Aventura corrida no maior latifúndio do mundo - final
10/06/12 18:11Emergindo da mata, voltamos ao estradão. Os que vão fazer oito quilômetros já veem a entrada para seu ultimo trecho. Quem segue para mais morro, terra e mato, porém, só mesmo dá um adeusinho para as posses de Garcia D`´Avila e mete o pé na estrada.
Dizer “posses” de Garcia D`´Avila é minimizar as propriedades desse sujeito cuja história pode bem sintetizar muito das relações do poder público com os poderosos ao longo da história (e não só por terras nativas, é bom que se diga). Chegou ao Brasil com seu pai, Tomé de Souza, primeiro governador-geral da então colônia portuguesa. Era o ano de 1549 e o jovem, então com 21 anos, foi nomeado feitor e almoxarife da cidade de Salvador e da Alfândega.
Era um cargo sem salário: ele vivia da cobrança de seus serviços para importadores e exportadores (coisa pouca, como você pode imaginar). E não usava o nome do pai porque a lei portuguesa não permitia que pessoas em altos postos empregassem parentes…
Bueno, para encurtar a história, Garcia D`Ávila enricou num zás. Além de dinheiro e poder, comprou e tomou terras com voracidade desmedida. Ergueu em 1550 o forte que leva seu nome e, sete anos depois, já era o homem mais poderoso da Bahia: suas posses iam de Salvador ao Maranhão sem interrupções nem cortes nem divisas…
O território avilense totalizava cerca de 800 mil quilômetros quadrados, o que dá quase dez por cento do Brasil de hoje, mais do que as áreas, somadas, de Portugal, Espanha, Holanda, Itália e Suíça.
Tratava-se do maior latifúndio do mundo e alguns estudiosos vão mais longe: o maior latifúndio da história. Vai saber.
O poder dos Ávilas transmitiu-se pelos séculos, mas, na Independência, a família de poderosos ombreou-se com os portugueses e, a partir dali, foi a derrocada, cresceu como rabo de cavalo, morro abaixo aos trancos e barrancos…
Ou seja, mais ou menos a minha situação nos tempos hodiernos, nessa corrida açucarada e cheia de pimenta. Tinha calculado que, depois do esforço de subir o estradão, entraria no mato e desceria na maciota, por trilhas, até a praia. Sabia que estaria agora num descampado e que aqueles quarenta minutos de atraso na largada se fariam sentir em sol e calor, mas estava tranquilo.
Não esperava, porém, que a areia fofa estivesse tão no alto do morro. Meu despencar passou a ser um pesadelo. Corria, corria e quase não saía do lugar. Não eram dunas, os pés não afundavam na areia, mas também não conseguia fazer com que me fizessem seguir para a frente na velocidade que meu esforço dizia que eu deveria estar.
Para tornar mais desagradável a situação, os caras que faziam a meia maratona começaram a me alcançar por volta do meu km 9 (o km 16 deles) e passavam correndo como se a areia fofa que me amarrava os passos fosse pista de carvão para eles. Dava raiva.
Um deles conheci mais tarde, tipo do sujeito que gosta de correr. Ultramaratonista, certa vez não encontrou corrida que lhe agradasse e resolveu fazer sua própria: partiu de Salvador e sete dias mais tarde chegou a Aracaju, distante quase 300 quilômetros. Não satisfeito, ainda fez, um dia depois de chegar, a corrida de 25 km que homenageia o aniversário da capital sergipana.
Levar capote de gente assim não é vergonha para ninguém, ainda mais para mim, que não tinha outro objetivo que não fosse chegar inteiro, aproveitar o passeio, sofrer o mínimo possível e me divertir o máximo que desse.
Resolvi alternar corrida e caminhada. Usei a água para molhar as costas, os braços, as pernas. Me dizia que, quando chegasse à praia, tudo iria melhorar.
Melhorou mesmo. O mar é lindo, as ondas estouram em música poderosa, a espuma parece uma cama nas nuvens, a areia firme é passarela…. Pura poesia.
Nada disso. O caminho que nos deram era pela areia fofa, cá no alto, perto dos coqueiros e dos ninhos de tartarugas, todos demarcados com pequenos postes numerados.
Não era certo correr por ali, pisar em ovos (literalmente). Me fui para a beira, para a areia firme, sentir o vento no rosto, abrir a passada, fingir que estava correndo… Olerê, olará, que agora o bicho vai pegar!
Muito entusiasmo para pouca corrida… Metros adiante, havia um corredor estirado no chão, sofrendo câimbras, imagino, pois alguém da organização tratava de ajudá-lo com alongamentos. Eu resolvi seguir mais piano…
Também não tinha mais muito a fazer, pois o trecho de praia acabou mal tinha começado. Depois de uns 300 metros, embicamos de novo por trilhas de areia maldita, fofa.
Eram melhores que as da descida, porém. Fui negociando o trajeto, correndo onde parecia possível, caminhando, sendo ultrapassado por mais meio-maratonistas, mas avançando. Dois dias antes, fizera 12 km por um percurso muito mais fácil, terminando em cerca de uma hora e quarenta. Pensava que conseguiria completar a prova em duas horas, talvez duas e dez.
O sol e a areia fofa, porém, conspiravam contra mim. Resolvi não lutar. Melhor aproveitar o percurso, olhar as belezas em volta… Que belezas, meu senhor? Só areia e vegetação rasteira… Bora correr!
Correndo, chego enfim a um matinho, um pouco de sombra, mais uma sanga que é preciso cruzar, molhando de novo os tênis que o calor já havia secado um pouco.
Sem nem perceber, estou de volta ao estradão. Agora é só subida, mas o terreno é conhecido. Chego mesmo a ultrapassar um corredor dos 14 km, mas não percebo que é rival. Mais à frente, uma cobra coral (?????) morta na estrada faz com que eu pare e registre a cena. Foi o que deu para o cara me passar.
Caminhei mais um pouquinho, para que ele se distanciasse e pudesse virar um alvo, e comecei a correr (imitação de corrida, um ritmo qualquer que era mais rápido do que se arrastar…). Mas qualquer coisa me desconcentra e já não tenho mais alvo à frente.
Então subo, faço o que me é possível e entrou na escalada final. Curva para cá, curva para lá, areia fofa, terra batida, concreto, curva para cá, curva para lá e vejo a Eleonora. Ela está sentada numa sombra, na beira da estrada, grita meu nome, grito o dela e passo para logo cruzar o pórtico de chegada.
Terminei antes das duas horas, pouquinha coisa. Uma boa aventura sofrida e suada, por mata, praia e morro no maior latifúndio da história. Salve a Bahia!
PS.: A foto da chegada é de autoria de Alexandre Huang, treinador de corrida em Salvador, que gentilmente a mandou para mim. Obrigado.
Grande Lucena! Participei da prova (5K) e lendo seu texto refiz minha prova com o mesmo espirito que você encarou: Vou me divertir!. Sou novo nesta estória de corrida (Esta foi minha segunda prova) mas já estou viciado. Parabéns pelo texto e até a próxima. Abraço.
CAro Rodolfo:
Parabéns pela prova e pelo texto!
Conforme conversamos antes da prova, nos encontramos há cerca de 3 ou 4 anos na Maratona de Porto Alegre, sua cidade natal.
Depois de alguns anos me “encontrei” de novo com você passeando com minha leitura no seu bom livro Maratonando (autografado, inclusive!).
Agora, de forma surpreendente para mim, nos encontramos mais uma vez na Praia do Forte nesse Running Daventura.
Tomara que nos encontremos muito em breve em outro grande evento!
Abraços e boas provas,
André.
Saudações, André, foi uma satisfação conhecê-lo. Abs e boas corridas
Agradeco a pulblicacao da materia aproveitando para enviar mais sites amigos http://www.cordf.com.br http://www.corce.org http://www.feope.com.br http://www.caprius.com.br http://www.corridademontanha.com.br http://www.barrosroberto.blogspot.com http://www.circuitoacope.blogspot.com http://www.elivanciclistaultramaratonista/cicloturismo.blogspot.com Att Elivan(ciclista/Ultra/Pb
Excelente relato da aventura. Desejo que você possa desfrutar de muitas outras e então contar pra gente a experiência. Parabéns!
Muito bom texto. É verdade que eu estava lá (e, diga-se de passagem, aquela ultrapassagem na areia tecnicamente nem pode ser chamada de capote) mas estou seguro que mesmo quem nunca esteve naquelas paragens consegue vivenciar as dores e delícias desta corrida que só não pode ser chamada de maravilhosa pelo lamentável atraso na largada.
Abraços!
Naufrago foi boa !!! rsrsrsrsrs. Belo texto. Parabéns !!!
Que aventura hein Guerreiro.
parabéns pelo relato e por mais uma superação e acima de tudo diversão que faz parte da nossa saúde mental e física