Conheça Melpomene, a primeira maratonista olímpica
08/03/12 15:11“Woman is the nigger of the world”, canta John Lennon, fazendo numa só frase a denúncia de duas das piores chagas da humanidade, o racismo e a discriminação contra a mulher –tristemente, ambas perduram neste 8 de Março, em que se celebra o Dia Internacional da Mulher.
A data homenageia as lutas feministas do século 19 e início do século 20, em que operárias reivindicavam melhores condições de trabalho –saiba mais sobre o assunto lendo este texto da líder feminista e ex-senadora Eva Blay (AQUI). Se tiver mais tempo, AQUI há uma publicação mais extensa sobre o tema. A ONU, que formalizou a adoção da data, também guarda uma página explicando a efeméride –AQUI, em inglês.
A luta feminina se desenrolou em todos os campos da vida humana, dos postos de trabalho às lides domésticas, da política ao sexo. E aos esportes. Na Antiguidade, como você sabe, a presença das mulheres nos Jogos Olímpico era tabu; eram proibidas de assistir aos Jogos, e a pena para a desobediência era a morte.
Quando surgiu a ideia de reviver a Olimpíada, a discriminação ressuscitou junto. Foi vetada a participação feminina na maratona, prova inventada especialmente para a inauguração dos Jogos contemporâneos e tida como encarnação do espírito olímpico.
Os cartolas de então podiam dizer o que quisessem, mas não há força no mundo capaz de derrotar a decisão de uma mulher. Em março de 1896, cerca de um mês antes da competição oficial, Stamatis Rovithi correu de Maratona a Atenas no que seria o percurso da primeira maratona olímpica.
Não encontrei registros de seu tempo, e ela não conseguiu vaga na prova, mas demonstrou aos chefões do esporte que as mulheres podiam, sim, correr 40 km sem parar, sem desmaiar, sem morrer e sem trapacear –aliás, trapaça foi o que não faltou nas maratonas preparatórias aos Jogos, mas isso é outra história.
Entusiasmada com o feito da compatriota, outra grega, cujo nome a história registra apenas como Melpomene, resolveu tentar vencer a burocracia e se registrar como competidora oficial na maratona dos Jogos Olímpicos de 1896, os primeiros de nossa era.
Não conseguiu, mas também não se deu por vencida. Nomeada em homenagem à musa da tragédia (ao lado, estátua da musa Melpomene no Louvre, em Paris), resolveu fazer poesia no dia da prova olímpica. Fez seu aquecimento escondida, e largou junto com a homarada ao soar do tiro de partida.
Conforme os quilômetros passavam, foi ficando para trás, mas se manteve firme. Sua determinação lhe rendeu frutos, pois mais tarde foi ela que começou a ultrapassar outros contendores, alguns desabando e desistindo da competição. Chegou os estádio olímpico cerca de uma hora e meia depois do campeão, Spiridon Louis, mas os gravatinhas da época impediram sua entrada no palco agora praticamente vazio.
Tudo bem, deve ter pensado ela: não tem tu, vai tu mesmo. E deu a volta final contornando o estádio, completando o percurso em cerca de quarto horas e meia.
Assim, ainda que fora dos registros oficiais, consagrou-se como a primeira maratonista olímpica da história.
De forma oficial, as mulheres só puderam competir na maratona olímpica quase cem anos mais tarde, em Los Angeles-1984. O Brasil teve uma representante na prova, Eleonora Mendonça, que há alguns anos contou sua história para este blog (AQUI; role a página até chegar ao texto); a entrevista também está publicada em meu livro “+Corrida”.
Termino com palavras dela, relembrando aquele dia do verão de 1984: “Não posso nem descrever o momento. O que eu estava sentindo ali era o fruto de trabalhos de anos não só como atleta, mas como uma pessoa que lutou para que esse evento pudesse ser realizado. Não tem uma maneira de descrever. São sentimentos, sentimentos são difíceis de descrever. Quanto mais profundo, mais difícil fica. Valeu o movimento. Quando eu atravessei a linha de chegada, foi aquela alegria, entendeu? Estava em felicidade total”.
PS.: Se você não conhece a música de Lennon que citei no início, dê uma olhadinha neste vídeo AQUI.