Com pentacampeão de Nova York, corredor visita marcos históricos de São Paulo
23/12/13 16:56A empilhadeira elétrica enlouqueceu de repente. Os comandos travaram, a máquina acelerou. O trabalhador que fiscalizava a operação do equipamento percebeu o desastre iminente e saltou fora, o mais longe que deu. Saiu vivo, mas a máquina ainda o pegou: 16 mil quilos de ferro e aço lhe esmigalharam o pé, que ficou grudado no chão de fábrica.
“Tiveram de chamar os bombeiros para tirar a empilhadeira. Não sobrou nada do meu pé, não dava nem para pensar em implante”, conta o pernambucano Paulo Almeida, que então tinha 32 anos e trabalhava na área administrativa da empresa, mas estava de plantão na fábrica em Itapecerica da Serra.
O acidente ocorreu no dia 31 de dezembro de 1997. A primeira amputação foi imediata, mas o jovem pegou infecção hospitalar e ainda sofreu outros três cortes na perna direita. Apesar disso, em março de 1998, pode receber a primeira prótese. Cerca de dois meses mais tarde, começava a correr. Com mais alguns meses, ainda praticamente sem treinos, completou a maratona de São Paulo.
“Terminei em seis horas e meia, sei lá. O coto estava sangrando, todo inchado, eu nem sei como consegui”, contou ele na manhã de hoje, enquanto caminhávamos na região de Vila Mariana e Ipiranga, em mais uma jornada de meu percurso de 460 km por São Paulo em homenagem ao próximo aniversário da cidade.
Sofrida ou não, a corrida virou febre para o atleta amputado –antes do acidente, ele nunca havia participado de provas, mas tinha sido um bom jogador de futebol de campo e de salão, atuando no time da empresa.
Em novembro de 98, menos de um ano depois do desastre, participou da maratona de Nova York. No ano seguinte, ao lado das provas longas, começou a investir em corridas de velocidade (100 m e 200 m), pensando em conseguir uma vaga na Paraolimpíada de Sydney.
Chegou a ter o quarto melhor tempo do mundo, foi convocado para a seleção brasileira, mas foi cortado pouco antes do embarque. A decepção fez com que abandonasse de vez as corridas de pista, dedicando-se a provas de resistência, onde conseguiu destaque e reconhecimento.
Hoje, aos 47 anos, casado e pai de um garoto de quatro anos, Paulo Almeida é quase uma lenda entre os corredores de longa distância. Foi cinco vezes campeão da maratona de Nova York na categoria de amputados, duas vezes ouro em uma maratona no Brooklin, bicampeão em Chicago, tricampeão na maratona de São Paulo.
Em 2001, tornou-se o primeiro atleta amputado a participar da mais importante ultramaratona do mundo, a Comrades, na África do Sul. Naquele ano, não conseguiu completar a prova no tempo limite –sua prótese quebrou no km 81.
“Resolvi ir até o fim de qualquer jeito. Dei um jeito de amarrar a prótese, caminhei, às vezes andei aos pulos”, lembra ele. Cruzou a linha de chegada em cerca de 12 horas, mas seu feito não foi computado.
Deu um tempo, deixou a poeira baixar, treinou mais: “Acordava às 4h e ia correr na rodovia Bandeirantes. Como eu parou muito, tinha de fazer mais do que os outros corredores, para me garantir. Se eles treinavam 60 km, eu fazia 70 km”.
Preparado, voltou à África do Sul em 2007, levando um parceiro e uma prótese extra. A cada 10 km, encontrava o amigo e trocava a lâmina de carbono (menor, mas semelhante à que o sul-africano Oscar Pistorius usa) que usa na perna direita. Perdeu um total de 53 minutos com as paradas técnicas, mas conquistou sua medalha.
“Terminei a Comrades num pé só, literalmente. Quando faltavam uns cem metros, tirei a lâmina e passei pulando na perna esquerda, com o coto no ar e a prótese na mão”.
Ao longo da carreira, sempre conseguiu bons patrocínios. Hoje, ao lado dos apoios de empresas, também faz palestras. Pode escolher a dedo as provas em que participa. Seu ano de maratonas termina em Nova York, onde já disse presente 14 vezes; o próximo desafio será provavelmente em Copenhague, em maio.
Enquanto isso, treina nas ruas de São Paulo. Costuma sair de madrugada, sem destino, rodando todos os dias pelos menos duas horas. Em geral, seu ritmo é forte, perto de quatro minutos por quilômetro (15 km/h), mas hoje fez a gentileza de caminhar ao meu lado, num ritmo muito mais fraco.
Saímos com o céu ainda escuro, indo buscar algumas referências da história paulistana.
O primeiro deles dá tristes sinais de abandono, apesar de tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Fica na rua França Pinto, quase na esquina da Domingos de Morais.
Antigamente, aquela era a Estrada nº 4, estrada de Santo Amaro, e a estrutura de cimento servia como marco rodoviário. Está sem nenhum tipo de proteção e muito maltratado pelo tempo, pelos elementos e também pela raça humana; mesmo assim, ainda é possível ler as palavras “Pinheiros 9 km” gravadas no bloco.
Seguindo nosso passeio histórico, passamos pelo museu Lasar Segall.Ia recomendar de forma entusiástica a visita ao local, que costuma fazer excelentes sessões de cinema, além de ter um acervo artístico da melhor qualidade. Ao visitar a página do museu, porém, fiquei sabendo que está fechando para reformas. Mesmo assim, é útil dar uma olhada em sua versão internética AQUI.
Às vezes Paulo precisava parar, tirava a prótese e tirava ou colocava uma meia no coto, conforme o suor ou a situação da perna. “No calor, o coto incha muito. Além disso, o suor não evapora porque a prótese fica por sucção”, explica.
Conversando sempre, passamos pela Casa Modernista, que ainda estava fechada (conheça mais sobre ela AQUI) e chegamos ao parque Independência, que talvez seja o mais bonito de São Paulo, graças a seus fabulosos jardins.
Caminhamos pela pista de Cooper, coberta por árvores, e apreciamos o sensacional prédio que abriga o museu do Ipiranga –está fechado para reformas, saiba mais AQUI.
Paulo fala de suas conquistas e diz que a maior delas é conseguir viver bem consigo mesmo, de bem com a vida, apesar da perda. “Você pode ser amputado há 50 anos, mas sempre vai sentir que falta algo. Às vezes, ainda me abaixo para tentar botar a meia no pé que não tenho.”
Com a prótese, caminha e corre muito bem. No final de nosso percurso, deu um trotinho para a gravação DESTE VÍDEO AQUI. E terminamos nossa corrida ao lado de mais um marco rodoviário tombado pelo patrimônio paulistano.
Esse, no Ipiranga, está localizado na antiga Estrada nº 3 (Estrada de Santos) e seu estado de conservação está ainda pior do que o primeiro que vimos na caminhado de hoje. Pelo menos, está protegido por correntes, mas não sei se isso adianta muita coisa.
A reportagem que li sobre o tombamento dos marcos rodoviários, cita a presidente do Conpresp, Nadia Somekh, dizendo que o órgão pretende restaurar esses marcos e pesquisar se há outros na cidade.
Para saber mais sobre o assunto, fiz hoje uma consulta à assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura. A resposta foi esta: “Não temos ainda nenhuma novidade relativa à restauração dos marcos”.
Amanhã tem mais. Vamo que vamo.
DIA 22 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia
QUILOMETRAGEM DO DIA: 10 km
TEMPO DO DIA: 2h24min06
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 279 km
TEMPO ACUMULADO: 60h53min50
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 181 km
DESTAQUES DO PERCURSO: marcos rodoviários de São Paulo tombados pelo patrimônio histórico, museu Lasar Segall, Casa Modernista, parque Independência, museu Ipiranga
É uma pena este abandono da nossa história. Vc Rodolfo, que está realizando esta experiência de conhecer toda a nossa cidade, sente todos os dias isto. Que esta sua experiência renda frutos em melhorar nossa qualidade de vida e inspire todos os corredores de Sampa a visitar os lugares narrados, participando da sua conservação de algum modo. Abraços e força nestes dias que restam. Feliz Natal
Lucena , tive imenso prazer em conhece-lo em sua passagem no Ipiranga.
Força no joelho para completar a missão ( 460K não é para qualquer um !!!!!).
Feliz Natal !!!!!
Te vejo dia 31 na SS.
Abraço !!!
Grande Mauro, foi um prazer encontrá-lo. Faça uma ótima São Silvestre, abs
Que história inspiradora do Paulo! Excelente post Rodolfo.