Uma doce voz de comando na maratona de Berlim
02/10/12 15:30Aquele final da maratona de Berlim, sem nenhuma tentativa aparente de ataque para conquista definitiva da posição, ainda vai dar panos para manga. Mas isso é lá na elite. Cá entre nós, corredores do mundo, aquela prova sempre será maravilhosa, um palco para tentar superar nosso passado, atingir novo recorde pessoal. Era esse o objetivo do jornalista Breno Altman, 50, que atravessou o oceano rumo ao Velho Mundo para buscar sua primeira maratona sub4h. A partir de agora, fiquemos com o relato que ele escreveu especialmente para este blog.
“Berlim surgiu em minha programação para 2012 quase por acaso. Meu objetivo original era correr, em junho que passou, a Comrades, famosa ultramaratona sul-africana. Mas fui reprovado no teste, os 42 km de Paris, disputados em abril. Completei em pífias 4h47, depois de ter sentido muita dor no joelho a partir do km 25. Achei prudente acumular mais experiência em maratonas antes da aventura a que me propunha, adiada para 2013. Foi assim que vim parar na capital alemã.
“Durante cinco meses me preparei com afinco. Corri 1.470 km nas ruas e em esteiras. Fiz de duas a três sessões semanais de musculação. Tomei suplementos. Perdi peso. Completei praticamente 85% dos treinos propostos na planilha. A caminho dos 51 anos, sentia-me pronto para alcançar minha meta: realizar uma maratona abaixo das quatro horas.
“Tive o cuidado de chegar seis dias antes, para melhor me adaptar ao fuso horário. Escolhi um hotel colado ao Portal de Brandenburgo, local de partida e chegada da prova. Alimentei-me corretamente e descansei bastante nos dias anteriores. Estava seguindo o manual à risca, o que não é pouca coisa quando se está em uma cidade tão cheia de história, cultura e gastronomia. Mas era a hora da verdade e eu não queria falhar.
“O tiro de largada foi dado pontualmente às 9h, com 10º de temperatura, mas só consegui transpor o portal depois de 23 minutos. Minha estratégia era simples. Para organizar o ritmo e evitar a exaustão psicologica, dividi a maratona em cinco provas de 8 km, com os 2,2 km finais ficando por conta do estoque de energia e raça.
“O desenho era o de uma pirâmide com platô: começar mais lento, acelerar acima da média do km 8 ao 32, reduzir paulatinamente a partir daí. Eu havia furado alguns longões, não estava seguro de ter resistência para avançar os dez quilômetros finais em marcha batida.
“A primeira parte correu muito bem. Quando entrei na antiga área oriental de Berlim, já me aproximando da avenida Karl Marx (incrível, mas o revisionismo pós-muro manteve essa homenagem!), eu tinha matado os primeiros 8k em 45min30, 5min41/km, com frequência cardíaca média de 155 batimentos. Minha confiança no resultado cresceu. Já estava na exata toada para ficar abaixo das 4h, com pouco esforço, e a temperatura em 11º.
“Mas percebi um problema que me levou a um desvio do plano. Como corremos em ziguezague, o GPS marca uma distância maior do que a aferida na prova. Comecei a dar tiros de 12 a 14 km/h toda vez que meu frequencímetro marcava o fim da volta, até chegar à placa oficial de quilometragem. Óbvio que deveria ter distribuido essa diferença pelo conjunto da maratona. Os maiores erros, porém, cometemos quando nos sentimos por cima da carne seca…
“Mesmo assim, tudo seguia como previsto.
“Fechei os 16 km em 1h30m28s, ritmo de 5min39/km, fcm de 157 batimentos, apesar do termômetro já bater em 12º. Estava na Hermannplatz, extremo sudeste do percurso, fazendo o contorno para retornar à faixa ocidental da cidade. Bati nos 24km com 2h14m25, 5min36/km, frequencia média de 159 bpm. O calor já era de 14º, mas me sentia inteiro.
“Alcancei o km 32 em 2h59m29s, 5min37/km, fcm de 161bpm. Era o momento de desacelerar. Estava cansado. O calor subira para 16º. Minha frequencia cardíaca já estava no limiar anaeróbico há quase uma hora. E eu tinha uma gordura de 2min08 para queimar. Aí vieram os problemas.
“Primeiro, comecei a sentir os quadríceps, provavelmente por conta dos tiros absurdos que tinha dado desde o início da prova. Depois, impaciente, ao ver lotado o último posto de água, energético e frutas, no km 35, resolvi não parar. Já estava em Charlottenburg, bairro principal da zona ocidental. Meu tanque estava nas últimas gotas da reserva, mas joguei com a sorte. Paguei um preço alto.
“Comecei a sentir enorme fadiga muscular, além do joelho esquerdo me impor progressivamente uma dor insuportável. Ainda fechei o km 40 dentro da meta, com 3h46m32, ritmo de 5min40/km, fcm de 162 bpm. O objetivo estava perto, mas as forças se esvaíam. O sistema cardiovascular permanecia intacto. As pernas, porém, pesavam toneladas.
“Minha velocidade despencou. Fiz o km 41 em 6min28, o seguinte em 7min. Passei o Portal de Brandenburgo trotando, para logo caminhar, a poucos metros do final. Uma senhora, corredora enxuta com mais de 60 anos, segurou-me pelo braço e mandou eu não desistir.
“Foi uma doce voz de comando. Não sei de onde tirei energias, mas fiz os últimos 200 metros a 16 km/h. Não foi o suficiente. Terminei a maratona em 4h00m48. Um nadinha me separou do objetivo traçado.
“Não foi tudo o que queria. Logo depois da prova senti um pouco de raiva pelos erros, de frustração. Mas fiz quase 50 minutos mais rápido que em Paris. Já posso dizer que sou um berlinense. Não nos termos de Kennedy em 1961, em seu grito de guerra contra os soviéticos, mas pelo orgulho de não ter feito feio na pátria de Marx e Beethoven.”
Estes jornalistas são realmente muito bons em descrever bem desafios e correr maratonas pelo mundo.
Excelente relato.
Muito legal o relato dele. Esse tal de sub 4 horas não é fácil não. Só não entendi por que ele ficava dando aqueles tiros. Parece-me extramamente não recomendável. O GPS sempre vai marcar um pouquinho a mais. Tem que sempre levar em conta a km das placas da prova e não do GPS. Talvez isso tenha custado os 49 segundos para o sub 4.
Ótimo relato!
Vou correr minha primeira maratona este ano, em NYC e depoimentos como esse me ajudam a tentar não cometer erros.
Parabéns pelo seu tempo!
Abs