Corrida nos Alpes: para começar, 35 km em 12 horas!!!
11/09/13 12:47O treinador de corrida SIDNEY TOGUMI completou 40 anos neste ano e está a todo o vapor no mundo das ultras, ao mesmo tempo em que atua em uma assessoria esportiva em São Paulo. Nos intervalos do trabalho, bai ali e acolá para correr qualquer coisinha assim de uns cem ou duzentos quilômetros. A mais recente foi pouca coisa maior: 300 km nos Alpes, passando por trechos nas Itália, na França e na Suíça. Sem mais delongas, apresento a seguir o relato da prova que SIDNEY mandou especialmente para este blog, o que agradeço.
“Era início de dezembro de 2012 e eu sabia que as inscrições para as provas do Ultra Trail Du Mont Blanc logo estariam abertas. Comvidei meu amigo Eduardo Sarhan para me acompanhar. Na rápida conversa, expliquei que se tratava da etapa mais longa da competição, com 300 quilômetros de distância, 24 mil metros de desnível positivo acumulado e tempo limite de 138 horas.
Claro que deixei de lado alguns pontos, como o fato de poucas equipes completarem 100% do percurso, as dificuldades técnicas ou ainda o clima instável, que anualmente obrigava a organização a reduzir ou modificar o percurso. Afinal, pesavam particularidades como a largada em Chamonix, na França, o trajeto passando por Morgex, na Itália, e Champex, na Suíça, até o retorno a Chamonix. No Google Earth, tratava-se de um fantástico círculo pelo maciço do Mont Blanc.
Desembarcamos no final de agosto último em Chamonix, após meses de treinamentos e tendo no currículo a minha participação, no ano anterior, na categoria UTMB, de 160 km e 9.000m de desnível. A emoção me dominava. Os participantes do PTL praticamente desfilam ao entrar no “curral” de largada, ovacionados pelos milhares de expectadores presentes. Individualmente, tivemos a honra de uma torcida particular, incluindo a brasileira mais bem classificada no UTMB 2013, Manuela Vilaseca, 8º lugar geral feminino, e do meu amigo-irmão de ultras, o venezuelano Ylich Iausquin.
Contagem regressiva e Gooooooooo!!!!!!
O Sarhan saiu como um louco à frente de todos e eu tentava acompanha-lo, mas já sabendo que estava bem acima do meu ritmo. O percurso não é demarcado pela organização, e as equipes devem navegar por GPS, carta topográfica, bússola e road book. O Sarhan seguiu a indicação errada de alguns locais. Perdemos um pouco de tempo, mas logo voltamos à rota.
A diferença física da dupla acabou por interferir no nosso progresso. Discutimos muito sobre o ritmo nas primeiras horas de prova, pois eu não conseguia acompanhá-lo. Situação normal para duas pessoas que nunca haviam competido juntos. Treino é treino, jogo é jogo.
Ritmo ajustado, seguimos por onde o GPS nos mandava. Passadas 12 horas da largada, enfim tivemos a noção real da prova. Chegamos a um posto de controle, perguntei sobre a distância que havíamos percorrido e a resposta foi um baque: 35 quilômetros!
Ainda pensando na média de 2,9 km/h, nos reabastecemos de comida e água e seguimos nosso rumo. Durante a noite. fazíamos períodos de 30 minutos de sono, na tentativa de tentar recuperar um pouco as energias física e psicológica. Passávamos por lugares maravilhosos, porém técnicos e de difícil acesso, nada semelhante à geografia brasileira.
Infelizmente, entre o segundo e o terceiro dia, o Sarhan decidiu deixar a prova. Ele não se sentia bem e acabou por tomar essa difícil decisão. Pelo regulamento, eu poderia continuar desde que outra equipe ou competidor me aceitasse como novo integrante e, por sorte, logo fui recebido por uma dupla de franceses. Triste, me despedi do Sarhan e segui em frente, sempre com o pensamento na chegada.
Além do físico, o desafio psicológico aumentava, pois eu precisava me adaptar à nova equipe, de Stephane e Loic. Agora como trio, juntos com outra equipe francesa e uma sueca, cruzamos a fronteira entre França e Itália rumo, à cidade de Morgex. Foi lá que tomei o meu primeiro e revigorante banho, desde a largada três dias antes.
Dormimos por 40 minutos e seguimos em frente, por um curto trecho como um quarteto, pois o também francês Sebastien tinha passado a integrar a equipe. Uma hora depois, Stephan e Luli também desistiram da prova. Nos despedimos, nos desejaram sorte e seguimos na prova, agora uma dupla de um brasileiro que não fala francês e um francês que não fala inglês e, claro, nem o português.
Sebastien e eu tentávamos nos comunicar por gestos. A situação era no mínimo divertida. Como competidores, eu subia melhor, mas ele me deixava para trás nas descidas.
Em certo momento, cheguei a duvidar se conseguiria terminar a prova, pois meus joelhos passaram a doer muito. Em outro, precisei literalmente dar comandos para que Sebastien tentasse manter a racionalidade.
Em meio a um caminho extremamente técnico, íngreme e cheio de pedras, o francês começou a delirar. Alucinado, ele não conseguia mais controlar o sono. Fiquei superpreocupado, pois me parecia que ele estava com um esgotamento mental muito severo e imaginava que ele poderia ‘apagar’ de vez, em meio de um paredão de pedras.
Comecei a falar alto com ele, dando ordens num inglês simples e cheio de mímicas para que ele me ajudasse a encontrar marcas nas pedras que sinalizavam o caminho. Tentava motivá-lo e, consequentemente, mantê-lo acordado. Por quatro vezes tive que dar gel na boca dele, para que se alimentasse e mantivesse um nível de energia satisfatório. Após duas longas horas, finalmente, conseguimos atravessar a montanha. Comemoramos com um forte abraço, como se tivéssemos terminado a prova.
Aquela era a última travessia mais técnica e, partir dali, o aclive e declive facilitavam o descolamento. Já no vale de Chamonix, faltavam 17km, quando olhei o relógio. Teríamos apenas 2h05 para cruzar a linha de chegada dentro do horário limite. Naquele momento, não importava mais que já haviam se passado mais de 270 km, que os joelhos doíam como se quisessem saltar das pernas ou que os delírios por um momento testaram nossas racionalidades. Queríamos o colete de finisher!
Ainda faltavam 10 km e 1h10 para o tempo limite, quando começamos a correr. Corremos como loucos. Deixamos de lado sono, fome, dores, enfim, tudo o que nos incomodava, com o único objetivo de cruzar a linha de chegada e receber o colete de finisher do PTL 2013. Entramos na cidade, o ritmo era de quase 12km/h, bem acima da nossa média total da prova de 2,16 km/h. Já em Chamonix, passamos algumas equipes, cruzando a linha de chegada com 136h04min.
Desastre? Derrota depois de tanto sofrimento e aventura?
Para nossa sorte e surpresa, a organização havia estendido o tempo limite em 30min.
Recebi o colete de finisher aos prantos. Um choro de alegria, satisfação, orgulho, alívio, um misto de sentimentos indescritíveis. Sebastien e eu nos abraçamos e nos agradecemos por tudo que passamos.
Cada minuto da prova e cada emoção passaram como um flash na minha cabeça quando todos os atletas que terminaram o PLT 2013 foram convidados para subir ao palco e tocar o sino que simboliza a competição. Eu era o único brasileiro daquele grupo e sabia que era apenas o terceiro brasileiro a completar a categoria mais longa nesses dez anos de Ultra Trail Du Mont Blanc. “
Sensacional, Togumi! Ultra guerreiro! Muito orgulho de você. Parabéns 😉
Puxa, sem palavras !!!
Togumi, UltraParabéns !!!
forte abs !
Sidão,
Graças a vc que fiz minha primeira e única maratona e, cada vez que descubro uma nova aventura que vc vai encarar o admiro e respeito cada vez mais!
Parabéns por mais uma conquista!
Abs do amigo
Alan
OBS: Rodolfo, parabéns pelo blog (os loucos se reconhecem né!?rsrs)
Esse japonês é o orgulho da raça brasileira. Não conhecia nenhum desses detalhes, não sabia que o Sarham tinha desistido e acompanhei muito aflito esse final de prova e tempos limites. Parabéns é pouco, Sidão! Você inspira pangarés como eu!!!
parabéns Togumi, a emoção de completar uma prova dessa é para poucos, vc é um exemplo para quem corre provas longas !!!Obrigada por compartilhar conosco suas experiências
Que maravilha. Fascinante. Parabnes Sidney, voce é D+