fotos e, se tudo der certo e nada der errado, se meu joelho não chorar e se minha lombar não derreter, devo completar em 3h15, talvez 3h30. É quase uma maratona… Pelo menos, poderei dizer que corri a maratona da São Silvestre…
O calor, por certo, estará muito pior do que hoje. Há previsão de 32 graus Celsius. Bueno, a gente sabe que o verão é quente e se inscreve quem quer; mas bem que os organizadores poderiam mostrar um mínimo de interesse pela saúde dos atletas, fazendo a largada mais cedo, você não acha?
Reclamações à parte, ainda não terminei de contar meu percurso de hoje, na 28ª jornada de meu trajeto de 460 km em homenagem ao próximo aniversário de São Paulo.
Estou quase chegando ao parque do Piqueri, mas comecei no da Vila Guilherme, que incorporou o parque do trote –o nome é porque ali funcionava a Sociedade Paulista do Trote (saiba mais AQUI).
Trata-se de um parque pequeno e supersimpático, expansivo, aberto: quase toda sua área está exposta ao sol, portanto programe sua visite para o início da manhã o final do dia.
A maior atração, para o corredor, é a pista de cerca de 800 m (804,5 m originalmente) que era usada nas carreiras de antigamente e hoje Server para testar pernas e pulmões de humanos. Há ainda outras trilhas, algumas pegando parte do perímetro, outras em círculos internos à trilha principal. O corredor/caminhante também pode preferir o trilho criado na grama por milhões de passadas…
Uma área de sombra protege um parquinho infantil bem cuidado, quadra de esportes e um terreninho sombreado e cheio de verde, equipados com bancos antimendigos (lembra? Foi a urbanista Raquel Rolnick que nos falou sobre eles, em um dos primeiros dias do Projeto 460 km pro SP) e outros mais confortáveis.
Saí dali bem satisfeito. Não é um parque que visitaria em um treino, considerando a distância da região onde moro, mas deve atender bem a população do entorno –hoje havia pouca gente por lá, mas há pouca gente em toda a cidade.
Meu caminho seguiu para avenida Nadir Dias, mais uma grande artéria cortada por córrego sujo e maltratado… Dali atravessei a ponte da Vila Maria, como já disse, descobri marcos históricos da cidade e enfim cheguei ao parque Piqueri.
Ele é minúsculo: 20% menor do que o do Trote, que já é pequeno; menos da metade do seu jovem vizinho, o já citado parque Belém. Não faz mal: é bonito, cheiroso, verdejante, espetaculoso, simplesmente o máximo.
Se o parque do Trote é aberto e expansivo, o do Piqueri é contido, induz ao recolhimento, à meditação. Mal entrei no parque, me senti protegido pelas sombras, a temperatura estava um pouco (bem pouco…) mais amena que no asfalto da avenida Celso Garcia, o ambiente revolucionava meu espírito.
Talvez seja este o maior bem do Piqueri: ele te acolhe. Ao mesmo tempo, é cheio de ação.
Tem quadras esportivas, canchas de bocha, churrasqueiras, áreas para a criançada, equipamentos de exercícios para a terceira idade, locais para bombados puxarem ferro e uma sensacional, porém curtíssima, pista de Cooper (como dizem os cartazes colocados no parque).
Há um lago com cisnes, há uma pequena horta nos fundos do prédio da administração, há um quiosque com biblioteca aberta aos frequentadores. Acima de tudo, há paz, convite ao recolhimento. Tanto que uma jovem corredora que andava alguns metros à minha frente de repente parou, ao ver um jardim, e se aboletou num tronco a pensar sabe-se lá em quê. Para mim, é a imagem do Piqueri.
Com o que me despeço. Se você for a São Silvestre, quem sabe a gente se encontra na Paulista. Vamo que vamo!
DIA 28 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia
QUILOMETRAGEM DO DIA: 16 km
TEMPO DO DIA: 3h21min47
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 342km
TEMPO ACUMULADO: 78h16min33
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 118 km
DESTAQUES DO PERCURSO: parques do trote e do Piqueri, vila Maria Zélia, União dos Operários Futebol Clube
Prezado Rodolfo!
Parabéns pela iniciativa de correr pelas ruas da cidade de São Paulo.
Também conheci a Vila Maria Zélia através da corrida mas no meu caso, foi no dia que tive que entregar fotos para um cliente que trabalhava na antiga Goodyear e para chegar lá tive que entrar pela quase centenária vila.
No primeiro domingo de 2014 (dia 5) fui treinar no Parque do Piqueri que está localizado no Bairro do Tatuapé ao lado da Marginal Tietê, é um dos raros parques municipais com todo piso de terra batida, e o melhor é que grande maioria dos frequentadores não querem que pavimente o piso (nem com bloquetes), as vantagens estão na permeabilidade total, diminuição do impacto nas corridas, e zero custo de manutenção (um exemplo que deveria ser seguido por outros parques).
Na contramão temos o novíssimo Parque do Belém localizado no Bairro do Belém na Avenida Celso Garcia, tem vários pontos do parque onde podemos ver lado a lado uma larga pista de concreto para caminhada, uma pista de asfalto para ciclismo e outra pista de concreto para prática de corrida a pé, total desperdício do dinheiro público e do espaço que poderia ser ocupado por mais árvores e grama.
Um grande abraço!!!
que gostoso. Mais vale sseus 16 km em 3:21 do que os 15 em 43 minutos do campeão da são silvestre!
Excelente texto ! Tal qual um conto bem contado! Parabéns e boa corrida !
Rodolfo, este seu “treino” para mim foi um aprazível passeio que me fez conhecer lugares que contam a história de S. Paulo. O simbolismo e a origem de cada um destes lugares visitados formam uma parte da história que deve ser visitada e sentida tal como foi a sua narrativa.
Uma boa corrida prá você e não se apresse porque assim você terá mais alguma história para nos contar.
Feliz Ano Novo!
Belo posta postagem, belas fotos. Não tenho tido tempo de ler o blog diariamente, estou certo que perdi bons textos. Neste feriadã otentarei buscar o tempo perdido. Bom e Doce Ano Novo para voce, Eleonora e crianças.
baita abraço
Parabéns!! Tua narrativa é fantástica!! Continuarei te acompanhando.
Obrigado pelas dicas da São Silvestre, muito úteis!!
Abraços.
Salve Rodolfo !! Amanhã nos vemos na São Silvestre !! Boa prova e 2.014 de muitos kms!!!