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Rodolfo Lucena

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Perfil Rodolfo Lucena é ultramaratonista e colunista do caderno "Equilíbrio" da Folha

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“Fotografa nós”, diz o homem da rua ao corredor

Por Rodolfo Lucena
08/09/13 14:06

São Paulo é um mar. As ruas são ondas, em que o corredor mergulha, às vezes cansa, imagina que vai soçobrar, mas emerge para uma nova marola, outra vaga, um desvio, um tubo. O corredor surfa no asfalto.

As gentes são como os peixes, moluscos, crustáceos, algas, tão diferentes entre si como os habitantes das profundezas aquáticas, ainda que, como eles, irmãos, compatriotas, concidadãos.

Hoje tive mais uma prova, um gostinho do que é São Paulo, seu sal amargo, seu doce sol, sua crueldade cinzenta, o sorriso carinhoso de seu povo.

Saí de casa para perseguir meu nariz. Quase chegando à Paulista, encontro perdida num canto, abandonada, mas nem tanto, porque carinhosamente deixada em uma cadeira, a Maricota. Boneca de pano andrajosa e desmilinguida, é a parceira de um artista do asfalto que com ela às vezes dança na esquina da Paulista com a Consolação, ali onde um dia foi o Riviera –ele vai voltar!.

Hoje Maricota estava sozinha.

Desço a Consolação, seguindo caminhos que tantas vezes percorri a pé, de carro, de ônibus, para casa e para o trabalho, para o trabalho e para casa. Paro no Redondo, que já não é o Redondo, mas qualquer outra coisa que nem percebi. De qualquer jeito, não canso de me impressionar com a majestade do prédio criado em curvas.

Ao pé dele, um morador de rua dorme, como muitos outros nas quebradas do centro.

Passo pela Love Story, a boate de todas as boates, e o povo está saindo. Um mulher vestida com um colante berrante e uma blusa multicolorida, tão colada ao corpo quanto as calças, grita, chuta um carro, é contida por seguranças e conhecidos, o motorista do táxi sai para ver o estrago, mas é dissuadido de enrolar pela turma do deixa-disso, a mulher volta a atacar, seu alvo é alguém encolhido dentro do carro, a turma do deixa-disso enxota o taxista, o carro arranca e a confusão termina.

Passo por travestis, prostitutas, proxeneta, curiosos, bêbados, drogados, boyzinhos, coxinhas, garotinhas que querem descobrir a noite (agora já manhã alta). Sigo pela praça da República, subo a São João, desço para o Anhangabaú. Quando começo a atravessar, vejo o viaduto Santa Ifigênia , todo de aço, me convidando para passar por ele. Aceito o convite.

Faço uma curva, subo uma pequena ladeira e eis que a vejo.

Não sei quem é nem cumpri meu dever jornalístico de identificar a praça ou descobrir seu nome. Apenas a vi e gostei dela, não mais estátua de bronze, aço, cimento, granito ou o que o valha, mas coisa viva, modificada pelo homem da rua, que lhe deu boca e arma, até uma luva improvisada.

Quando eu fotografava a estátua/intervenção, vi lá ao fundo um morador de rua, catador de coisas, multicolorido. Imaginei até que pudesse ser ele o autor, tantas eram as criações que fizera no próprio corpo.

Ele se aproxima, chega mais perto, fala: “Fotografa nós dois”, como se de fato fosse a estátua sua criatura. Aí está a cena.

Ele informou ser o irmão Edmílson Bispo dos Santos e mais não disse nem lhe foi perguntado. Saiu para continuar a catar coisas na praça, eu segui minha carreira.

Vi lixo no caminho.

Vi helicóptero nos céus, fazendo um barulhão dos infernos.

Vi a vovó colorida de olhar perdido.

Vi uma ruela atraente, inusitada, talvez rescaldo das vilas operárias da zona leste.

A partir dali, segui jornada por uns lugares estranhos, acompanhando a linha do fura-fila, vendo ao longe os caminhos do metrô, mas sem saber direito por onde andava.

Seguia meu nariz, cumprindo jornada de caminhada e corrida. Tinha muita dor na lombar, a perna esquerda rengueava um pouco, mas não lhes dava descanso. Ver a cidade vazia, exposta, ameaçadora e cálida, me animava, assim como as corres e cheiros fedidos de arroios urbanos.

Passei rumo a uma área da zona sul, cruzei pela estação Tamandatueí do Metrô, da qual nunca tinha ouvido falar, apesar de ela estar na linha verde, que uso rotineiramente.

Faltava apenas um bloco do meu treino. Precisava sair daqueles confins sem gente, daquele corredor solitário de armazéns vazios. Subi por uma rua que parecia mais movimentada, talvez tivesse um bar ou um posto de gasolina onde eu pudesse beber água, engolir meu gel de carboidrato (o segundo do dia).

O que tinha, mesmo, era um jovem cavaleiro trotando pelo asfalto. Corria para longe, mas longo encontrou alguém que trazia um animal no cabresto. Voltaram os dois, vinham na minha direção. Pedi que posassem para uma foto. Eis pai e filho, que aos domingos levam seus animais para um passeio.

Fiz até um vídeo com eles. Vamos ver se a internet lerdíssima da minha casa permite que eu o coloque no ar. (Atualização: Consegui! Para ver o vídeo, clique AQUI.)

Ele me disseram onde eu estava: avenida Carioca, no Ipiranga. Mas nos confins do Ipiranga, não pertinho do parque nem da avenida Nazaré, que tão bem conheço.

Subi longa e cheguei à favela Heliópolis. Domingo de manhã, todo mundo de bom humor, não tive problemas para percorrer algumas de suas ruelas. Depois prossegui, pois já era quase hora de o treino acabar e não tinha a menor ideia de onde encontrar metro ou ônibus para voltar para casa.

Apesar disso, continuei correndo atrás de meu nariz, que não estava sendo o melhor guia do mundo: acabei chegando a avenida Anchieta, já quase fora dos limites da Pauliceia. De uma passarela sobre a via, vi o primeiro engarrafamento do domingo.

Depois fui me ajeitando, reconhecendo locais, descobrindo caminhos. O treino terminara: 25 km em 3h18, pode ser muito para alguns, pouco para outros, foi o que deu para mim, num percurso pleno de descobertas.

Antes de voltar para casa, ainda há tempo para mais uma olhada para a cidade. Vejo o mundão de telhados e janelas, tenho certeza: São Paulo é um mar.

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Comentários

  1. Giselli Souza comentou em 12/09/13 at 12:28

    adorei o relato, Rodolfo. são paulo tem a sua beleza única, meio suja, caótica, mas apaixonante. bons treinos!

  2. Rodolfo L Nascimento comentou em 10/09/13 at 13:16

    Grande Rodolfo, obrigado pelo passeio por essa SP que eu amo, porém que já não me ama mais dado o caos, a zueira e a falta de sossego, enfim. Em tempo, você como jornalista e antenado não tens notícias da abertura de inscrições para São Silvestre e se haverá a Corrida Sargento Gonzaguinha? Acompanharei tua página para ver se notícias saem. Grande abraço e bons treinos. ass rodolfo shosholoza e peregrino.

  3. Fausto comentou em 10/09/13 at 7:34

    Fantástico post.
    Run…Lucena… run!!!

  4. Antonio Colucci (@antoniocolucci) comentou em 09/09/13 at 13:50

    Sensacional Lucena!
    Seguir o nariz e desenhar SP é tudo de bom!!!
    Parabéns pelo treino e pelo ótimo relato!
    Abraço
    Colucci

  5. flávo H. Lodi comentou em 09/09/13 at 10:32

    Rodolfo, é disso que eu gosto, desses comentários com fotos. Ao ler eu literalmente corro com você. Parabéns pelo treino e obrigado por compartilhar.

    Forte abraço.

  6. Abel comentou em 09/09/13 at 0:07

    Que bela esticada! Morei muitos anos pertinho do local onde estavam os cavaleiros.

  7. wagner teixeira de deus comentou em 08/09/13 at 23:56

    Ufa! Fez 7:92 min/km. Vamú nesse vuqui vuqui q nóis chega lá……..

  8. Pedro comentou em 08/09/13 at 22:39

    Bela matéria. Isso me deu uma idéia.

  9. Pedro Garcia comentou em 08/09/13 at 21:25

    Muito lindo!Deu saudades. Hoje moro em Fortaleza.

  10. Pedro Garcia comentou em 08/09/13 at 21:23

    Lindo deu muita saudades.Hoje moro em Fortaleza.

  11. fernandok comentou em 08/09/13 at 17:18

    artigo- corrida gostoso de percorrer, deu inveja ao miserável corredor de 5 km que sou. corra mais,escreva mais, fotografe mais

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