Para aliviar os joelhos, corredor roda por ruas ricas de São Paulo
05/12/13 15:50As subidas e descidas da encabritada e gigantesca avenida Sapopemba, na zona leste de São Paulo, cobraram imposto alto de meus músculos, tendões, ligamentos e articulações. Desde o final dos 20 quilômetros lá percorridos, meu joelho direito dói que só o Cão, as panturrilhas empedraram e a musculatura posterior da coxa está em alas. Sem falar dos pés –ah, os pés!, melhor deixar para lá.
Para tentar minorar o problema, ontem fiquei só na caminhada pelas não menos encabritadas artérias da vibrante Heliópolis. Depois do exercício, passei por completa sessão de fisioterapia de emergência, tratado com laser, ultrassom, pomadas e milagrosa terapia manual para soltar os músculos.
Não tão milagrosa que me deixasse cem por cento (se ficasse oitentinha já estava bom, mas estou ainda aquém disso). O que me levou a procurar, para o percurso de hoje, território mais plano e benfazejo para as articulações. Vai daí que meu percurso, no quinto dia da jornada de 460 km que faço em homenagem ao aniversário da cidade, incluiu a badalada Oscar Freire e suas ricas adjacências.
Começando a manhã, sou saudado por uma sorridente Mônica instalada em frente a uma livraria da alameda Lorena, que faz parzinho com a Oscar Freire na riqueza e no trânsito –uma dá mão para lá, outra dá mão para cá. Foi a primeira estátua da “Monica Parade” que vi na cidade; antes, só acompanhei pelos jornais e internet a epopeia da festança, que inclui roubo e sequestro de algumas das divertidas esculturas da querida personagem criada por Mauricio de Souza.
A Lorena e a Oscar Freire têm dupla personalidade: um território de altíssimo luxo e quadras menos aquinhoadas, ainda que também longe do misere da periferia. Há calçadas detonadas, mas também há passeios arrumadinhos, como os dos poucos quarteirões que os lojistas da rua mandaram consertar.
Nesse território, entre a Augusta e a Consolação, as mais famosas grifes internacionais dizem presente, assim como restaurantes caríssimos e lojas descoladas (confira AQUI lista do comércio oscariano). Já apareceu entre as dez ruas mais luxuosas do mundo, e o metro quadrado é dos mais caros da cidade, mas, mesmo assim, as casas dali também fazem promoção.
Me encantei com uma, que oferecia: leve quatro peças e pague três. Pensei: se eu fosse comprar três peças de qualquer coisa daquela loja, não ia sobrar dinheiro para a comida; aliás, dependendo da loja, três peças garantem dívida por meses sem conta…
Como não vou comprar nada, posso me divertir com a decoração. Uma vitrine expõe até manequins em pose de corrida, e gosto da imagem construída com os reflexos.
Em outra, a árvore de Natal é construída com pisantes vermelhos. A ideia me pareceu bacana…
A passo, vou conseguindo enfrentar as dores. Os músculos estão enrijecidos, e a caminhada não flui como eu gostaria, o que me faz aumentar o ritmo um pouquinho.
Assim, subo e desço transversais, cruzo por restaurantes notáveis por cobrar fortunas enormes por minúsculas porções. No meu caminho, ainda não há clientes das casas dos Jardins; por enquanto, chegam os funcionários, tomam café na rua, conversam com taxistas, cumprimentam seguranças. Tenho tempo de observar, numa viela, a árvore florida beijada pelo sol.
É hora de trocar de rumo. Chego à Gabriel Monteiro da Silva e viajo pelas alamedas da lembrança: há mais de 20 anos, um segurança assassinou a tiros um garoto que cometeu o “crime” de sentar em uma corrente que cercava a propriedade protegida por defensores armados. Acompanhei o caso, que saiu em reportagem de capa no caderno Cidades da Folha (hoje Cotidiano).
Essa morte e outras tantas relatadas nos jornais mostram que a gaiola de ouro dos Jardins (região em que fica a Oscar Freire) não tem só alegria, borbulhas de champanhe e brilho (apesar do proclamado por um cartaz de uma loja, que dizia “só o brilho importa”, em inglês –aliás, ao que parece, o idioma de escolha da área).
Na Gabriel, me desafio a trotar. Não há dor forte, ainda que as pernas se movimentem de jeito estranho: engulo um quilômetro de asfalto e mais outro, já dá até para suar (é bom suar, garante a música interpretada por Pepeu e Moraes Moreira).
A alameda é outra exposição de lojas de luxo, grande parte delas dedicada a produtos de decoração e mobiliário (veja AQUI uma relação das casas gabrielísticas).
No meu trotinho dolorido, chego a uma das praças mais gostosas que conheço, a Coronel Pires de Andrade, ladeada por mansões. Por favor, não conte para ninguém, mas um dia cheguei a pesquisar preços de casas na região e me encantei com uma vivenda instalada em uma das esquinas em frente ao quadrilátero arborizado –foi por certo delírio de grandeza, mas me diverti sonhando com a reforma que faria (vai dizer que, de vez em quando, você não imagina ter ou fazer coisas impossíveis…).
Além de bela, a praça é bem cuidada –há cadeiras e guarda-sóis para seguranças em vários pontos—e superarrumadinha. O gramado é limpo e a grama não é aparada, mas sim manicurada: olhando aquele verde, dá vontade de sair pastando…
Eu saio é correndo, ainda que por apenas algumas centenas de metros, Logo tenho de seguir a passo para fugir da dor e defender a musculatura –por certo ainda caminharei muito entre os trotes e corridas até completar meus delirantes 460 quilômetros por São Paulo.
Rodo pela avenida Faria Lima, outro templo do consumo, com vários shoppings –inclusive um que se alinha entre os maiores, mais luxuosos e, por via de consequência, mais careiros de São Paulo. É impressionante a expansão do número desses centros de compras: quando vim morar em São Paulo, em 1981, conseguia dizer o nome de todos ou quase todos, dava para contar nos dedos. Hoje são mais de 50, devendo chegar a quase 60 até 2015.
Investimentos à parte, eu precisava seguir para superar os incômodos musculares. Passo um clube frequentado pela elite paulistana, dou um adeusinho de longe para um dos museus mais bacanas da cidade, o da Casa Brasileira (vá lá um dia, é muito legal: aos domingos e feriados, a entrada é gratuita; nos outros dias, adultos pagam R$ 4).
Quando cruzo por ele, o museu ainda está fechado. Desço em direção à Marginal Pinheiros e encontro um “parente rico” dos prédios redondos que ontem visitei na comunidade de Heliópolis.
A parada para foto me revigora, sei que me destino está próximo. Acelero um pouquinho (fico sempre testando a musculatura), mas atravesso a passo a passarela que se ergue sobre a avenida Cidade Jardim e me leva até o parque do Povo –o chão treme, a passarela sacode com o movimento dos veículos que por baixo dela cruzam; dá até um medinho, mas a sensação principal é de curiosidade, estranheza. Fico com vontade de rir…
Gosto do parque do Povo, já corri muito por ali. É um pouco ensolarado demais para quem já percorreu alguns tantos quilômetros, como em geral acontece quando lá atraco, mas há territórios com sombra, bebedouros públicos e banheiros limpos.
Elegantes moradores da região fazem exercícios, babás passeiam com carrinhos bacanas, madames andam com seus lulus, executivos exibem sua musculatura. A volta para correr é pequena, pouco mais de 1.500 m, mas levemente ondulada, o que lhe empresta graça e dá mais sal ao exercício.
Minha preferência, porém, é olhar o entorno, céu aberto em plena região central do São Paulo. Os edifício não escondem o sol, mas montam guarda ao redor do parque, com seus perfis envidraçados que sempre necessitam de cuidados especiais de limpa-vidros acrobatas e dão reflexos que atraem a câmera deste corredor.
Faço quase uma volta inteira no trote. Quando tento repetir a dose, sou obrigado a reduzir para caminhada. O corpo pede descanso, cuidado, atenção. Tudo isso lhe será dado, prometo a mim mesmo, e termino a passo a jornada do dia. Amanhã tem mais. Vamo que vamo!
DIA 5 – PROJETO 460 KM POR SÃO PAULO
Clique no mapa para acessar informações mais detalhadas sobre o percurso de hoje
QUILOMETRAGEM DO DIA: 15 km
TEMPO DO DIA: 2h40min02
QUILOMETRAGEM ACUMULADA: 69 km
TEMPO ACUMULADO: 12h59min55
QUILOMETRAGEM A CUMPRIR: 391
DESTAQUE DO PERCURSO: comércio de luxo das ruas Lorena e Oscar Freire, lojas da Grabriel Monteiro da Silva, shoppings e parque do Povo
Qual o relógio que está usando para monitorar o percurso?
Estou com um Forerunner 10 da Garmin que demora uma eternidade para achar o sinal do GPS.
Rodolfo,
Por favor, não deixe o gás acabar, ok?
Sei que você ainda tem uma boa quilometragem para cumprir, mas lembre-se que há uma torcida enorme em seu favor, pessoas que, assim como eu, estão acompanhando passo à passo todo o seu itinerário, e que estarão impulsionando-o à prosseguir.
Durante muitos anos praticamente “vivi” na Lorena, Consolação, Oscar Freire…….eu caminhava e percorria tudo ali, pois tinha uma parenta morando na Lorena e que adorava me levar para uma verdadeira maratona entre todas as belíssimas ruas e alamedas da região. Era mesmo só prá passear, já que comprar qualquer coisa por ali era impossível para a grande maioria de nós, “pobres mortais”. Belíssima a sua descrição dessa região encantada de São Paulo!
Vamo que vamo, tomando fôlego porque tem muito mais pela frente!…..
Meu caro Rodolfo, adorei o termo “riquices”…enfim o corredor deve estar onde o povo está, e ele tb frequenta esse lado mais $$$$ da cidade. Gde abraço.
Forca e muitos alongamentos e massagens,rs
Muito bom…sempre que posso dou uma passadinha aqui, pois aprecio seu desafio e mais ainda a maneira como escreve!!!! Força e muita massagem e alongamento,rs