SP no celular: a minha meia maratona
05/03/12 13:31Segundona é dia de comentar os resultados do final de semana, ainda mais quando a gente pode ver Marílson correndo em terras brasileiras. Hoje, porém, não vou fazer só isso; para mim, é dia de comentar a minha meia maratona por ruas paulistanas.
Foi no sábado, véspera da Meia Maratona Internacional de São Paulo, e comecei bem antes da hora em que, do dia seguinte, largariam as estrelas quenianas e brasileiras. Para fugir do calor, saí de casa às seis da manhã, já com o céu aberto. Para variar, estava bem travado: por causa da lesão (quadril), os primeiros movimentos têm um ar meio robótico. Não chega a doer muito, mas é um tanto estranho.
Caminho um quilômetro e começo a correr. Longe do ritmo inferior a três minutos por quilômetro que a elite iria imprimir no dia seguinte. Vou a mais do que o dobro disso –ou, dizendo de outra forma, menos da metade da velocidade dos caras. É o que posso, por enquanto, e que me dá alguma confiança de que chegarei inteiro ao final do treino –vencedor, portanto.
No dia seguinte, Marílson Gomes dos Santos, melhor maratonista brasileiro, fez diferente. Sentiu-se bem, achou que o tempo estava bom e sentou a bota. O que deu muito certo até o km 17, no elevado Costa e Silva, já retornando em direção ao Pacaembu. Ali foi ultrapassado pelo queniano Joseph Aperumoi, e não conseguiu mais dar o troco. O rival chegou em 1h01min38, apenas oito segundos antes de Marílson –os dois correram abaixo do recorde anterior da prova, que era do brasileiro (1h03min12). Aliás, o terceiro, Paulo Roberto de Almeida Paula, um dos famosos Gêmeos, também correu abaixo do recorde anterior e é candidatíssimo a representar o Brasil na maratona olímpica.
Não era isso que passava pela minha cabeça, porém, na manhã de sábado. Queria tentar rodar pela cidade sem sentir dor. E assim fui, na primeira estirada, até a praça da Sé. Naquelas primeiras horas matutinas, o movimento era pequeno, as lojas com portas fechadas, poucas madrugadoras tentando capturar clientes insones, garis tirando a sujeira da noite, lavadores de ruas varrendo com água a poeira do asfalto.
Decidi voltear um pouco pelo centro velho. É a vantagem de não ter hora nem percurso marcado. Quem manda em mim é meu nariz, a quem sigo religiosamente, descendo até a praça do Patriarca, embicando de volta pela São Bento até o mosteiro e então tomando a poderosa Boa Vista, cheia de bancos e financeiras, para novamente atingir a Sé.
Parte do centro velho seria visitada, no dia seguinte, pelos corredores da Meia. Não esse tantinho que eu percorria, mas a Duque, vislumbrando a Sala São Paulo, entre outras alamedas feias. Por elas, a elite feminina faria bonito.
Estrangeiras –uma quenina e uma colombina—tomariam os primeiros postos, mas a boa notícia para os brasileiros foi o desempenho de Cruz Nonata da Silva, que completou em 1h13min25 e fez uma prova bem consistente. Ela é candidata a representar o Brasil na maratona olímpica –vai tentar obter o índice em abril, na maratona de Viena. Esse é também o sonho da quarta colocada, Sueli Pereira da Silva, que ontem terminou pouco mais de um minuto depois de Cruz Nonata.
Claro que, na manhã de sábado, eu não tinha como saber disso. Apenas me dedicava a olhar. Desci até o largo da Concórdia, onde guias de compradores ainda tentavam conquistar clientes para a feirinha da madrugada do Brás, que estava em seus estertores. Embiquei até a igreja Santo Antonio do Mari, de arquitetura tradicional, mas dominante sobre os prédios baixos da região, e me fui embora.
Há lojas de todo o jeito: estava nas imediações da rua Oriente, centro comercial popular. Muitas das vitrines mostram roupas feitas por ali mesmo, região prenha de confecções de pequeno porte.
Fui me perdendo por ruas e ruelas, seguindo sempre em frente e sempre na contramão até que achei que era hora de voltar. Precisava dar um jeito de cruzar novamente a linha do trem e tentar encontrar alguma estação do metrô, pois só um pedaço do retorno seria ainda parte de meu treino, àquela altura já com mais de 16 km.
A região é feia, cheia de paulistanidade. Resolvi retomar, com ela, um projeto que estava havia muito adormecido e que fez parte da versão anterior deste blog: a seção Fragmentos Paulistanos. Era algo muito simples: fotos tiradas durante meus treinos pelas ruas da cidade. Se você não os conhece ou já não lembra deles, é meu convidado especial para uma visita.
Se quiser ir por conta própria, deve primeiro entrar na versão antiga do blog, AQUI. Na janela de busca, escreva a expressão fragmentos paulistanos e depois confira os resultados. Lembre-se de que, em vários casos, será preciso rolar a página até chegar ao texto desejado. Eu fiz uma seleção, a começar por Reflexos (AQUI). Neste bloco AQUI, você encontra vários Fragmentos Paulistanos; neste AQUI também, inclusive um dedicado a escadarias. Veja este bloco AQUI, que começa com entrevistas com dois corredores nonagenários e traz fotos do Mercado Público de Porto Alegre.
Com o que volto ao presente e à linha do trem que buscava na manhã de sábado. Ela foi a inspiração para retomar aquele velho projeto, que agora rebatizo de SP no Celular, pois as fotos serão feitas com meu telefonezinho simples porém limpo. Já do cenário fotografado, não posso prometer limpeza.
A escada acima me levou a uma passarela de ferro, suja e mal cuidada, com lixo abandonado em um de seus patamares.
Cheguei a ela descendo pela Rodrigues dos Santos, nomeada em homenagem a um jornalista que viveu no século 19 e foi um dos propagandistas da República. Depois da vitória dos republicados, elegeu-se senador e, mais tarde, deputado federal. A rua tem caráter bem comercial e termina num murão que tapa a linha férrea.
Do alto da passarela, a vista dos trilhos, solitários na manhã de sábado.
Do outro lado, mais uma escadaria, que vai me levar até a rua do Bucolismo.
Antes de falar dela, veja também o mapa daquele ponto de travessia.
Quando entrei na rua, não consegui identificar o nome: a placa está semidestruída, com letras borradas. Mas posso garantir que o local, onde fica um dos prédios do antigo Moinhos Matarazzo, tombado pelo patrimônio histórico, nada tem de bucólico.
A escolha do nome não é explicada na página Prefeitura de São Paulo dedicada à origem dos nomes das ruas paulistanas. Lá diz apenas o que todos sabemos: “Bucolismo é um gênero de poesia ou outra obra literária que exalta a beleza do campo”.
Como se vê na cena acima, o campo passa longe da rua do Bucolismo.
Eu por lá ainda circulei um pouco até descobrir a rota de volta à praça da Sé, onde acabei meu treino de 21 km e mais um pouquinho, com mais de 2h30 de rodagem. Tomei um cafezinho, comi umas bolachas e fiz uma fezinha na mega-sena, que estava acumulada em quase R$ 5 milhões.
Não ganhei, mas me diverti
Totalmente excelente o seu texto, Rodolfo, congrats!!!
Tomara nos reencontremos nas corridas de domingo – sim, já corremos lado a lado dentro da USP, mas acho que isso só ficou registrado do lado de cá, haja visto que estávamos muito ocupados com a prova de 10 milhas da Mizuno.