Corrida em Aracaju tem água gelada e carinho na estrada
24/05/13 13:29Teve água gelada em cada um dos postos de hidratação, rigorosamente instalados a cada cinco quilômetros até o mais amargo fim da corrida de 25 km em Sergipe. Considerando que a prova foi realizada na canícula do nordeste brasileiro, basta dizer isso para que fique atestada a ótima qualidade da organização do evento.
Estou falando da corrida que marca o aniversário da cidade de Aracaju. A capital sergipana completou 158 anos e a prova chegou à sua 30ª edição. Pelos relatos que ouvi, nem sempre a corrida transcorreu tão bem quanto neste ano, mas o que posso atestar é que ela deu um banho de organização em provas mais ricas e poderosas de São Paulo e do Rio.
A Corrida Cidade de Aracaju estava nos meus planos havia quase dez anos, mas nunca deu certo. Uma das dificuldades para o turista eventual é que a prova acontece no dia do aniversário da cidade, que é feriado local. Ou seja, apenas a cada cinco anos, mais ou menos, acontece no final de semana. Além disso, os preços de passagem aérea para o Nordeste sempre foram muito altos; continuam, mas, se o viajante consegue se programar com bastante antecedência, encontra valores razoáveis,q eu podem ser pagos em várias prestações.
Neste ano, deu tudo certo: incluí a prova no meu programa de treinamento para a maratona que realizaria no primeiro semestre, salvei alguns dias para a viagem e ainda consegui ótimo preço na passagem e nas diárias do hotel que escolhi.
Meu medo era o clima, a canícula, o ventão quente incendiando os pulmões, derretendo o cérebro e aposentando os músculos. Quando se abriu a porta do avião, percebi que estava perdido: um bafão invadiu a aeronave; ao desembarcar, cada passo gerava suor em bicas.
Estávamos no ponto mais quente do dia, às 14h. Não dei nem tempo para o corpo reclamar e fui para a praia, antes de mesmo de comer qualquer coisa, para fazer o treino de apresentação: Rodolfo, aqui Aracaju; Aracaju, aqui Rodolfo. Muito prazer.
Foram quarenta minutos de trote, seis quilômetros de mar, areia, asfalto e alguma brisa.
O ventinho marinho me deu alívio; imaginei que, na estrada, poderia facilitar um pouco a vida do corredor. Depois lembrei que a prova vem do sertão, não tem essa de brisa do mar salgado do Brasil; é sol na moleira o tempo todo.
O mar despertou lembranças da pátria gaúcha. Com ondas constantes, revolve as areias do fundo e dá às águas aquele tom amarronzado, que alguns conhecem por cor-de-burro-quando-foge e outros xingam de sujeira, que é característico do mar do Rio Grande do Sul. A praia larga, com alguma área de terra firme, boa para correr, também se assemelha às gaudérias. O mar, porém, é quente, convidativo, ainda que de águas revoltas e perigosas. É um cobertor, não a faca gelada das ondas gaúchas.
Cheguei com antecedência à cidade, para fazer alguns passeios tidos como obrigatórios. Agora que os fiz, recomendo: são imprescindíveis.
Para mim, o mais emocionante foi conhecer o delta do rio São Francisco, o encontro do Rio da Integração Nacional Com o mar. Em alguns pontos, o Velho Chico chega a ter 1.500 metros. É água para mais de metro; lá longe estão as ondas, cá em volta a água doce-salgada vai em correnteza que, quando se revolta, tudo engole (foto abaixo). É um Brasilzão que não tem tamanho, dá até um aperto no peito, a visão se turva, o vivente fica abestado.
Menos monumental, o outro passeio exige muita paciência, pois a viagem é longa, mas o prêmio é estupendo: as gargantas do rio Xingó (foto abaixo). Os recortes nas montanhas que margeiam o rio parecem artes de hábeis fiandeiras; as águas são verdes, traiçoeiras como olhar de cobra. E há que ficar atento ao caminho, na ida, pois se mergulha no sertão, veem-se imagens e cenas do Brasil profundo. Nesse passeio, trajeto e destino são partes de uma mesma experiência de descoberta.
Feito o imprescindível, é hora de comer e descansar, esperando a hora da largada. Dei-me tempo de sombra, água fresca e comida boa: carne seca assada com pirão de aipim, moqueca de lagosta, penne al mare e por aí vai.
A corrida começa às quatro da tarde, na histórica cidade de São Cristóvão, primeira capital de Sergipe. Fundada em primeiro de janeiro de 1590, ela se apresenta como a quarta cidade mais antiga do país. Fiquei procurando as três anteriores e encontrei uma barafunda de informações. Em várias listas das dez cidades mais antigas do país, o município sergipano nem sequer aparece. Diversos textos que li afirmam que, entre os historiadores, não há consenso sobre esse ranking. Se você tiver elementos mais consistentes para informar, fique à vontade.
De qualquer forma, a cidade integra o patrimônio histórico brasileiro e é de fato uma gracinha, como diria a falecida Hebe. Tem uma gostosa praça central, com coreto para discursos ou para abrigar uma bandinha furiosa, e uma série de igrejas do tempo do Ariri Pistola, como diria minha mãe. Vale uma visita mais demorada, mas eu apenas circulei pelas ruas de paralelepípedo no tempo que antecedeu a largada, para desanuviar o espírito e tentar dominar o medo do calor.
Bastou partir, porém, na gostosa tarde de 17 de março passado, para tudo se acalmar. O sol se abrigou em algum recanto do céu; houve ameaça de chuva e, pela manhã, havia dado uma pingolejada, mas agora eram apenas nuvens que de vez enquanto se abriam para que um sol modesto iluminasse o sertão.
Mesmo assim, só 60% dos inscritos completaram a prova. Se fosse dia de sol e calor mais forte, aposto que eu também não chegaria ao final. É que o percurso, ainda que belo, é muito exigente. São colinas que se sucedem sem descanso. Há longas subidas (foto abaixo, Divulgação), algumas escaladas; e descidas que cobram esforço sem fim dos joelhos, da musculatura posterior das coxas, do cérebro que a tudo comanda.
Eu dividi a prova em blocos de 2,5 km. Pegava água em cada posto, por onde passava andando, e levava mais um copinho para mais uns goles hidratação na metade do percurso até a estação seguinte; entre um e outro, trotava.
Assim, pude ver um terreno rico, cheio de verde, com moradores que cultivavam a terra e criavam alguns animais para abate: porcos, cabras, até um gado ou outro vi.
E as gentes vinham nos ver. Ao longo de todo o caminho, passando por lugarejos, pequenas povoações ou mesmo em trechos desertos, sempre aparecia alguém na estrada para saudar os corredores, gritar alguma brincadeira, incentivar, esquentar o coração.
Nos povoados, era dia de festa, e as famílias levavam as crianças para a beira da estrada para baterem mão com a mão dos atletas. No sertão deserto, vez que outra se via alguém solitário no morro, abanando de longe o seu apoio. Fiquei emocionado com uma vó, que colocou uma cadeira firme na terra vermelha e levou a netaiada para acompanhar o movimento (foto). Para mim, é o carinho na estrada que resume a corrida Cidade de Aracaju.
Lerdos como eu chegam à capital com noite escura. No Nordeste, nessa época, os dias são brilhantes, mas o breu desce rápido, mal dá tempo de dizer lusco-fusco. É preciso aumentar a tensão, ficar esperto, de olhar firme no asfalto. Guardar forças para os últimos quilômetros e ser capaz de acelerar ao ouvir o som da festa que aguarda o corredor.
Foi o que eu fiz. Cheguei feliz (e ainda fechei com rima rica este texto de celebração da corrida por paixão).
PS.: Tirando a foto de Divulgação, devidamente identificada acima, as demais são de minha lavra
Fiquei muito feliz ao ler o seu texto. Sou sergipano da cidade de Itabaiana e te agradeço por falar tão bem do nosso estado. Muito obrigado e sucesso em todos os seus projetos.
Participo dessa corrida desde as últimas cinco edições e confesso que esse ano houve melhoras na organização. A corrida por si só realmente é prazerosa, desafiadora, calorosa.
No entanto a prefeitura cometeu uma atrocidade no que diz respeito ao reconhecimento dos atletas: rebaixou a premiação que já é pequena.
Sem comentar que retirou completamente a premiação do corredor e da corredora mais idosa… premiação tradicional e já extremamente merecida, já que se trata de pessoas de até 80 anos de idade.
Fica aqui meu protesto!
Belo texto. Este ano vc teve sorte, pois a organização foi ótima.
Agora vamos as melhoras:
Prioridade A: Esta corrida tem que ser realizada sempre no sábado mais próximo a data de mudança da Capital, pois:
– Atrairia mais turistas de fora;
– Daria oportunidade para todos os SERGIPANOS participarem;
– Teria mais participantes e mais pessoas torcendo;
– Seria uma das únicas corridas puras de 25Km a ter até participação no calendário nacional.
Prioridade B: Devido a dificuldade, esta prova deveria ter hidratação com ISOTÔNICO em pelo menos 3 pontos (14Km, 20Km e 25Km).
Prioridade C: Voltar a premiar mais o geral sergipano. Deveria ser premiado os melhores 20 sergipanos no geral masculino e as 10 melhores no geral feminino. Esta é uma prova que já está no imaginário do corredor local e pela dificuldade deve-se dar este presente ao corredor local.
Belo texto. Esta prova merece mesmo ser mais divulgada. O Povo sergipano é muito amigo e hospitaleiro.
Relatos bem descritos !
Lucena, Parabéns!!!…excelente publicação e relato de Aracaju, São Cristovão e da Tradicional Corrida Cidade de Aracaju(Aniversário da Cidade)… abração!
Corri esta prova no ano passado e me surpreendi. Foi uma das melhores que eu já fiz. O percurso é desafiador e o povo nas ruas saudando os corredores é indescritível.Para os que tem a corrida nas veias esta prova é imperdível.É diversão garantida.
Prezado Rodolfo Lucena,
Faço parte da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Aracaju, responsável pela organização da Corrida Cidade de Aracaju, sua matéria me deixou emocionada, pois vc conseguiu com uma riqueza imensa de detalhes retratar o nosso belo Estado Sergipe, elogiou a nossa organização, sinto-me bastante honrada com as suas palavras. Excelente!!
Obrigado, Rodolfo, pelo reconhecimento do valor da Gente Sergipana… Como canta Caetano, em música de sua autoria entitulada “Aracaju” :
” …Ser feliz
O melhor lugar é ser feliz
O melhor é ser feliz
Onde estou
Não importa tanto aonde vou
O melhor é ter amor”
Volte mais vezes! Nossa gente estará sempre de braços abertos para acolher nossos irmãos brasileiros ou de qualquer outra nação.
Valeu Rodolfo Lucena, que bom saber que nossa corrida foi tudo isso ai no seu relato, obrigada por ter participado e ter gostado desse pedacinho! Te vi em S.Cristovão, olhei e comentei com um colega, “eu conheço esse cara”, dai ele disse de onde, kkkkk! Abraços e volte sempre, Sergipe te aguarda mais vezes de braços abertos!
Puxa vida colega corredor estou FELIZ da vida com seu artigo!!!!! Essa foi minha primeira corrida na prova e jamais esquecerei desse seu relato, só quem corre por prazer sabe da felicidade de terminar uma prova longa.
Obrigado!!!! Até 2014!!!!
Um abração!!!!
DAMASIO.
Damásio, acho difícil ele vir…pois cairá em uma segunda…Será até difícil para todos os sergipanos aparecerem.
Olá Rodolfo! Moro em Aracaju e fiz essa prova pela segunda vez esse ano, inclusive o avistei por lá. Sua presença, sem dúvida, tornou a nossa corrida mais especial, seu texto descritivo das nossas belezas aracajuanas me emocionou. Valeu pela sensibilidade em divulgar pra o nosso Brasil nossas belezas e nosso povo hospitaleiro e acolhedor, com a simplicidade do homem do campo, já que a Corrida de São Cristóvão, feita na rodovia “João Bebe Água”, passa por várias áreas rurais em pequenos povoados. E isso é o que há de melhor, o acolhimento do povo aos corredores, não importa se somos os primeiros ou os últimos. Emociona, contagia e faz voltar. Então, seja sempre bem vindo!
Rodolfo, excelente texto! Vc nos levou a uma viagem pelo Estado de Sergipe, passando pelas praias de Aju, Velho Chico, Xingó e pela hisórica cidade de São Cristóvão. Considero “A Corrida Cidade de Aracaju” uma das mais difíceis do país (na distância de 25km). As subidas são cruéis e as descidas exigem muito do atleta! Como vc disse, o calor humano e a paisagem são os pontos altos da prova.
Adorei esse texto. Mostra que existem coisas e lugares a serem explorados por esse Brasil a fora.Principalmente para nós e que somos corredores e pegamos uma carona no passeio.Os Sergipanos agradecem sua visita!
Caro autor, gostei muito do seu texto sobre a nossa terra. Gostaria apenas de informá-lo que essa região da Grande Aracaju não tem nada de sertão. O sertão sergipano está a mais de 100 km da capital. Acredito que se fosse no sertão, você não chegaria na metade da prova. Abração 🙂
Parabéns por mais essa Lucena. Nada como descobrir novos caminhos correndo….
Eita que boas recordações, tanto da prova quanto dos meus passeios em Sergipe!
Correr no nordeste é isso mesmo Rodolfo, quentura abafada, sol forte. Para guerreiros.
Felizmente vc teve mais sorte do que eu no ano passado, que a corrida foi num dia quente e só teve água até o 13km (pelo menos para os mais lentos como eu).
Bom saber que a organização resolveu esse problema pois a prova é mt legal mesmo e Aracaju idem.
Lia