Jardim Verônia EC ajuda a manter vivo o futebol de várzea
20/12/13 16:07Campeão da Copa Negritude 2009, bicampeão do setor leste da Copa Seme de futebol de várzea, o Jardim Verônia Esporte Clube é um dos tradicionais clubes da periferia, nascido em campinho de barro, em terreno baldio, e parceiro nas lutas da comunidade onde cresceu. Por isso, ganha o carinho dos moradores do território onde nasceu, um pequeno enclave em Ermelino Matarazzo, na zona leste.
Examinando o local à distância, analisando a imagem de uma foto aérea, o Jardim Verônia de onde o time tirou o nome não passa de três ruas que sobem o morro a partir da avenida que margeia a linha da estrada de ferro. Basta andar por lá, porém, para aos poucos descortinar os meandros de ruas que se cruzam, vielas e becos por onde, volta e meia, o visitante encontra alguém vestindo a camiseta vermelha e branca com o escudo do time.
“O Verônia foi fundado em 1962, já são mais de 50 anos de história”, aponta o ex-metalúrgico Vânio Marques dos Santos, 43, diretor social do clube, que me recebeu hoje de manhã para uma visita pela comunidade, mais um momento de minha trajetória de 460 km por São Paulo para homenagear o próximo aniversário da cidade.
Apesar de rodeado por alguns dos troféus conquistados pelo clube ao longo dessas décadas, Vânio não procura fazer um discurso laudatório. Conta que o clube cresceu com o bairro –há 50 anos, ali era quase tudo mato, um morro só, terrenos de propriedade duvidosa, lotes pertencentes a massas falidas de empresas, uma confusão.
Os primeiros moradores trataram de deixar sua marca e começaram a fazer suas reivindicações, mesmo no período da ditadura militar. Assim, foram conseguindo água, luz, uma escola, posto de saúde, asfalto para boa parte das ruas…
O time, por sua vez, nasceu na mesa de bar, onde se reuniam os amigos para tomar uma, trocar ideias e se preparar para a pelada domingueira. A disputa era em campo de areão, que virava um barral só à primeira chuva, como alguns dos campinhos por onde passamos em nossa caminhada na manhã de hoje.
Apesar do desconforto das instalações, o Verônia atraía a comunidade, como mostra foto resgatada por Vânio (abaixo).
Formado em história, o dirigente do clube vem fazendo já há algum tempo trabalho de recuperação da trajetória do time e do bairro, digitalizando imagens históricas e mesmo páginas de jornais que, décadas atrás, acompanhavam o desenrolar das batalhas do futebol varzeano.
Em alguns casos, lembra Vânio, as batalhas não eram em sentido figurado. Aliás, foi por causa da “indisciplina” dos atletas, afirma ele, que acabou a Copa Primeiro de Maio, uma das mais tradicionais competições promovidas pelo Verônia. O campeonato começava em janeiro; no Dia do Trabalho acontecia a final, depois das comemorações e passeatas pela região central de Ermelino Matarazzo (hoje, o largo Primeiro de Maio, abaixo).
Nos últimos tempos, a rivalidade saudável com o XI Garotos, O jardim Belém, o Irmãos Coragem, o Ermelinense e o Buturussu vinha se transformando em choques físicos mais contundentes, e a turma achou melhor deixar para lá. Há muitos outros campeonatos disputar, e o Verônia não só diz presente como recepciona adversários no campo principal do bairro, hoje equipado até com grama sintética, como mostra Vânio (abaixo).
Ressalta, porém, que tudo isso não saiu de graça, mas sim das lutas dos moradores (Clique AQUI para assistir a um VíDEO que fiz com ele) . Vânio aprendeu o exercício das campanhas comunitárias nas greves metalúrgicas dos anos 1980; mais tarde, desempregado, associou-se a companheiros do bairro para tentar melhorar de vida.
Criaram cursinhos pré-vestibulares que funcionavam aos domingos para atender o pessoal do Jardim Verônia e de bairros próximos. “A periferia na academia” era o lema do grupo, e logo surgiram, em outras regiões, iniciativas semelhantes. “Foi assim que consegui fazer faculdade”, diz ele, afirmando que as aulas da rede de cursinho renderam bons frutos, com mais de cem estudantes da área conseguindo passar no vestibular.
Por causa de sua ação na comunidade, acabou convidado para o clube, apesar de não jogar futebol. E tratou de ajudar a turma a se mobilizar para conseguir uma sede para o clube (até então, os encontros era no bar-sede, ainda hoje comandado por Izildo de Oliveira, 59, foto cima). “Sou meio gramsciano, um intelectual orgânico”, diz ele, referindo-se ao pensador italiano comunista Antonio Gramsci.
O Verônia, por sua vez, parece estar organicamente ligado às lutas do bairro. Passamos pela casa de um veterano líder comunitário, Octaciano Anselmo, 76, que ainda hoje trata de manter algum tipo de militância –participa de reuniões com ex-presos políticos e é sempre ouvido nas questões do bairro.
A principal, segundo me diz a presidenta da Associação dos Moradores da Vila Piraquara, Márcia Pereira, é a legalização da propriedade das casas. “Pobre gosta de documento”, afirma ela. “A gente quer tudo certinho. Quanto mais pobre, mais certo quer.”
O bairro está totalmente implantado, explica, mas praticamente ninguém tem documentação de propriedade dos lugares onde mora. Há algumas ruas abertas pelo poder público, mas há também vielas, becos, escadões, vias típicas de comunidades da periferia, que vão se organizando à medida que chegam novos moradores.
Isso vai melhorar, garante: “Nós somos um bairro pobre, mas mobilizado. Aqui o pessoal corre atrás mesmo”.
É o que também vai contando Vânio ao longo de nosso percurso. E lembra que a turma não quer só casa e comida, quer também diversão. O próprio Jardim Verônia Esporte Clube abre seus tentáculos para além dos campos de futebol e das campanhas comunitárias: chega até o Carnaval.
O clube tem uma ala na escola de samba Leandro de Itaquera. E apoia com ardor, samba no pé e som no gogó o bloco Pé Vermelho, nascido a partir da bateria do clube. O nome no bloco não veio apenas das cores do time, mas da história da região.
“Há muitos anos, não tinha estação de trem aqui perto. Os trabalhadores iam caminhando até a Luz, pelo caminho de terra. Seguiam descalços, para não sujar os sapatos. Quando chegavam ao centro, lavavam os pés, que estavam vermelhos de barro, e seguiam para o trabalho”, conta Vânio.
Não por acaso, as música do bloco, que chega a mobilizar 500 pessoas em desfile pelas ruas do Jardim Verônia, falam da vida ali na comunidade e têm um ar de alegre protesto.
Composto por Pé de Meia, Babá, Tufão e Rodrigo Silva, o samba-enredo de 2014 é “Praça Onze Meu Amor”, homenageando uma praça que fica bem no topete do morro onde está encravado o Jardim Verônia.
Depois de chamar o povo para a praça, o samba conclama: “Vem comunidade e vamos revolucionar; a hora é essa, nosso bloco vai passar”.
Que assim seja. Vamo que vamo!
DIA 18 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para conhecer mais detalhes sobre o percurso do dia
QUILOMETRAGEM DO DIA: 10 km
TEMPO DO DIA: 2h36in08
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 245 km
TEMPO ACUMULADO: 52h52min58
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 215 km
DESTAQUES DO PERCURSO: Jardim Verônia, sede social e bar-sede do Jardim Verônia Esporte Clube, Jardim Piraquara, estação Ermelino Matarazzo