Cenas de jornalismo explícito na maratona de Chicago
08/10/12 14:23A maratona de Chicago foi sensacional, a começar pelo número de participantes: 45 mil inscritos, com as mulheres representando 45,4% do total. Houve recorde do percurso e tanto a prova feminina quanto a masculina tiveram chegadas emocionantes, disputadas até o fim.
Uma beleza, mas o que mais chamou a atenção deste velho jornalista não foi nada disso, e sim a estupenda cobertura televisiva propiciada pela NBC Chicago, que acompanhei pela internet sem o menor sofrimento (AQUI).
Começo falando do aspecto técnico, sobre o qual pouco sei: a transmissão chegou ao meu computador doméstico, que se liga à internet por uma conexão mirreca de 2 Mbps, praticamente sem soluços, solavancos ou interrupções. Foram raros até mesmo os momentos em que a imagem demorou um tempo para aparecer ou para pegar o foco.
Além disso, tudo muito claro, nítido, mesmo com o constante movimento dos objetos filmados e com a ágil troca de câmeras. Imagino que a TV use algum método de compactação de dados que permita essa transmissão escorreita mesmo para os donos de internet molambenta; em comparação, a transmissão via internet da maratona de Boston, da qual assisti um pedaço no primeiro semestre, fica muito atrás…
Bueno, dito isso vamos ao que interessa: a cobertura jornalística. Gente, foi o máximo.
No comando das operações, havia três caras que sabiam do que estavam falando. Talvez não conhecessem muito dos corredores, mas liam o guia de mídia da prova (muito bom, por sinal) e resolviam o problema. Faziam brincadeiras entre si, trocavam comentários e ficavam o tempo todo espertos.
Num dado momento, um deles dormiu no ponto e falou que os quatro do pelotão de liderança, na prova masculina, eram etíopes. No mesmo instante em que eu berrei aqui em casa, avisando que um dos quatro era queniano, um outro sujeito do comando das transmissões corrigiu seu colega. O primeiro não se deu por achado, mas aí foi conferir e pediu desculpas…
Bom, se a coisa estava legal, ficou sensacional quando chamaram a convidada especial: nada menos que a recordista mundial da maratona, Paula Radcliffe. Extremamente simpática, sentadinha no banco, sem vergonha de mostrar o pé protegido por uma botinha ortopédica. Fez comentários pertinentes, conversou com um e outro, ganhou seu dia e foi para casa cuidar da vida, deixando o pessoal do comando das transmissões enlevado –um lá só faltou pedir autógrafo para a britânica.
Bom, a prova feminina era acompanhada, narrada e comentada por nada menos do que Joan Benoit Samuelson, a campeã da primeira maratona olímpica da história (Los Angeles-1984). Ela narrava e não se esquivava a dar opinião sobre o estado das corredoras; por volta do km 40, se bem me lembro, cravou suas fichas na etíope.
A partir dali, às vezes parecia triste ao ver que Atsede Baysa não só não conseguia escapar de Rita Jeptoo como também era ultrapassada pela queniana. Na curva final, chegou a dar um berro de entusiasmo quando a etíope fez a ultrapassagem e se acalmou ao perceber que a queniana dava o troco e parecia seguir para a vitória…
A emissora tinha repórteres por todo o percurso, dando informações sobre o que iria acontecer ou já tinha acontecido naquela determinada área, que também era apresentada (esse é um bairro muito bacaninha, segundo me dizem, falou uma repórter, deixando claro que não era do pedaço).
Também fizeram gravações com personagens emblemáticos e apresentaram os clipes em momentos menos dramáticos da cobertura. Eu preferiria passar sem, mas, pelo menos, os clipes era interessantes, ainda que melosos, e não atrapalharam muito quem queria acompanhar o desenrolar da prova.
Os comentaristas não deixavam de ser bem humorados. A certa altura, ao chamar um intervalo, um deles avisou: “Lembro aqui a frase do ex-governador da Califórnia para dizer: `Nós voltaremos`”. De fato, a frase “I`ll be back” era do personagem do filme “Exterminador do Futuro” interpretado por Arnold Schwazenegger (ou Governator, como foi chamado quando no cargo público).
Na chegada da prova masculina, os caras não conseguiram conter seu entusiasmo, estavam torcendo mesmo. Não por um corredor, mas pelo recorde ou por ainda mais emoção na chegada. A empolgação foi tão grande ou maior na chegada da elite feminina.
Como internetelespectador, eu me senti recompensado e respeitado. E fiquei pensando que não é difícil fazer um bom trabalho de cobertura de uma corrida, com qualidade jornalística e algum entretenimento; claro que é mais caro do que deixar dois caras num estúdio comentando o que eles veem na TV, sem repórteres que os alimentem de dados e sem câmeras que cubram as disputas que se desenrolam no percurso.
Ah, não dá para esquecer o site da maratona de Chicago, acompanhando ao vivo o desenrolar dos acontecimentos, colocando os tempos dos líderes a cada cinco quilômetros de forma quase instantânea (AQUI) –usava sistema semelhante (talvez fosse a mesma base, mas não posso garantir) ao empregado pelo site da maratona de Berlim, mas a entrada de dados estava mais rápida (pelo menos no olhômetro).
Para finalizar, não posso deixar de falar um pouco da prova, certo?
Tsegaye Kebede se tornou o primeiro etíope a vencer em Chicago e destruiu o recorde da prova com uma diferença de 59s, fechando em 3h04min38. Seu perseguidor e compatriota Feyisa Lilesa chegou a tentar assumir a ponta, mas cada golpe era devolvido em dobro pelo baixinho. De qualquer forma, com seu tempo de 2h04min52 (também abaixo do recorde anterior), ganhou US$ 40 mil de bônus por tempo –o bônus de Kebede pelo recorde foi de US$ 50 mil.
Na prova feminina, de novo a comprovação de que não vale a pena ir pro pau desde o início da corrida. Vou contar um segredo para você, meu caro leitor, minha prezada leitora: só ganha a maratona quem passar a fita em primeiro lugar.
Parece que a ótima corredora queniana Lucy Kabuu não sabia disso; ficou o tempo todo se esfalfando na liderança, muitas vezes guerreando contra a candidata a tetracampeã Liliya Shobukhova, para morrer na praia.
No final, a disputa ficou entre Rita Jeptoo e a etíope Atsede Baysa, que seguraram a ansiedade por mais tempo –no km 25, para você ter uma ideia, as duas estavam a mais de quatro minutos da líder. No 30 chegaram ao bloco da frente e, a partir do 35, Baysa começou a atacar.
Quando faltavam 200 metros para a chegada, Jeptoo estava alguns passos à frente e parecia prestes a vencer. Baysa encostava, mas a queniana mantinha a frente.
Cá comigo, acho que ela pensou que estava pelada a coruja e festejou antes de cruzar a fita, levantando os braços em sinal de vitória. Foi quando a Baysa meteu os peitos, literalmente, encostando o tórax e rompendo a faixa instantes antes da rival.
Os tempos oficiais de 2h22min03 e 2h22min04 não refletem a diferença. Essa é uma situação em que eu gostaria de ver os centésimos de segundo. De qualquer forma, a crer na informação divulgada pela prova, foi a chegada feminina mais apertada da história.
Antes de encerrar, lembro ainda um outro elemento sensacional da prova de Chicago: a alegria do Kebede pela vitória. Em geral, a elite da maratona costuma ser controlada, fria, encarando tudo como um trabalho e dizendo estar muito feliz com a vitória sem nem sequer dar um sorriso… Kebede não: seus olhos brilhavam, ele galopava pela área de chegada festejando com o público e, na entrevista, não cansava de repetir “2h04”…
Exorcizou o demônio de sua derrota para Wanjiru, nessa mesma maratona de Chicago, quando os dois batalharam palmo a palmo e o jovem queniano levou a melhor. Aliás, Kebede lembrou o fato, mas tudo se esfarelava diante de sua alegria, de seu sorriso farto no corpo minúsculo.
Rodolfo: corri a Maratona de Chicago, minha primeira maratona, fechando em 3h14’21”. Meus filhos acompanharam a transmissão online pela NBC e adoraram. Outra coisa que funcionou superbem foi o site da maratona com os splits praticamente instantâneos a cada 5 Km.
A prova é fantástica. Percurso realmente plano, tava um friozinho delicioso pra correr (entre 4ºC – 7ºC) e a organização é primorosa. Um show!
Não assisti a prova, no momento que eles corriam em Chicago eu corria a maratona de Buenos Aires.
Imagino que a transmissão tenha sido primorosa porque a a Maratona de Chicago é mesmo excelente, na minha avaliação, a melhor do mundo (é a única que repeti e recomendo muito).
A emissora de TV que transmite algumas provas no Brasil deve ler seu comentario e tentar seguir, ainda que minimamentente, a NBC Chicago (torço por isto, mas não creio que farão)
Não só a transmissão da NBC Chicago foram boas como os seus comentários instantâneos no Facebook. Quando eu ia comentar um chegava outro e me deixava calado, apenas esperando o próximo… e o pior que ele vinha rapidinho e muito bem.
Bom trabalho Rodolfo!!
Apenas uma correção (mínima e insignificante): O Arnold Schwazenegger não é mais governador da Califa. Depois de quase 8 anos chega, né. Aí ele aproveitou e revelou todos os pobres em “affairs” dele até levar um pé na bunda da mulher, uma da família Kennedy: Maria.
PS: Gostei de te ver também no “Vamos Correr” da ESPN descrevendo o que todos nós sentimos em uma corrida mas que apenas jornalistas renomados conseguem. Muito bom