Em Porto Alegre, construo memórias com minhas passadas
03/05/13 23:15Porto Alegre não era assim.
Para mim, cabia na mão. Eu ia de um lado para outro, aprendi a andar de ônibus, de bonde, saía da Floresta, passava pelo centro, embicava para o Menino Deus, voltava como queria, tomava garapa nos bares em volta do Chalé da praça XV.
Cresci, o mundo inteiro virou Cidade Baixa: bar do Daiu (pronuncia-se com tônica no ú), Esquina Maldita, teatro de Câmara, botecos da República, Beco, rádio da Universidade.
Quando saí de lá, o Gasômetro ainda estava em ruínas, mal nascia a Perimetral, os ônibus T também estavam só começando, o cais do Porto não tinha quadros nem instalações artísticas, a Nilo morria pouco depois do Anchieta, shopping era só o da João Pessoa…
Quando voltei, debutei na maratona, meus treinos engoliam a cidade. Com 10 km, saí de casa e passava por tudo onde Porto Alegre existia; com 20 km, chegava ao coração da zona sul, depois do Jangadeiros. Sabia de tudo, conhecia os caminhos, levava no cérebro a planta da cidade.
Da Porto Alegre de hoje, porém, não tenho memória. No meu último longo antes de uma maratona que –espero—vai marcar minha volta às corridas sem dor, descobri uma cidade que não existia em mim, não estava no mapa.
Porto Alegre, a bem dizer, ia do Guaíba à igreja Maria Goretti, no Passo da Areia; pelo lado sul, o marco derradeiro era a Ipiranga, que acompanhava o arroi Dilúvio até a PUC e mais um pouquinho, lá onde ficava o 18º Regimento de Infantaria, o Dezoito, onde a gente se apresentava para o serviço militar. Certo, o mapa não era retinho: havia pontas: o Cristal com seus cavalinhos e, mais longe ainda, Ipanema, Assunção, Restinga, a Faixa Preta.
Tudo isso estava na memória. O que não estava não existia. Pois foi construído nos últimos dias de abril, em treinos curtos e no longo, que nem tão comprido assim foi, mas serviu para rodar pelo mundo do esquecimento.
Mais: mundo do nada. A gente é o que a gente se lembra; o que não lembramos não sabemos, não é nada, coisa nenhuma. Assim eram os caminhos que não conhecia e que percorri.
São as veias da Zona Norte. Descobri avenidas novas, com asfalto retinto, pedindo corrida, velocidade, ritmo, melodia de passadas. Trechos especiais para bicicletas –isso nunca existiu na Porto Alegre de antes, a da memória velha.
Subi morro e desci morro, parei para registrar vistas que nunca tive. Encontrei a casa mais gremista do mundo, pintada de azul, branco e preto, iluminada pelo escudo glorioso, embandeirada com as flâmulas do Imortal.
E segui. Descobri que a Protásio Alves não terminava no mundinho de bares, mas se ia embora. Encontrei praças abandonadas e outras tantas aproveitadas, vi montanha cortada a faca e me embrenhei por bibocas, construindo memórias de uma Porto Alegre em construção.
Quando me dei conta, estava na saída da cidade. Era só seguir, pararia em Viamão. Nananina, embiquei para os lados do Guaíba, que para mim vai ser sempre rio –hoje em dia, coitado, até de lago é chamado–, e me descobri na Ipiranga, margeando o arroio Dilúvio que, em dias de temporal, enrosca, grunhe feio e até carro engole…
Pois ali também me era desconhecido, mas descortinei em passadas: numa reta só, me encontrei de novo com o velho Dezoito, onde um dia fui considerado excesso de contingente, e segui em frente. Voltei à Porto Alegre que eu conhecia, agora ainda maior na minha memória.
como é bom ler teus textos através deles viajo embora não conheça POA tão bem como vc me vejo correndo em algumas ruas,a cidade da gente fica na memória os caminhos pena que algumas coisas não existem mais é assim que me sinto em relação a minha Curitiba
muito obrigado, zilma, bons treinos
Belo relato, amigo!!!
Esta corrida te inspirou mesmo, belissimo texto.
Rodolfo,
Gostei muito do teu relato e da bonita reflexão durante tuas passadas pela tua Porto Alegre.
Além da paixão pela corrida em si, algo que também me estimula a sair correndo pelas ruas é observar os rincões e os recantos de lugares até então desconhecidos.
Abraços, boas passadas e novas memórias.
Brunno.
Grande Rodolfo, estive contigo na praia do forte, na Bahia, correndo no grande latifúndio da aventura. Já fiz uma vez a maratona de Porto Alegre e achei fantástica. Qualquer dia desses nos encontramos pelas corridas da vida.
Um abraço.
Dorivam.