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Rodolfo Lucena

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Perfil Rodolfo Lucena é ultramaratonista e colunista do caderno "Equilíbrio" da Folha

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São Paulo é verde-amarela, descobre corredor na manhã cinzenta

Por Rodolfo Lucena
28/10/13 07:13

“Moço, leva ele correndo daqui, pode ser?”, perguntou em tom de galhofa o sujeito fortão que, no final da madrugada, empurrava um fulano mais alto que ele, porém magrelo, que esbravejava “Eu mato ele!, eu dou um soco e arrebento”, enquanto outros ainda seguravam o alvo de tanta raiva, todos meio trôpegos, tontos sei lá de quê, talvez mistura de cansaço, bebida, fumaça, confusão.

“Ainda bem que ele não me chamou de tio”, pensei eu, ou “tiu-ô”, como a molecada fala e é pior ainda. Sem retorquir, esperando que todos se acalmassem, continuei na minha passada enquanto os galos da madrugada se enfrentavam e esfriavam. Por meu lado, eu queria esquentar a manhã cinzenta que nascia friorenta neste final de primavera paulistana.

Com quase dez quilômetros já percorridos, a paisagem por tudo me gritava são-paulo, são-paulo, tal como a ideia que muitos fazem da cidade-locomotiva, dura, feita de fumaça e asfalto, alvenaria, tijolo, concreto. E foi o que eu vi de um viaduto, ponto privilegiado de observação.

É a cara feia da cidade, que também aparece na escada suja, descendo quase a pique numa quebrada dos confins da zona oeste (ou será norte? por ali, naqueles extremos, as regiões se confundem e se somam).

Basta olhar para o lado, porém, e a cidade surpreende. Moro aqui há mais de 30 anos, e não me lembro de ter visto barco no Tietê, fora eventuais lanchas da polícia em trabalho de resgate ou alguma manifestação de ambientalistas. Pois à minha vista havia um barcão, atracado sob um viaduto, quase no exato ponto em que o rio Pinheiros se encontra com o Tietê (na foto abaixo, dá para ver, do lado esquerdo, um pedacinho da embocadura daqueloutro).

Deu até vontade de me desviar do meu curso, tentar saber mais sobre a embarcação, que parecia um barco de lazer, um lanchão do estilo bateau mouche, daqueles que navegam no Sena e oferecem ao turista vistas de Paris e comida boa. Tá certo, pode ser exagero, mas foi o que pensei enquanto corria: bem que podíamos ter passeios de barco pelos rios paulistanos, com música, pista de dança, poltronas para namorar…

Prossigo na corrida, driblo carros que teimam em se atravessar no meio caminho –as calçadas paulistas, repito mil vezes, são arapucas para os pedestres: estreitas, esburacadas, irregulares, fazem da caminhada uma corrida de obstáculos e, da corrida, uma aventura prenhe de riscos.

De repente, não mais que de repente, quando reduzo o ritmo cansado de uma longa subida, uma placa com nome de rua me surpreende. Trata-se de um bequinho feioso e curto (de fato, descubro depois, a rua é um pouco mais longa, tem ainda outros dois ou três quarteirões), mas de nome sonoro e difícil pronúncia.

Jagoanharo é o nome da rua, cujo tamanho nem de longe faz jus à grandiosidade do padrinho.

Na minha ignorância, não sabia que Jagoanharo fora um herói da nossa terra, chefe das primeiras nações, líder dos tamoios que se rebelaram contra a ocupação portuguesa. Foi ele quem comandou o cerco de Piratininga, em 1532, acabando derrotando por portugueses e seus aliados índios, estes sob a batuta do tio de nosso herói-nome-de-rua, o chefe Tibiriçá, que a história oficial se encarregou de engrandecer.

Os nomes das ruas podem ser curiosos, mas a paisagem que vejo é sempre a mesma, dura e urbana. Chego até a fotografar cena que me parece icônica: lá longe o morro arborizado, cá perto a casa em frangalhos, restos de um cortiço talvez, tudo visto por uma desbotada grade, qual cadeia citadina.

E ainda outra imagem que conta mais do mesmo: sem ter onde fazer exercício, um corredor solitário dá voltas e mais voltas num terreno baldio, ao lado da avenida cheia de buzinas e fumaça.

Há compensações, porém. Num parque, descubro recantos encantadores, territórios de paz e recolhimento, zonas de esperança, de descanso das duras cores que enfrentei pelos meus mais de 20 quilômetros de rodagem na madrugada cinzenta. Por mais concreto que tenha, São Paulo também é verde-amarela.

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Comentários

  1. marcelo comentou em 05/11/13 at 18:33

    Mesmo com todos os seus problemas, não troco o Rio por nada.

  2. Ana Claudia comentou em 31/10/13 at 13:17

    Essa cidade, me conquistou correndo. Mudei aqui a menos de 2 anos e como conhece-la? Me escrevi em todas as provas do Circuito de Rua da Prefeitura de São Paulo, muito bem organizado e ainda gratuito, hoje sou uma apaixonada pela cidade, uma forma deliciosa de conhecer essa cidade com seus milhares tons de cinza.

  3. David Lopes comentou em 31/10/13 at 11:43

    Rodolfo.
    Pelas fotos você correu na Ponte dos Remédios, Parque Vila dos Remédios e Av. Mutinga/Pirituba – Bem próximo na Av. do Anastácio – Parque São Domingos e City América é uma ótima região para se explorar nos longos. Correr em SP e descobrir a cidade é show!

  4. Ivan Bruno Hostil comentou em 29/10/13 at 10:14

    Massa, cara. Final do ano tenho uma “expedição” em SP e devo correr todos os sete dias dela para não perder o ritmo.

    Quero sentir isso que você sentiu. Amo essa cidade.

  5. Paulo Nogueira Starzynski comentou em 28/10/13 at 17:39

    Maravilha. Da vontade de viver São Paulo, correndo.

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