Reflexões não natalinas sobre a corrida
24/12/12 11:39Corri no domingo prévio ao Natal. Não percorri os caminhos da São Silvestre nem me despachei por São Paulo inteira, mas trotei feliz em conversa deliciosa. Depois, banho e toca a fazer maratona de televisão.
Teve “Mad Men” o dia inteirinho, a primeira temporada completa, um capítulo depois do outro dessa série que trata do mundo da publicidade nos primórdios dos anos 1960, nos Estados Unidos, e avança até perto dos anos 1970. A primeira temporada, a que revi, tem como uma dos grandes destaques a disputa eleitoral de Kennedy e Nixon.
Em um dos capítulos, há uma festa de aniversário da filha do personagem principal, o publicitário Don Draper. Reúnem-se na mansão suburbana os vizinhos e amigos –publicitários, vendedores, corretores, advogados, pequenos empresários, a classe média em ascensão para os píncaros da riqueza. Com eles, claro, estão as respectivas mulheres, todas especializadas em não fazer nada, cuidar da casa –ou seja, dar ordens a babás, cozinheiras, lavadeiras e motoristas—e falar da vida alheia.
O alvo das matracas é uma nova vizinha, divorciada e exuberante, grave ameaça à tranquilidade dos lares. O pior é que tem hábitos estranhos: caminha pela vizinhança, anda a passos ondulantes nas alamedas luxuriantes.
E ainda é abusada: apesar de saber que o convite foi pró-forma, veio à festa com seus dois filhos. Conversa com maridos sozinhos enquanto as esposas estão na cozinha; até que acaba caindo no covil das donas de casa. Trocam gentilezas até que uma das jovens matronas (uma contradição em termos, mas é isso que elas são) não se contém e pergunta:
–Quando você caminha, aonde você vai?
Surpresa com a questão, a recém-chegada esclarece: “A lugar nenhum, eu só caminho, faz bem…”
As outras não acreditam muito, mas a conversa aos poucos muda de rumo. Mesmo assim, o flanar sem rumo da divorciada parece pairar sobre todas como algo ao mesmo tempo desafiador, maluco, sem sentido e, talvez, convidativo…
Corredoras mais experientes, que começaram nessa jornada há mais de 30 anos (e mesmo mais tarde), relatam histórias semelhantes. Causavam surpresa, sofriam discriminação, eram alvo de bulha. Homens também relatam momentos em que provocaram estranheza e chegaram a ser parados por desconhecidos, gente prestativa que queria saber se estava tudo bem com a pessoa, por que o sujeito estava correndo…
Os tempos mudaram, fazer exercício em público já não provoca tanta celeuma, mas correr e caminhar permanecem atividades que têm em si um pouco de rebeldia.
Hoje se exige de cada um o máximo da produtividade, tempo integral e mais um pouco dedicados ao trabalho, ao patrão, à corporação ou ao próprio negócio. Tirar momentos, uma hora que seja, da luta pelo lucro, é quase criminoso.
Pois é necessário (até para que possamos dar mais lucro ou ganhar mais). Há que ter um tempo para si mesmo, para refletir ou suar sem pensar. Trata-se de uma forma de gostar mais de si mesmo –e dos outros, por suposto.
Nas ruas, o corredor se expõe ao mundo sem máscara. É aquilo mesmo que está ali, suas capacidades não passam daquelas, sua verdade é um passo atrás do outro.
Pode incomodar. Nas madrugadas paulistanas, ainda ouço xingamentos. Mas também há sorrisos e gritos de incentivo.
Enfim, cada um com o seu cada qual. O certo é que, nas ruas, o corredor comunga com o mundo.
Sempre que passo de carro por algum outro corredor dou uma buzinada de incentivo…
Abraço e feliz 2013 !!!
Um dos textos que mais gostei. Feliz 2013.
Muito obrigado, Aline
Rodolfo, começo meus treinos, 05h:40min; já fui chamado de folgado, maluco, etc… por correr tão cedo. Parabéns, pelos seus textos! Lendo-os, sou muito motivado a continuar meus treinos.
Que o Natal e o Ano Novo seja com muita saúde! ADEILSON
Oi Rodolfo,
entre caminhante e corredora há quase 30 anos, ler esse teu texto agora cedo … foi nostálgico, revigorante, compensador … continuas muito bom com as palavras! Gracias pelo presente!
um abraço!
Denise
Caríssimo Lucena (permita-me, assim chamá-lo, pois já o vi algumas vezes em corridas) seu texto expõe com bastante visão, sentimentos que realmente existiram e existem, eu mesmo quando via alguma (louco) correndo nas ruas achava engraçado e estranho, hoje sou um engraçado e estranho “corredor” que adoro treinar nas ruas, olhar “de canto” para ver o que alguns comentam, imagine que já ouvi até comentário se eu precisava de “bombinha de oxigênio” não respondi, mas ri por dentro o que vale realmente É O LUCRO QUE EU ME DOU, até breve……
Adorei o texto! Tem gente que nunca vai entender, já ouvi muitas também, e como no seriado que tem mais preconceito são as mulheres. Outro dia no parque da Água Branca, uma senhora simples da minha idade gritou: -Por que fica correndo velha? – magoei!
A única coisa que eu sei, é quem corre é mais feliz! Feliz Natal!
Muito bom ,muito bom!