Melhor brasileiro na Comrades pede desculpas por fracasso
03/06/13 16:53Multicampeão da maratona da Disney, Adriano Bastos é conhecido dos corredores brasileiros pela alegria com que participa das corridas, pelas fantasias que usa, pela sua roupa de triatlo… Ele enfrentou no último fim de semana o maior desafio de sua carreira: a ultramaratona Comrades, na África do Sul.
Ao longo dos últimos meses, compartilhou em uma rede social a evolução de seus treinos e chegou até a criar uma promoção, oferecendo um prêmio a quem acertasse o tempo que faria na mais famosa e mais populosa ultra do mundo. Esperava disputar o primeiro posto; no mínimo, conquistar uma medalha de ouro, que é direito dos dez primeiros colocados.
Adriano fracassou. Foi o melhor brasileiro na prova, mas ficou longe da marca sonhada, da classificação gloriosa.
Ele não fugiu nem se escondeu. No domingo à noite, publicou em sua página um longo texto em que comenta a prova e analisa seu desempenho. Com a devida autorização, reproduzo a seguir o relato de ADRIANO BASTOS.
“Quero apenas pedir sinceras desculpas a todos que ficaram na expectativa para que eu fizesse um ótimo resultado hoje na Comrades Marathon.
Juro que tentei e dei o meu melhor, mas infelizmente não deu para alcançar o resultado desejado de pelo menos chegar entre os dez primeiros ou finalizar a prova dentro de um tempo digno perto de tudo o que treinei e gerei de expectativa em vocês. Fui derrubado pelas câimbras, que começaram a pegar feio com apenas 35km de prova, e finalizei me arrastando em horríveis 6h52min37seg para o tanto que me preparei.
Digo que a sensação é realmente desanimadora e frustrante, mas a vida e as competições continuam.
O que me restou dessa experiência?
Muita dor muscular, aprendizado com essa prova e essa minúscula medalha Silver (confeccionada em prata pura e maciça), dada a quem completa a prova entre 6h e 7h29min59seg, pequenina mas com valor inestimável por todo esforço e superação que ela representa.
A prova é muito pior do que eu imaginava, o grau de dificuldade dela é insano, nem em sonho imaginei encontrar algo tão difícil e pesado assim. Sobe sem parar durante os primeiros 50 km (com apenas algumas descidinhas rápidas no meio, porém muito declinadas o que detona muito a musculatura), incluindo em vários trechos deste inicio, subidas com inclinações piores e mais extensas que a Biologia, na USP. E depois disso, faltando 37 km, vem uma sequência de sobe e desce um pouco mais suave até faltar apenas 18 km. quando pegamos uma descida enorme e sem fim, para a seguir enfrentarmos uma pesadíssima subida com quase 3km de extensão, desce novamente bem inclinado para enfrentar a ultima subida pesada da prova, literalmente uma Biologia com quase 2 km de extensão, ela termina faltando 7km para o fim. Depois disso tem mais um pouco de sobe e desce e os últimos 3km da prova termina descendo.
Realmente subestimei a prova e ficou claro minha incapacidade de corrê-la pensando em vitória. No máximo dá para pensar em chegar entre os dez primeiros, e isso realmente seria possível se não fossem as caibras que me forçaram a caminhar durante muito tempo. O décimo colocado finalizou em 5h51min, já o campeão em absurdos 5h32min, e eu senti na pele o que significa tentar correr essa prova para um tempo desses, só para super-homens mesmo.
Já completei um Ironman em Porto Seguro com 40°C na cabeça, em 1998, e digo que que as nove horas daquele Ironman foram fichinha perto das 6h de sofrimento aqui.
Sem falar o calor totalmente atípico neste ano e um vento contra fortíssimo, que fazia a musculatura sofrer ainda mais. Normalmente a temperatura fica em torno de 15°C no decorrer da prova, e neste ano largamos já com 20°C às 5h30 da madrugada, e com 2h de prova a temperatura já estava em 30°C. Muita gente quebrou e passou mal, inclusive os favoritos. Dos 18 mil inscritos, apenas 10 mil completaram.
Larguei na elite e de cara passamos o primeiro km para 3min23, depois o ritmo deu uma estacionada e ficou entre 3min35 e 3min45, subindo. Quando a subida era muito ingrime, o ritmo subia para 4min10.
Corri no pelotão principal junto com líderes até o km 25, em uma média de 3min45/km. Foi quando enfrentamos a primeira subida realmente pesada da prova, a Fields Hill, uma subida inclinada como a Biologia e com 4 km de extensão. Um grupo de cerca de 30 atletas forçou o ritmo e foi embora; eu fiquei no segundo pelotão, que tinha uns 60 atletas.
Naquela subida as minhas pernas e minha cabeça pediam pelo amor de Deus para eu andar, mas me mantive firme correndo. Eu via o grupo principal cada vez mais distante, pensava que não podia desanimar, que precisava continuar ali fazendo o meu ritmo e acreditando numa quebra dos atletas que estavam na frente.
Passei a correr num buraco, com apenas mais três ou quatro atletas ao meu lado. Ao finalizar a subida, a média já tinha caído para 3min49/km. Os 29 km iniciais só subindo me detonaram muito mais rápido do que imaginava e senti as pernas já começarem a pesar e o ritmo subir.
Cheguei à placa de 52km (com 35 km de prova; na Comrades, as marcações de km são regressivas, a largada é km 87 e assim vai regredindo mostrando quanto falta) com a média já em 3min52/km. Aí veio o pesadelo: comecei a sentir câimbras na musculatura posterior das duas coxas e daí em diante tive que parar várias vezes para relaxar a musculatura e alongar.
A musculatura dava espasmos repentinos, causando dores insuportáveis e até me fazendo gritar em alguns momentos. Um desses momentos aconteceu diante de um posto de abastecimento e apoio e rapidamente chegaram em mim dois médicos que subiram minha bermuda e começaram a massagear meus dois posteriores com pomada e gelo. Fiquei ali parado por quase um minuto.
Enquanto isso vários atletas que tinham ficado para trás começaram a me passar. Quando voltei a correr, continuei a ser ultrapassado.
Imaginem essa situação acontecendo com mais 52 m de prova pela frente e com MUITA subida a enfrentar ainda. Fui tentando administrar essa situação e ainda conseguindo manter a média abaixo de 4min/km, mas, faltando 40 km de prova, entortei de vez. As várias paradas ocasionadas pelas câimbras e a retomada seguinte da corrida foram minando a musculatura. Cada vez que voltava a correr, voltava mais travado e com novas dores musculares e articulares na região da virilha.
Ao atingir a placa de 34km para o final, as câimbras vieram numa intensidade muito forte, me forçando a caminhar muito mais do correr, passei a fechar cada km para 6min ou mais. Isto se manteve até a placa de falta 25 km, quando nem trotar conseguia mais. Simplesmente caminhei da placa 25km até a placa 19km, não tinha como correr.
Caminhei durante 1 hora, cada km era percorrido em exatos 10 minutos, nunca imaginei passar por isso numa prova. Por varias vezes passaram por mim vans que recolhiam os atletas desistentes, e por varias vezes pensei em entrar numa delas e desistir de completar a prova. A sensação física de esgotamento e câimbras seguidas faziam a cabeça trabalhar totalmente contra, mas eu não podia fazer isso de forma alguma por dois simples motivos, o primeiro por respeito a todos torceram por mim, que acompanharam toda minha preparação nos últimos meses e ficaram na expectativa ai no Brasil ou mesmo aqui enquanto corriam a prova também. O segundo motivo para honrar a promoção que criei na minha página do Face e por respeito a todos que participaram e deram seus palpites, eu precisa premiar dignamente um de vocês. Foi uma semana inteira de auê em cima desta promoção, fazendo uma baita divulgação, interagindo com todos e recebendo mais de 2 mil palpites, para simplesmente eu desistir e não completar a prova. Não, de forma alguma!!!
Naquele momento coloquei na cabeça que iria até o fim nem que fosse caminhando mesmo. Pensar em tudo isso e nas pessoas que ficaram na torcida, foi o que me fez ter o compromisso de continuar ali na prova. Enquanto caminhava, em cada posto de abastecimento (tinha um a cada 1.600m) comia batata cozida com sal e tomava refrigerante e isotonico e isso foi estabilizando meu organismo e a contração muscular.
Depois da placa de 19 km percebi um alivio na musculatura, arrisquei e consegui voltar a correr, mantendo média entre 4min15 e 4min30 nas descidas e subidas mais leves e de 5min nas subidas mais pesadas. Consegui subir correndo e sem caminhar as duas últimas e mais temidas subidas, a Little Pollys e a Polly Shortts.
Depois da Polly Shortts, quando pegamos um trecho longo de descida inclinada, começou a dar caibras novamente, tive que caminhar mais uma vez por aproximadamente 1 minuto até que veio uma moça oferecer ajuda, passando uma pomada no posterior da minha coxa e então aliviou a caibra e consegui retomar a corrida até o fim.
Ficou claro que errei feio ao tentar ir no ritmo do primeiro pelotão sem conhecer a realidade da prova, mas no meu caso, que estava ali pensando na vitória, precisava correr esse risco. Estavam ali no pelotão simplesmente o vencedor de 2011 e vencedor de 2012. No começo estava muito fácil correr junto com eles, mas depois de 25 km de prova, quando eles apertaram o ritmo de verdade em plena subida mais pesada da prova, ficou nítida a superioridade desses atletas.
Se eu volto para esta prova, sinceramente não sei. Depois do que passei hoje, neste exato momento digo que essa possibilidade está em 0%. Abri mão de muitas provas no Brasil neste primeiro semestre para concentrar meus treinos para essa prova e chegar aqui e não fazer nem metade do que eu esperava fazer e conquistar.
A única coisa que sei é que para conhecer a realidade dessa prova e saber seu real grau de dificuldade somente estando aqui para sentir na pele. Agora que sei, poderei pensar melhor se vale a pena mesmo voltar pra cá tentando usar uma estratégia mais conservadora. Hoje, por não conhecer a prova, dentro da minha realidade, não respeitei o ritmo inicial como deveria.
Obrigado a todos e vamos em frente!!!”
Adriano,vc é um campeão que eu admiro mas vc foi traido por excesso de otimismo. A Comrades não é uma maratona, é uma ultra em condições desafiadoras. Achar que logo na primeira participação poderia chegar em primeiro é desconhecer a pedreira que lhe esperava. O seu lastro fisiológico é para provas de 42 k. Ultras é um outro mundo que vc agora conheceu. De qualquer forma parabéns pois vc literalmente tirou leite de pedra para concluir esta prova e isto só é possível em corredores excepcionais como vc.
Caramba.
Um dos relatos mais honestos que já li dentre corredores, amadores ou profissionais, que não atingiram seus objetivos.
Nada de desculpinhas… nada de mimimi.
Isso engrandece uma pessoa.
Valeu Adriano Bastos! Você e todos os corredores brasileiros que conseguiram fazer sub 7 na Comrades merecem ser divulgados e terem destaque na mídia, portanto essa homenagem serve para você (06h52m37s feito em 2013), para Maria Auxiliadora Venancio (6h39m03s feito em 2001), para o Adilson Dama Pereira (06:56:45 feito em 2009) e para o Edvaldo Caloi (6h48m15s feito em 2011). Seu treinamento e a experiência da Comrades não foi jogado fora eu acredito que se você deve disputar a próxima Two Oceans de 56 km pois terá muito mais chance de subir no pódium, “Sacode a poeira e da a volta por cima”. “Verás que um filho teu não foge à luta”. Um grande abraço!!!
Parabens Adriano,
Não tem que pedir desculpa. Quem corre sabe o que significa caimbras. VA em Frente, voce foi grande.
Achei o relato muito honesto e interessante, mas não acho que ele tem que pedir desculpas pra ninguém não, até porque ficou claro que ele fez o melhor que pôde.
Mas fiquei curioso, confesso, pra saber se algum fã muy amigo acertou o tempo de prova.