Memórias de corridas em Praga
17/05/12 20:31Nunca corri a maratona de Praga, que muitos dizem ser uma das mais belas provas urbanas do planeta. A edição deste ano foi realizada no último domingo, e a Reuters colocou no ar um monte de fotos bacanas, como esta, que mostra a multidão de corredores cruzando a ponte Carlos, construção medieval que resiste ao tempo.
Apesar de nunca ter participado da maratona, já corri muito por Praga e circulei um tantinho pela ponte Carlos. Na última vez que fiz a travessia, minha mulher quase foi assaltada. No meio na multidão de turistas, um vagabundo qualquer já tinha mexido no fecho da mochila. A sorte foi que alguém avisou a tempo e nós conseguimos nos safar sem perdas maiores.
Minhas corridas foram todas solitárias, há mais de dez anos. Ficamos hospedados em um hotel simples, longe do centro, tipo umas quatro ou cinco estações de metrô. Lembro que fiquei muito impressionado com a profundidade do metrô. Quando a gente voltava para casa e começava a escalar as escadas rolantes, elas pareciam intermináveis, e lá de cima vinha um vento terrível.
Para não prejudicar nossos passeios, eu costumava levantar bem cedo e sair a correr, voltando antes de terminar o horário do café da manhã.
Uma das primeiras aventuras foi simplesmente pegar a rua do hotel e seguir reto em direção ao centro, um trajeto bem burocrático, apenas para me situar na cidade.
Depois fiz experiências: cruzei o rio, atravessei uma ponte, voltei por outra e fui novamente para o outro lado, para subir em direção ao castelo, na parte antiga da cidade. Vi os jardins do palácio antes de a turistada chegar e depois, quando fomos os dois passear, podia dar dicas de caminhada para minha mulher.
Esse foi o percurso mais bonito, e o repeti pelo menos uma vez, caprichando para passar por uma ilhota do Vltava usada para atividades esportivas –há nela até um estádio. Vendo do alto, como na imagem foto abaixo (gostou desta?: alto, abaixo…), você percebe um monte de caminhos; correndo por lá, porém, me perdi umas tantas vezes.
Ou por outra: os caminhos que escolhia não iam até onde eu imaginava que eles fossem, e eu era obrigado a retornar, escolher outro rumo até chegar ao ponto certo. Odeio fazer isso, mas quando não tem tu, vai tu mesmo, como diz o outro.
Também explorei o lado da cidade onde ficava o hotel. Em vez de sair em direção ao rio, fui para o lado oposto, subi uma pequena ravina, ganhei um morro e corri por uma estrada de terra, ao lado dos trilhos de trens ou bondes elétricos já não lembro direito –como disse, isso foi há uns dez anos…
Lembro, porém, que descobri um praça com um prédio monumental, muito bonito, mas de arquitetura severa. Tinha enormes portas de aço, encravada com gravuras mostrando a luta do povo tcheco (acho que era isso). Havia também esculturas gigantes de trabalhadores e da mulher camponesa: apesar de o país já estar, na época, sob nova direção, ainda guardava ícones do tempo do socialismo.
Também fiquei bem impressionado com a organização do trânsito da cidade, que é em estrutura de círculos concêntricos (ou, pelo menos, foi o que me pareceu, não cheguei a estudar mais detalhadamente), combinando trem, metrô, bondes e ônibus. A cidade que vi então era limpa, gentil, com bons restaurantes e vida cultural intensa. Estava se abrindo para o turismo e ainda tateava com o trato das multidões, onde batedores de carteira tentavam fazer sua festa particular.
Bem diferente da cidade que revi há três anos, desta vez só de passagem, sem correr.
O choque começou já no aeroporto. Mal me preparava para pegar minha mala, ouço uma sirene, parece aviso de algo de emergência, incêndio, talvez. Policiais correm de um lado para outro, agentes de segurança abordam as pessoas mandando todo mundo sair: era um alarme de bomba.
E lá me fui para fora do aeroporto, bem pequeno para os padrões europeus. Não estava preparado, porém, para o frio que me esperava: uma chuvinha fina, sem vergonha, nem chegava a molhar, mas a neve impressionava quem tinha recém saído de um verão paulistano de 30 graus…
Para variar, a montanha pariu um rato. Logo os policiais estavam caminhando com calma e tudo ficou tranquilo. Pude então achar o transporte que me levaria Brno, uma cidadezinha universitária onde iria visitar as instalações de uma empresa de informática.
O caminho também foi gelado, como você pode perceber. Nem passamos por Praga, apenas na volta, e então me pareceu uma cidade bem menos hospitaleira e amistosa.
Tinha mais o jeitão de uma Las Vegas medieval, com cartazes anunciando mulheres dispostas a trocar carinho por dinheiro, cassinos com luzes piscantes, aquele estilo kitsch implantado em prédios antigos, estruturas cinzentas.
Quem sabe, porém, se eu voltasse às ruas talvez encontrasse a alegria de antes, como imagino que os participantes da maratona tiveram oportunidade de experimentar. E é com eles, em fotos da Reuters, que encerro esta mensagem.
Há o corredor com uma perna amputada, que dá show de resistência e determinação correndo de moletas, e o deficiente visual que participa da prova com seu cachorro.
Há também o gaiato que corre de fantasia, e a atleta profissional que dá o sangue para vencer e, depois da chegada, pode enfim secar o suor do rosto.
Olá, Lucena! Estive nesta edição da Maratona de Praga! É realmente um percurso muito bonito. Aliás, foi minha primeira vez na cidade e me encantei com a beleza do centor histórico, com a “turistada” aguardando ansiosamente a tradicional badalada do relógio da prefeitura na praça da cidade velha (local da largada e chegada). Cruzei o rio Vlatva mais de sete vezes. O percurso é predominantemente plano porque margeia bastante o Vlatva. Qdo se afasta do centro histórico, perde um pouco o charme, pois entra em ruas comuns e solitárias. Os trechos que vc percorreu me lembraram da subida íngreme para o Castelo (fiz a besteira de ir lá na véspera da maratona e isso quebrou um pouco meu ritmo na prova, concluindo os 42 km em 4 horas e 26 min líquidos). A feira da maratona, perto de Holesovice, é de médio porte, mas muito bem organizada. Recomendo! Abraços!
bela narrativa e fotos, ultimamente andamos nos cruzando na av. sumaré, bons teinos
De fato, deve ser uma experiência incrível correr pelas ruas de Praga e observar os contrastes que existem entre a arquitetura medieval da cidade e o intenso colorido da multidão de corredores, com seus equipamentos tecnológicos. Quem sabe um dia? Valeu pela dica!!!
Belo texto. As memórias e experiências precisam ser publicadas, elas servem de estímulo para que as pessoas se desentalem e vasculhem as maravilhas que o nosso mundo possui e que estão por ai para nosso deleite e desafio. Parabéns.
Muito bom seu texto sobre a cidade, especialmente sobre como se pode descobrir uma cidade a pé, correndo, caminhando. Abraços.